Método faz diagnóstico precoce de esquizofrenia

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 05/06/2017 às 10:45
Técnica pode antecipar diagnóstico em pelo menos seis meses, evitando o risco de submeter o paciente à medicação errada (Foto ilustrativa: Pixabay)
Técnica pode antecipar diagnóstico em pelo menos seis meses, evitando o risco de submeter o paciente à medicação errada (Foto ilustrativa: Pixabay) FOTO: Técnica pode antecipar diagnóstico em pelo menos seis meses, evitando o risco de submeter o paciente à medicação errada (Foto ilustrativa: Pixabay)

Do Estadão Conteúdo

Um novo método desenvolvido por cientistas brasileiros poderá ajudar os psiquiatras a diagnosticarem a esquizofrenia já na primeira consulta com o paciente. A técnica, que emprega algoritmos para analisar a estrutura da fala dos jovens com sintomas iniciais da doença, poderá antecipar o diagnóstico em pelo menos seis meses, evitando o risco - bastante alto - de submeter o paciente à medicação errada, de acordo com os pesquisadores.

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O estudo que descreve o novo método foi publicada na revista Schizophrenia, do grupo Nature, por uma equipe liderada pelo neurocientistas Sidarta Ribeiro, do Instituto do Cérebro, ligado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em Natal. De acordo com Ribeiro, na área da Psiquiatria, um dos maiores problemas atuais para a indústria farmacêutica é desenvolver meios para evitar que o paciente seja tratado para a doença errada.

"Essas doenças não têm base biológica clara e, portanto, não há exames inequívocos para o diagnóstico", disse Ribeiro à reportagem. Atualmente, por conta dessa dificuldade, é preciso acompanhar o paciente por seis meses para definir o diagnóstico, a fim de evitar uma medicação equivocada, que poderia ser desastrosa.

Em pesquisas anteriores, o grupo já havia mostrado que é possível utilizar modelos matemáticos para analisar a fala dos esquizofrênicos, mostrando também que, nesses pacientes, a estrutura do discurso é empobrecida, quase aleatória. No novo artigo, porém, os cientistas conseguiram fazer medidas objetivas do grau de aleatoriedade da estrutura verbal de adolescentes psicóticos ainda em seu primeiro contato clínico.

"Mostramos que é possível calcular um número único - que chamamos de índice de fragmentação -, capaz de prever com grande acurácia o diagnóstico da esquizofrenia na primeira entrevista psiquiátrica do paciente. Isso significa que o psiquiatra pode usar esse índice para dar um diagnóstico inicial mais certeiro já na consulta inicial", afirmou Ribeiro.

Avaliação da fala

O novo método de diagnóstico da esquizofrenia desenvolvido pelos cientistas do Instituto do Cérebro da UFRN se baseia na análise da fala dos pacientes. De acordo com a autora principal do artigo, a psiquiatra Natália Mota, a psicopatologia clássica já via na maneira de se expressar do esquizofrênico uma forma de distinguir a doença de outras, como do transtorno bipolar.

"Há muito tempo os sintomas da desordem do pensamento expressa na fala foram descritos como típicos da esquizofrenia. Não apenas o conteúdo do que a pessoa fala, mas a forma. O psiquiatra observa esses sintomas com base no que chama de 'descarrilamento do pensamento e frouxidão das ideias'", disse Natália à reportagem.

Segundo ela, no caso dos pacientes crônicos, o psiquiatra consegue perceber esses sintomas com relativa facilidade, a partir do histórico das crises e da expressão das ideias, que já apresenta clara falta de conectividade. Mas, em crianças e adolescentes que começam a ter sintomas, o clínico tem dificuldades para diferenciar a esquizofrenia da bipolaridade e de outros transtornos mentais.

"Percebemos que seria importante aplicar esse método de análise da fala logo início, a fim de poder rastrear quais pacientes poderiam desenvolver no futuro os sintomas mais difíceis de tratar, como a degradação cognitiva", afirmou.

Aplicação clínica

Natália, que está concluindo o doutorado em Neurociências no Instituto do Cérebro, acompanhou as crianças que chegavam para a primeira consulta em um Centro de Atenção Psicossocial Infantil em Natal. Depois de fazer gravações de 30 segundos da fala das crianças - enquanto elas contavam um sonho da noite anterior, por exemplo -, os cientistas analisaram como as palavras se conectavam, utilizando para isso um software desenvolvido por eles e baseado na teoria dos grafos, um ramo da matemática que estuda as relações entre os elementos de um conjunto, de palavras, neste caso.

Depois da transcrição da gravação, os cientistas carregavam o arquivo de texto no software, cujo algoritmo quantifica as características da conectividade entre as palavras. Seis meses após o experimento, já com o diagnóstico das crianças definido clinicamente, foi possível observar as diferenças do discurso daquelas que apresentavam esquizofrenia e testar a eficácia do método. "O que observamos é que, já na primeira entrevista, as crianças que seis meses depois foram diagnosticadas com esquizofrenia falavam de uma forma bem menos conectada e menos complexa", disse Natália.

Ao combinar os três diferentes componentes matemáticos utilizados para obter as medidas de aleatoriedade da fala, os cientistas criaram um número único - o índice de fragmentação da fala -, que tornou o resultado ainda mais consistente. A técnica previu a esquizofrenia com mais de 80% de precisão. O estudo também teve participação do físico Mauro Copelli, da Universidade Federal de Pernambuco.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.