Com sequenciador portátil, grupo monitora evolução do vírus zika nas Américas

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 25/05/2017 às 17:45
Análise de 54 novos genomas completos do patógeno indica que vírus provavelmente entrou no Brasil em Fevereiro de 2014 e circulou de forma silenciosa pelo continente durante pelo menos um ano (Foto: Projeto ZiBRA)
Análise de 54 novos genomas completos do patógeno indica que vírus provavelmente entrou no Brasil em Fevereiro de 2014 e circulou de forma silenciosa pelo continente durante pelo menos um ano (Foto: Projeto ZiBRA) FOTO: Análise de 54 novos genomas completos do patógeno indica que vírus provavelmente entrou no Brasil em Fevereiro de 2014 e circulou de forma silenciosa pelo continente durante pelo menos um ano (Foto: Projeto ZiBRA)

Da Agência Fapesp de notícias

A bordo de um laboratório móvel e munido com uma tecnologia inovadora de sequenciamento genético que cabe na palma da mão, um grupo internacional de pesquisadores tem investigado a trajetória do vírus zika desde que ele desembarcou no Brasil e começou a se espalhar pelas Américas. De acordo com os cientistas, o objetivo do trabalho é monitorar a evolução do genoma viral – tanto para entender o que ocorreu como para prever surtos futuros e manter os métodos diagnósticos atualizados. Os primeiros resultados do projeto ZiBRA (Zika no Brasil Análise em Tempo Real, na sigla em inglês) – apoiado pelo Ministério da Saúde, pela FAPESP e diversas outras entidades – foram divulgados nesta quarta-feira (24) na revista Nature.

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“A combinação de dados epidemiológicos e genéticos nos permitiu perceber que houve circulação silenciosa do Zika em todas as regiões das Américas pelo menos um ano antes da primeira confirmação do vírus, em maio de 2015”, disse Nuno Faria, pesquisador do Departamento de Zoologia da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e primeiro autor do artigo.

Segundo Faria, o Zika teria sido introduzido no Nordeste brasileiro em fevereiro de 2014. Nesse ano, é provável que tenha havido alguma transmissão pela região, mas não muito acentuada. “O grande surto aconteceu muito provavelmente em 2015, simultaneamente ao de dengue. Do Nordeste, o Zika teria se espalhado para a região Sudeste do Brasil [Rio de Janeiro, inicialmente] e também para o Caribe e outros países da América do Sul e Central, chegando à Flórida”, disse.

As conclusões se baseiam na análise de 254 genomas completos do patógeno – 54 dos quais sequenciados para este estudo. A maior parte desses novos dados genéticos foi obtida com um sequenciador portátil conhecido como MinION, da Oxford Nanopore Technologies, que pesa menos de 100 gramas.

Os protocolos que permitiram usar essa tecnologia no sequenciamento do Zika foram desenvolvidos no âmbito do projeto ZiBRA e renderam um segundo artigo publicado também no dia 24 na revista Nature Protocols.

“Esse teste foi usado pela primeira vez em 2015, na África, durante a epidemia de Ebola. A grande vantagem é que ele pode ser feito no local em que o caso é notificado, permitindo acompanhar a trajetória do vírus em tempo real. O aparelho é menor do que um telefone celular e é capaz de sequenciar o genoma completo de microrganismos – em breve, também de organismos maiores”, disse Ester Sabino, pesquisadora do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (IMT) da Universidade de São Paulo (USP) e coautora do artigo.

Quanto maior é o número de sequências geradas, acrescentou Sabino, mais fácil se torna entender quando o vírus entrou no país, como ele se distribuiu no continente e, principalmente, de que forma está evoluindo.

Essa análise é possível graças a uma técnica conhecida como relógio molecular, que avalia as substituições nas sequências de certos genes. Essas modificações ocorrem a uma taxa relativamente constante e os genes funcionam como se fossem cronômetros, indicando o tempo de divergência entre diferentes isolados virais.

“A ideia do projeto surgiu em 2016, quando parte do grupo publicou na revista Science os primeiros achados epidemiológicos e genéticos do Zika na Américas. Na época, havíamos sequenciado sete isolados virais. O número de amostras ainda era insuficiente para ter uma noção ampla da diversidade do vírus no continente”, disse Luiz Carlos Alcântara, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) na Bahia.

O projeto ZiBRA foi aprovado em uma chamada de propostas lançada em conjunto pelas agências de fomento britânicas Medical Research Council, Newton Fund e Wellcome Trust. Aos esforços se uniram pesquisadores financiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), FAPESP, Fiocruz, Instituto Evandro Chagas, Ministério da Saúde, USP, Universidade de Birmingham (Reino Unido) e Universidade de Oxford.

Um laboratório móvel foi montado em um ônibus, que visitou ao longo de 2016 os Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacen) do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. Além de Alcântara, Faria e Sabino, também coordenaram a iniciativa os pesquisadores Nicholas Loman, da Escola de Biociências da Universidade de Birmingham, Oliver Pybus, do Departamento de Zoologia da University of Oxford, e Marcio Nunes, do Instituto Evandro Chagas do Pará.

“Analisamos, em cada Lacen, entre 300 e 400 amostras de sangue de pacientes com suspeita de Zika – totalizando 1.330 exames. Fazíamos o diagnóstico com PCR em tempo real [método capaz de detectar o RNA viral na amostra] e, quando dava positivo, o material genético do vírus era sequenciado”, contou Alcântara.

Com o apoio de outros dois laboratórios fixos na Fiocruz da Bahia, em Salvador, e no IMT-USP, em São Paulo, também foram sequenciados isolados da região Sudeste e do Tocantins. Ainda no âmbito do projeto ZiBRA, foram analisados os genomas de quatro isolados virais do México e cinco da Colômbia – todos sequenciados nos Estados Unidos por colaboradores do grupo.

“As análises mostraram que os vírus encontrados nas diversas regiões brasileiras e nos vizinhos latino-americanos ainda não apresentam grande diversidade. Foram poucas mutações sofridas até o momento. Porém, com base no que foi observado no continente asiático, a tendência é que daqui a algum tempo o vírus esteja bastante diferente e, portanto, esse monitoramento precisa ser mantido. Caso não acompanhem a evolução viral, os testes usados no diagnóstico podem perder a eficácia”, disse Alcântara.

De acordo com o pesquisador, o vírus originário da África teria chegado à Ásia um pouco antes de 2007, quando causou a grande primeira epidemia na Micronésia. Depois novos surtos foram registrados nas Filipinas (2012) e na Polinésia Francesa (2013 e 2014). Estima-se que em seguida teria chegado ao Brasil, onde o maior número de casos foi registrado até agora (segundo o artigo já passavam de 200 mil em dezembro de 2016).

“Desde que saiu do continente africano, o vírus já mudou bastante. Provavelmente, daqui a sete ou dez anos, a diversidade aqui nas Américas vai estar bem maior. Precisamos fazer a vigilância genômica para estarmos preparados se um novo surto vier”, disse Alcântara.

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