Zika transmitido por pernilongo acende alerta para vigilância dos vírus em mosquitos e antecipação de surtos

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 10/08/2017 às 10:06
De forma inédita, pesquisadores da Fiocruz Pernambuco documentaram o isolamento e o sequenciamento do genoma do vírus encontrado no pernilongo (Foto: Ascom Fiocruz PE/Divulgação)
De forma inédita, pesquisadores da Fiocruz Pernambuco documentaram o isolamento e o sequenciamento do genoma do vírus encontrado no pernilongo (Foto: Ascom Fiocruz PE/Divulgação) FOTO: De forma inédita, pesquisadores da Fiocruz Pernambuco documentaram o isolamento e o sequenciamento do genoma do vírus encontrado no pernilongo (Foto: Ascom Fiocruz PE/Divulgação)

Passado pouco mais de um ano do anúncio sobre a implicação do pernilongo (nome popular para o mosquito Culex quinquefasciatus, também conhecido como muriçoca) na transmissão do zika, pesquisadores da Fiocruz Pernambuco passaram a ser os primeiros no mundo a documentar o isolamento e o sequenciamento do genoma do vírus encontrado no mosquito. E mais: o artigo Zika virus replication in the mosquito Culex quinquefasciatus in Brazil, publicado na quarta-feira (9), na revista científica Emerging Microbes & Infections, do grupo Nature, registra o que os pesquisadores já conversavam há meses nos laboratórios: foi comprovada a presença de partículas do zika na saliva do pernilongo, o que indica a possibilidade de transmissão ao picar uma pessoa. Para a bióloga Constância Ayres Lopes, coordenadora do estudo, não restam mais dúvidas de que o Culex transmite zika. “A gente conseguiu comprovar”, atesta.

Mais do que apontarem a implicação de outra espécie de mosquito, diferente do gênero Aedes aegypti, na transmissão do zika, os achados da pesquisa alertam as autoridades de saúde para a importância de se fazer uma vigilância dos arbovírus na população de mosquitos. “Essa é uma forma de se antecipar epidemias. Se é possível detectar vírus circulando na população de mosquitos sem ainda ter casos (de adoecimento) na população humana, abre-se um caminho para a realização de algumas ações de controle (da infecção por vírus) e medidas necessárias”, reforça Constância.

Leia também: 

Genoma do zika encontrado no pernilongo é sequenciado pela primeira vez no mundo

“Futuras ondas epidêmicas do zika continuam prováveis”, adverte diretora da Opas

Falta de saneamento básico é desafio para enfrentar combate ao Aedes aegypti

Atualmente esse tipo de trabalho é feito apenas em nível de pesquisas, sem chegar a programas de enfrentamento às doenças transmitidas por mosquitos. No Brasil, o Levantamento Rápido do Índice de Infestação para Aedes aegypti (LIRAa), criado para identificar os locais com focos do Aedes aegypti nos municípios, é usado como instrumento para o controle do mosquito, através da identificação dos tipos de depósito onde larvas são encontradas e, consequentemente, da priorização de medidas para combate ao Aedes.

Para Constância Ayres, o artigo demonstra, “de diversas formas diferentes”, a possibilidade do pernilongo ser um dos vetores do vírus zika (Foto: Ascom Fiocruz PE/Divulgação)

Para Constância, é preciso ir mais além. “O LIRAa vê o índice de infestação de forma muito precária. Não é investigada a presença de vírus circulando (nos mosquitos). Esperamos os casos acontecerem para ir atrás das pessoas e ter acesso a amostras. A gente está sempre tentando apagar o incêndio, ao invés de investir em prevenção”, alerta.

A pesquisadora complementa que os estudos sobre o pernilongo continuam a todo o vapor, a fim de dar respostas a dúvidas que permanecem. “Claro que o Aedes é vetor do zika. Mas ainda não consegui entender o mosquito que tem mais importância nessa transmissão do vírus, principalmente numa cidade como o Recife, onde há um índice de Culex muito alto. Entre os nossos próximos passos, está investigar a capacidade vetorial (habilidade de uma espécie de transmitir a infecção ao homem em condições naturais)”, informa Constância.

Ela acrescenta que controlar a população de pernilongos pode exigir menos esforços do que o trabalho para combater o Aedes, que pode estar numa tampa de garrafa, na caixa-d’água, calhas e vasos sanitários. “É uma infinidade de criadouros que a gente (nem sempre) não consegue acessar. Já o Culex tem preferência por água extremamente poluída, como esgoto e fossa. Numa área, podem ser mapeados 100% desses criadouros e, dessa maneira, serem tratados”, ressalta Constância. Entre os próximos passos do grupo de estudo que ela lidera, também está uma pesquisa minuciosa sobre a diversidade genética de outros vírus, como o da chicungunha.