"Depressão pode aparecer nos primeiros 6 meses após o diagnóstico", diz psiquiatra, ao falar sobre câncer de próstata

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 12/11/2016 às 21:15
"O câncer de próstata abala a ideia de virilidade, algo extremamente importante na composição do que é ser um homem", diz Amaury Cantilino (Foto: Guga Matos/JC Imagem)
"O câncer de próstata abala a ideia de virilidade, algo extremamente importante na composição do que é ser um homem", diz Amaury Cantilino (Foto: Guga Matos/JC Imagem) FOTO: "O câncer de próstata abala a ideia de virilidade, algo extremamente importante na composição do que é ser um homem", diz Amaury Cantilino (Foto: Guga Matos/JC Imagem)

Barra - Novembr Azul - CS

Membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o psiquiatra Amaury Cantilino explica como o diagnóstico e o tratamento do câncer de próstata podem impactar o bem-estar emocional do homem que desenvolve o tumor, cujas chances de cura podem chegar a uma média de 90% quando diagnosticado em fase inicial. Para muitos pacientes, a possível ameaça à função sexual como efeito do tratamento pode levar a uma diminuição da autoestima. "Muitos relatam que as relações sexuais ficam 'artificiais', que há uma perda da intimidade com a parceira, sobretudo pelo medo de 'falhar'. A dinâmica do casal pode ficar comprometida, se isso não for considerado. Os homens podem desenvolver com mais frequência um quadro depressivo relacionado às disfunções erétil e urinária do que associado ao diagnóstico de câncer de próstata em si. A depressão pode, inclusive, diminuir a percepção dos benefícios proporcionados pelo tratamento cirúrgico", diz Amaury Cantilino, nesta entrevista à jornalista Cinthya Leite.

Falar sobre a necessidade de exames de diagnóstico precoce do câncer de próstata entre os homens ainda carrega alguns estigmas. O rastreamento da doença é um assunto que faz o homem refletir sobre a própria masculinidade?

Muitas vezes sim, pois remete a aspectos da sexualidade que muitos homens preferem evitar ou têm grande receio disso. O estigma relacionado ao toque retal faz com que alguns sequer se submetam ao rastreamento, o que acaba levando ao diagnóstico mais tardio. Há estudos que mostram que os homens se sentem consideravelmente mais estressados e ansiosos quando o modo de detecção é pelo toque quando comparado à dosagem do PSA (sigla para antígeno prostático específico, uma substância produzida pelas células da próstata). Esses fatores culturais devem ser levados em consideração, já que o ser humano é formado não apenas por órgãos, mas também por suas crenças e valores. Claro que as campanhas suavizam os preconceitos, mas os fatores relacionados ao que se entende por 'masculinidade' ainda interferem na busca pelo diagnóstico e até pelo tratamento.

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Qual a reação que os homens costumam ter quando recebem um diagnóstico de câncer de próstata? 

O câncer de próstata aponta para aspectos como o envelhecimento, a perda da função sexual e, por que não dizer, também à morte, embora o prognóstico tenha melhorado significativamente nos últimos anos. O câncer nos lembra que somos mortais; é um golpe na nossa onipotência e força vital. Quando é na próstata, abala a ideia de virilidade, algo extremamente importante na composição do que é ser um homem.

Há algum transtorno mental que aparece com mais frequência em homens que são diagnosticados com câncer de próstata? Como é o tratamento? E a psicoterapia, como pode ajudar? 

Entre os tipos de câncer, o de pulmão e o de próstata são os que mais estão associados a uso de psicofármacos (classe da qual fazem parte os medicamentos antidepressivos e ansiolíticos). Estima-se que 15% dos homens com esses tipos de tumor desenvolvam dificuldades com o sono e cerca de 5% tenham depressão nos primeiros seis meses após o diagnóstico. A cirurgia e as terapias de privação androgênica, que são necessárias em vários casos (de câncer de próstata), tendem a reduzir a percepção de qualidade de vida, sobretudo nos aspecto físico e sexual. Dessa forma, torna-se fundamental que os médicos se sensibilizem para o fato de que a retirada do tumor não será geralmente o suficiente para que o paciente recupere a sua saúde e o seu bem-estar. Além disso, psicoterapias podem ajudar na adaptação às novas realidades e limitações.

O fato de o homem pensar na possibilidade de desenvolver disfunção erétil e/ou incontinência urinária como efeitos do tratamento do câncer interfere nos aspectos psicológicos?

Embora as consequências físicas do tratamento estejam bem documentadas, talvez falte a alguns médicos uma visão abrangente dos efeitos do tratamento do câncer de próstata na experiência masculina de intimidade sexual e como isso pode afetar, inclusive, a sobrevida e a recuperação. Muitos relatam que as relações sexuais ficam 'artificiais', que há uma perda da intimidade com a parceira sobretudo pelo medo de 'falhar'. A dinâmica do casal pode ficar comprometida, caso esses aspectos não sejam conversados.

Como a depressão pode se manifestar nesses casos?

Eles podem desenvolver com mais frequência um quadro depressivo relacionado às disfunções erétil e urinária do que associado ao diagnóstico de câncer de próstata em si. A depressão pode, inclusive, diminuir a percepção dos benefícios proporcionados pelo tratamento cirúrgico. O médico precisa estar pronto para lidar com essa situação. Mas infelizmente a recuperação da ereção, nem sempre, é o bastante. Boa parte dos pacientes que precisa se submeter à prostatectomia radical desenvolverá incontinência urinária relacionada à atividade sexual. Isso é particularmente constrangedor porque a micção pode ocorrer no momento do orgasmo ou surgir durante a excitação. As taxas de prevalência desses problemas variam amplamente entre os estudos. Mas a boa notícia é que esses distúrbios (disfunções erétil e urinária) geralmente diminuem com o tempo e podem responder a tratamentos específicos. Ao avaliar qualquer dos problemas mencionados, o médico deve estar atento a fatores psicológicos, e a parceira do paciente deve ser envolvida sempre que possível. Nesses casos, um profissional empático e que abra espaço para que o paciente fale de suas intimidades terá uma chance maior de obter êxito na promoção de uma boa saúde.