Estudo da Fiocruz revela que composto extraído do aipo combate a leishmaniose cutânea

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 05/06/2016 às 17:00
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Imagem ilustrativa de aipo (Foto: Free Images) Administrada por via oral, molécula natural presente no aipo combateu lesões, reduziu carga parasitária e não apresentou toxicidade em estudo com animais (Foto: Free Images)

Um estudo feito por pesquisadores do Laboratório de Bioquímica de Tripanossomatídeos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) revelou que uma substância extraída do aipo pode ser a base para o desenvolvimento de novos medicamentos contra a leishmaniose cutânea. Em laboratório, a molécula apigenina demonstrou ação contra o parasito Leishmania amazonensis, uma das espécies causadoras da doença, e conseguiu reduzir as lesões e carga parasitária durante levantamento feito com animais. Além de ser administrada por via oral, o que facilitaria seu uso em pacientes, a substância não apresentou efeitos tóxicos. Os experimentos indicam que o composto é uma substância promissora, que deve ser investigada como candidata para o desenvolvimento de novas terapias contra a doença.

Classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como doença negligenciada, a leishmaniose é endêmica em 98 países. De acordo com a entidade, cerca de 1,2 milhão de novos casos da forma cutânea da doença ocorrem anualmente. No Brasil, o Ministério da Saúde contabilizou 21 mil novos casos por ano, nos últimos cinco anos, o que coloca o país entre as dez nações com mais registros no mundo. “Os resultados no modelo animal foram superiores aos do antimonial pentavalente, que é o medicamento de primeira escolha para o tratamento da infecção atualmente. A apigenina foi mais eficaz tanto na redução da lesão, quanto na diminuição da carga parasitária”, explica o coordenador do estudo, Elmo Almeida Amaral. O cientista acrescenta que após a identificação de uma molécula promissora, leva-se cerca de dez anos para elaborar um novo remédio.

Para o cientista, a criação de novas terapias é fundamental para aumentar a qualidade de vida dos pacientes. “Os medicamentos antimoniais começaram a ser utilizados na década de 1950 e são a melhor opção até hoje. Os pacientes precisam ficar internados por até um mês para receber a medicação por via venosa ou intramuscular e podem sofrer efeitos colaterais consideráveis, incluindo danos ao coração e aos rins. Desenvolver remédios orais, com menos efeitos adversos, traria um grande benefício para essas pessoas e também reduziria custos para o sistema de saúde”, avalia.

Encontrada em diversos frutos e vegetais – como limão e salsa, além do aipo –, a apigenina faz parte do grupo dos flavonóides, substâncias produzidas pelo metabolismo de plantas que são cada vez mais estudadas pelo potencial terapêutico. De acordo com Elmo, estudos com diferentes compostos desse grupo já revelaram ação anti-inflamatória, antioxidante, antiparasitária e anticancerígena.

Na pesquisa, o efeito da apigenina contra a leishmaniose cutânea foi verificado em duas etapas. A primeira foi a avaliação da atividade da molécula em culturas de células infectadas por L. amazonensis. A maior dose utilizada reduziu em 71% a proliferação dos parasitos, sem afetar as células hospedeiras. A substância atua 18 vezes mais sobre os parasitos do que sobre as células hospedeiras. Investigando o mecanismo de ação da substância, os pesquisadores verificaram que a apigenina parece não agir diretamente sobre os parasitos. O efeito da molécula está ligado à ativação de vias oxidativas nas células hospedeiras, o que leva à destruição dos patógenos. As propriedades químicas da apigenina também foram analisadas a partir de uma ferramenta digital que reúne informações de estudos científicos já publicados. Os dados apontaram alta probabilidade de boa absorção por via oral e baixo risco de toxicidade.

Os testes feitos com camundongos mostraram que a apigenina, administrada por via oral, pode ser mais eficaz no tratamento da leishmaniose cutânea do que o antimonial pentavalente, administrado por injeção. Além de medir o tamanho das lesões na pele dos animais após o início do tratamento, os cientistas avaliaram a quantidade de parasitos presentes nas feridas. Na maior dose utilizada, a apigenina apresentou resultados superiores para redução das lesões e da carga parasitária. Ao mesmo tempo, não foram detectados sinais de danos ao fígado ou aos rins dos animais.

Segundo Elmo, os testes feitos com diferentes doses de apigenina reforçam o potencial da substância. “Tanto nos experimentos em cultura de células como nos testes com o modelo animal, verificamos um efeito dose-dependente. Isto é, quanto maior a dose administrada, maior o efeito observado. Essa relação é importante para comprovar que os resultados percebidos – como a redução das lesões e da carga de parasitos – são causados pela molécula e não por outros fatores”, comenta o pesquisador.

No Laboratório de Bioquímica de Tripanossomatídeos, o primeiro trabalho sobre o efeito leishmanicida de uma molécula flavonóide foi publicado em 2011. Desde então, diferentes substâncias foram investigadas, sendo que a apigenina é a segunda a chegar até a fase de estudos em modelo animal e aquela que apresentou melhores resultados. O estudo foi publicado na revista científica Plos Neglected Tropical Diseases.