Psicólogo explica como práticas de meditação mindfulness ajudam a enfrentar pressões e desafios do dia a dia

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 31/12/2016 às 6:14
"A busca por tecnologias e tratamentos mais eficazes no tratamento de doenças crônicas e transtornos mentais conduziu a ciência a buscar na meditação uma resposta aos nossos males do cotidiano", diz o psicólogo Vitor Friary (Foto:  Centro de Mindfulness/Divulgação)
"A busca por tecnologias e tratamentos mais eficazes no tratamento de doenças crônicas e transtornos mentais conduziu a ciência a buscar na meditação uma resposta aos nossos males do cotidiano", diz o psicólogo Vitor Friary (Foto: Centro de Mindfulness/Divulgação) FOTO: "A busca por tecnologias e tratamentos mais eficazes no tratamento de doenças crônicas e transtornos mentais conduziu a ciência a buscar na meditação uma resposta aos nossos males do cotidiano", diz o psicólogo Vitor Friary (Foto: Centro de Mindfulness/Divulgação)

O psicólogo Vitor Friary, 34 anos, diretor do Centro de Mindfulness, no Rio de Janeiro, pratica a meditação desde os 17 anos. Sempre teve um interesse pelas tradições orientais da ioga e da meditação. "Logo que me formei como psicólogo na Inglaterra, tentei encontrar na minha prática profissional um diálogo coerente e empírico entre ciência e práticas contemplativas. O trabalho do pesquisador Richard Davidson sempre me inspirou muito. A minha própria experiência pessoal de meditação me levou a atuar com o mindfulness na clínica", diz Vitor, nesta entrevista à jornalista Cinthya Leite. O psicólogo explica como o mindfulness tem ajudado pessoas com sintomas de depressão e ansiedade, como também aquelas que simplesmente levam uma vida intensamente estressante e desejam ter qualidade de vida. Confira:

Como podemos definir mindfulness?

Mindfulness é uma palavra inglês que significa, no português, atenção plena. Mindfulness é um estado de atenção especial, em que atendemos às experiências internas (sensações, pensamentos e sentimentos) e externas (sons, pessoas, situações, eventos e cheiros) com uma atitude de abertura, curiosidade e suavidade. De certa maneira, a prática de mindfulness é de contemplação às nossas experiências e aos acontecimentos da vida com maior presença, compaixão e gentileza. O mindfulness é oriundo de práticas budistas e, portanto, não é um processo novo. Integra um conjunto de atitudes, conhecidas como habilidades de mindfulness: fazer cada tarefa de uma vez, ter curiosidade a sensações e a situações, aceitar as coisas como elas são, ser gentil consigo mesmo e com os outros, além de reconhecer o propósito de nossa vida em cada momento. Essas habilidades também são praticadas através da meditação formal - isto é, encontrando uma posição sentada confortável ou até mesmo deitado, permanecendo acordado e treinando trazer a atenção às experiências que ocorrem no campo sensorial, emocional e psicológico de instante a instante.

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Como é a meditação mindfulness?

O mindfulness tem sido utilizado recentemente como parte de alguns protocolos terapêuticos para ajudar pessoas que são acometidas por sintomas de depressão e ansiedade, como também aquelas que têm problemas como dor ou doença crônica ou que simplesmente levem uma vida intensamente estressante e que desejam aumentar qualidade de vida. Quando praticamos o estado de mindfulness na meditação ou em ações e situações do dia a dia, aumentamos a atividade de uma área cerebral conhecida como córtex pré-frontal, que está associada a processos de atenção, concentração, tomada de decisões e de perspectivas diferentes face a situações difíceis e processos de raciocínio mais complexos. Por isso, o mindfulness tem sido associado a um aumento de significativo de foco e concentração em pessoas que o praticam. Práticas simples, como prestar atenção nas sensações do corpo enquanto se caminha ou na respiração enquanto se senta em silêncio, durante alguns minutinhos, podem ajudar a ativar esse processo e estimular essas áreas do cérebro.

Vitor Friary (ao centro) destaca que o mindfulness, oriundo de práticas budistas, tem sido associado a um aumento significativo de foco e de concentração (Foto: Centro de Mindfulness/Divulgação) Vitor Friary (ao centro) destaca que o mindfulness, oriundo de práticas budistas, tem sido associado a um aumento significativo de foco e de concentração (Foto: Centro de Mindfulness/Divulgação)

Como conheceu mindfulness? O que o levou a se interessar pela prática?

Pratico a meditação desde os 17 anos de idade. Sempre tive um interesse pelas tradições orientais da ioga e da meditação. Em 2002, eu me certifiquei como professor de ioga e meditação. Logo que me formei como psicólogo na Inglaterra, tentei encontrar na minha prática profissional um diálogo coerente e empírico entre ciência e práticas contemplativas. O trabalho do pesquisador Richard Davidson sempre me inspirou muito. A minha própria experiência pessoal de meditação me levou a atuar com o mindfulness na clínica.

Uma busca no PubMed (biblioteca virtual da medicina, que pertence ao governo americano e que armazena artigos científicos de todo o mundo) usando a palavra-chave "mindfulness" mostra que, a cada ano, aumenta o número de publicações sobre o assunto. Por que a prática tem conquistado, cada vez mais, a ciência?

Desde a década de 70, quando o mindfulness foi introduzido em programas de cuidados à saúde, um número variado de protocolos que utilizam intervenções baseadas em mindfulness foi desenvolvido. A busca por tecnologias e tratamentos mais eficazes no tratamento de doenças crônicas e transtornos mentais conduziu a ciência a buscar, em tecnologias como a meditação, uma resposta aos nossos males do cotidiano, em especial ao estresse. Os resultados dessas pesquisas motivaram e continuam motivando novas pesquisas.

Quando as habilidades de mindfulness passaram a ser combinadas com atividades da terapia cogntivo-comportamental? Quais os benefícios observados pelas pessoas que fazem TCC associada à prática?

Na década de 90, especialistas renomados das Universidades de Oxford, Cambridge e Toronto, Mark Williams, John Teasdale e Zindel Segal, respectivamente, contribuíram para o campo da terapia cognitivo-comportamental de forma significativa. Para os pesquisadores, quando pessoas que tinham uma vulnerabilidade cognitiva à recorrência de episódios de depressão mudavam a sua relação com pensamentos, emoções e sensações do corpo consideradas difíceis, elas desenvolviam uma resiliência e um estado de distanciamento que os ajudavam a prevenir novos episódios de depressão. O programa conhecido como Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness (MBCT, como é conhecido internacionalmente) tem como objetivo trazer elementos da terapia cognitiva combinados com práticas de meditação mindfulness. A MBCT é um dos protocolos mais reconhecidos de intervenções baseadas em mindfulness no mundo e o mais apropriado para pessoas que vivem com sintomas de depressão ou ansiedade ou que tem um histórico de episódios recorrentes de depressão. Os resultados de pesquisa sobre os efeitos da MBCT em participantes demonstram que os participantes desse programa conseguem ter um maior entendimento dos mecanismos que mantêm depressão e ansiedade, além de conseguir ter um maior distanciamento dos pensamentos negativos e das emoções desafiadoras presentes no ciclo da ansiedade e depressão. As pessoas, no final dos cursos de MBCT, também reportam maior abertura e flexibilidade quando experimentam uma dificuldade e desenvolvem uma relação consigo mesmo de maior aceitação e gentileza amorosa.

Qual a diferença entre praticar mindfulness sozinho e durante a terapia com um psicólogo?

Hoje existem inúmeras formas de se aprender o mindfulness. Há livros especializados no tema - alguns até acompanham CDs com exercícios de meditação. Portanto, o acesso ao mindfulness é bem mais fácil do que se parece. Entretanto, esses materiais são uma forma complementar de aprendizagem e não substituem o valor de ter uma acompanhamento de um especialista no método. Nos encontros do grupo de MBCT, no Centro de Mindfulness (Rio de Janeiro), as trocas de experiências entre os participantes do grupo são de uma riqueza muito profunda. As pessoas aprendem com a experiência das outras pessoas, e a meditação em grupo conduzida pelo especialista psicólogo pode ajudar a desenvolver confiança, a paciência, a suavidade e outras habilidades que são essenciais nesse trabalho.

Há diversos cursos sobre a temática. Qual a diferença entre eles? Quem pode fazer esses cursos?

Nos últimos anos presenciamos um crescimento de protocolos de mindfulness sendo oferecidos pelo Brasil e no mundo. No Centro de Mindfulness (Rio de Janeiro), trabalhamos com o protocolo da MBCT (Mindfulness-based Cognitive Therapy), que é um dos mais revisados e pesquisados na literatura cientifica. O protocolo da MBSR (Mindfulness-based Stress Reduction) também é bastante conhecido e tem um embasamento científico igualmente forte. Existem outras abordagens que incluem a meditação mindfulness, e alguns profissionais adaptam esses protocolos mais tradicionais. O importante é que as pessoas pesquisem o conhecimento técnico desses profissionais, avaliando as credenciais e o conhecimento adquirido do profissional. Para quem tem algum histórico de transtorno psicológico, o protocolo mais indicado seria o de MBCT (terapia cognitiva baseada em mindfulness). Ainda assim, é sempre bom a pessoa ter uma avaliação inicial com o profissional. Em geral, tanto o MBCT quanto o MBSR estão abertos a todos os tipos de pessoas.