Zika afeta visão de bebê sem microcefalia, comprovam especialistas

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 09/06/2016 às 5:44
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 (Foto: Fernando da Hora/JC Imagem) Para especialistas, microcefalia não deve ser um critério necessário para o diagnóstico da síndrome congênita do zika (Foto: Fernando da Hora/JC Imagem)

Pela primeira vez, a literatura médica mundial registra o caso de um bebê pernambucano que nasceu sem microcefalia, mas que apresenta lesões oculares graves e neurológicas causadas pelo zika vírus. O relato científico, publicado na revista internacional The Lancet no último dia 7, foi conduzido por pesquisadores da Fundação Altino Ventura (FAV), do Hospital de Olhos de Pernambuco (Hope) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Com a publicação, os autores atestam o que um grupo de neuropediatras já observa ao longo dos últimos 10 meses: microcefalia é apenas a ponta do iceberg de muitas das lesões associadas à exposição ao zika na gestação, como alterações neurológicas, problemas osteomusculares, auditivos e visuais.

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“O caso do bebê que relatamos no The Lancet comprova que a cicatriz encontrada no olho e que causa a baixa visão está relacionada ao zika, mesmo sem a presença da microcefalia”, diz a oftalmologista Camila Ventura, da FAV. A comprovação da relação entre a presença do vírus e a lesão ocular se deu após se encontrar o anticorpo IgM para zika no líquido cefalorraquidiano (aquele que circula na medula e vai até o cérebro) do bebê. A cicatriz foi detectada na região macular (área central da visão) do olho esquerdo, o que leva à deficiência visual. “É a mesma lesão, embora menor, que encontramos anteriormente nos olhos de bebês com microcefalia que temos avaliado.”

Microcefalia e zika congênita

Em janeiro deste ano, também no The Lancet, Camila Ventura descreveu alterações oculares em três bebês com o perímetro cefálico reduzido. As lesões visuais mostraram-se diferentes das que aparecem em outras infecções congênitas, como aquelas relacionadas à rubéola e à toxoplasmose.

Além de encontrarem alterações oculares no bebê que motivaram a documentação inédita de que a síndrome congênita do zika merece atenção mesmo quando a microcefalia não está presente, os pesquisadores relataram que a mesma criança apresenta espasmos musculares (contrações involuntárias) nos membros superiores e inferiores, calcificações no cérebro (sinal que sugere uma anomalia de cunho infeccioso) e outras alterações como ventriculomegalia e lisencefalia (ambos transtornos incomuns da formação do cérebro).

O relato do caso do bebê pernambucano reforça agora um alerta para as autoridades de saúde em todo o mundo: microcefalia não deve ser um critério necessário para o diagnóstico da síndrome congênita do zika. Quando os especialistas pensam nas outras infecções congênitas (aquelas associadas à toxoplasmose, rubéola e citomegalovírus), sabe-se que elas geralmente não levam a apenas uma alteração. E pelo o que as evidências científicas têm mostrado nos últimos meses, esse raciocínio não tem sido diferente quando vem à tona a exposição pelo zika na gestação.

Esse cenário provavelmente chama a atenção dos médicos, especialmente dos pediatras, para avaliar com cautela o desenvolvimento dos bebês nascidos nesta época de epidemia de zika, principalmente nos casos em que as mulheres relatam sintomas de infecção pelo vírus na gestação.