Artigo aborda desafios para eliminação da malária no Brasil

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 30/01/2017 às 12:40
Número de casos é o menor em 35 anos e país pode erradicar a doença, mas transmissão por Plasmodium falciparum e crescimento em regiões como o vale do rio Juruá (AC) preocupam pesquisadores (Foto: ESPCA para a Erradicação da Malária)
Número de casos é o menor em 35 anos e país pode erradicar a doença, mas transmissão por Plasmodium falciparum e crescimento em regiões como o vale do rio Juruá (AC) preocupam pesquisadores (Foto: ESPCA para a Erradicação da Malária) FOTO: Número de casos é o menor em 35 anos e país pode erradicar a doença, mas transmissão por Plasmodium falciparum e crescimento em regiões como o vale do rio Juruá (AC) preocupam pesquisadores (Foto: ESPCA para a Erradicação da Malária)

Da Agência Fapesp de notícias

A malária representa um dos principais problemas de saúde pública no mundo em desenvolvimento e, no continente americano, o destaque ainda é o Brasil. O país tem cerca de 42% dos casos da doença registrados nas Américas. Em 2014, foram cerca de 144 mil casos confirmados no Brasil, com 41 mortes.

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As boas notícias são que o número de casos é o menor em 35 anos, a dimensão geográfica da transmissão da doença tem encolhido e tem havido um notável progresso rumo à erradicação da doença no país, segundo o artigo Challenges for malaria elimination in Brazil, publicado no Malaria Journal por Marcelo Urbano Ferreira, da Universidade de São Paulo (USP), e Marcia Castro, da Harvard T.H. Chan School of Public Health. O Brasil, destacam, foi um dos países que atingiram a Meta do Milênio de redução de casos da doença em 75% entre 2000 e 2015.

O artigo traça um panorama da história da malária no Brasil no século 20, revisa importantes lições aprendidas com políticas de controle passadas e atuais e apresenta uma discussão dos desafios científicos e logísticos que possam impactar nos esforços pela erradicação da malária, como o Plano para Eliminação da Malária no Brasil, lançado pelo Ministério da Saúde em novembro de 2015.

Um dos principais especialistas em malária no país, Marcelo Urbano Ferreira é professor titular e pesquisador no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP e faz parte do Grupo Técnico Assessor em Malária da Organização Panamericana de Saúde (Opas). Tem mais de 150 publicações sobre o estudo, a epidemiologia e a prevenção da malária, que receberam mais de 3,2 mil citações.

Ao longo dos anos, Urbano Ferreira tem recebido diversos auxílios da FAPESP para realizar pesquisas. Em um deles, desenvolveu uma metodologia para a detecção de casos assintomáticos de malária na Amazônia, ou seja, a busca de indivíduos infectados que possam ter passado despercebidos pelo diagnóstico. Em 2015, o pesquisador coordenou a organização da Escola São Paulo de Ciência Avançada para a Erradicação da Malária (leia mais em: https://agencia.fapesp.br/21978), que reuniu em São Paulo pesquisadores e estudantes de diversos países.

Agência FAPESP – Qual é a situação atual do Brasil em relação à malária?

Marcelo Urbano Ferreira – O momento é muito interessante para pensar em medidas de controle da malária, não apenas porque no Brasil tem-se observado uma queda acentuada no número de casos, mas igualmente pelos avanços no combate mundial à doença. Uma das Metas do Milênio da Organização das Nações Unidas (ONU) era reduzir o total mundial de casos em 75% entre 2000 e 2015. O Brasil foi um dos países que atingiram a meta. Ainda lideramos o total de casos nas Américas, porém nossa participação caiu de 76,8% em 2000 para 42% em 2014. Estamos fazendo progressos significativos. O número de casos é o mais baixo em 35 anos. Muitas das ações de sucesso contra a malária levados a cabo principalmente na África se devem aos investimentos feitos pela Fundação Bill e Melinda Gates. Bill Gates disse que quer estar vivo para ver a eliminação da malária do mundo e a Organização Mundial da Saúde (OMS) defende que a malária pode ser erradicada.

Agência FAPESP – A ONU propõe novas metas de redução de casos depois de 2015?

Urbano Ferreira – Sim, as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (Sustainable Development Goals) das Nações Unidas preveem uma redução do número global de casos de malária em 90% até 2030, com a sua completa eliminação em 35 países. No Brasil, a meta definida pelo Ministério da Saúde é a eliminação dos casos associados ao protozoário Plasmodium falciparum até 2030. O P. falciparum transmite a forma mais perigosa da doença, responsável por 90% das mortes pela enfermidade. No Brasil, esse protozoário está restrito a alguns focos e temos uma janela de oportunidade que precisa ser aproveitada, enquanto os protozoários não desenvolvem resistência aos medicamentos antimaláricos. No caso do P. falciparum, os parasitas vêm adquirindo resistência desde os anos 1960, quando se tornaram tolerantes à cloroquina – ainda utilizada no tratamento do Plasmodium vivax, a forma mais comum da malária. No Brasil, ainda não há indicação de casos de malária resistente como se tem, por exemplo, no delta do rio Mekong, no Sudeste Asiático. Isso não quer dizer que esses casos não possam surgir. Ou a gente elimina a malária agora ou nunca mais.

Agência FAPESP – Como o senhor vê, em retrospectiva, o combate da malária no Brasil?

Urbano Ferreira – O Brasil demorou para prestar atenção na doença. Enquanto muitos países reuniam estatísticas epidemiológicas desde os anos 1920, o governo brasileiro só passou a fazer um levantamento – nem se tratava de estatísticas, mas de estimativas – após a Segunda Guerra Mundial. Foi também quando se passou a usar inseticida [DDT] nas casas para exterminar os mosquitos transmissores e larvicidas para eliminar seus criadouros. Em 1957, foram 257 mil casos espalhados pelo Brasil. Tudo vinha progredindo bem nos anos 1960. Prova disso foi que, em 1970, atingiu-se a mínima histórica de 52 mil casos, 60% deles na Amazônia.

Agência FAPESP – E a partir daí, o que ocorreu?

Urbano Ferreira – O governo militar implementou políticas de ocupação da Amazônia. Em termos de prevenção e combate à malária, foi um desastre. Mais de 1 milhão de imigrantes foram incentivados pelo governo a se fixar na Amazônia. Eram em sua imensa maioria pessoas sem resistência à doença, pois muitos vinham de regiões como o Sul e o Sudeste onde a doença havia sido eliminada há décadas. E esse pessoal foi viver em ambientes de mata fechada. As décadas de 1970 e 1980 foram os anos de explosão da malária na Amazônia. Outra razão para a expansão do mal foi a explosão de garimpos na Amazônia, que ainda hoje continuam tendo importância na transmissão. Os garimpos são tipicamente uma tragédia com relação à malária. Essa soma de fatores levou a doença a um pico em 1999, com 632 mil casos.

Agência FAPESP – O que foi feito para reverter essa situação?

Urbano Ferreira – A partir daquele ápice da doença, começou uma tendência de queda, principalmente no que tange ao P. falciparum. No caso de P. vivax, a diminuição veio mais tarde, a partir de 2005. Por que o primeiro começou a cair antes? Porque representa uma doença mais fácil de tratar do que no caso do P. vivax. Se os indivíduos são tratados precocemente durante o estágio clínico da doença, quando estão com febre e calafrios, elimina-se o P. falciparum antes de se atingir a fase de transmissão, quando o paciente já está melhor mas o protozoário continua no sangue. Aí, basta o indivíduo ser picado para transmitir o P. falciparum para o mosquito e dar continuidade ao ciclo de infecção. No caso do P. vivax, não é assim. Apesar de ser uma forma mais branda de malária, o indivíduo já entra na fase de transmissão quando ainda está passando mal. Há ainda os casos em que o parasita fica dormente no fígado, apenas para ressurgir meses ou anos depois, em uma recaída da doença. Para reverter essa situação, o governo brasileiro implementou nos anos 1990 uma grande política de vigilância epidemiológica, diagnóstico precoce, tratamento e prevenção da doença. Como o uso de DDT não é mais possível [o inseticida foi proibido no Brasil em 2009], foi preciso recorrer a outros métodos de combate aos vetores, como a distribuição de mosquiteiros com inseticida de longa duração, bancado pelo Banco Mundial. Toda essa ação efetiva reduziu os casos dos 615 mil de 2000, com 243 mortes, para 142 mil em 2014, com 41 mortes.

Confira a entrevista completa no site da Agência Fapesp de notícias.