A difícil missão de criar os filhos em um mundo hostil

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 18/12/2015 às 13:40
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Imagem ilustrativa de pai e filho refletida em uma poça de água (Foto: Free Images) Assassinato de menina de 7 anos durante festa em escola de Petrolina mexeu com a vulnerabilidade dos pais quando o assunto é criar os filhos para que eles enfrentem o mundo sozinhos (Foto: Free Images)

Uma semana após o assassinato de Beatriz Angélica Mota, de apenas 7 anos, durante uma festa em uma escola particular de Petrolina, no Sertão pernambucano, a cidade continua em choque com a brutalidade do crime. Isso porque a forma como tudo aconteceu, enquanto a criança acompanhava a família - o pai é professor de inglês da unidade - numa solenidade de formatura de alunos do 3º ano do ensino médio do colégio, deixa uma pergunta dolorosa para aqueles que convivem diariamente com a angústia de criar os filhos. Até onde vai o cuidado dos pais quando o assunto é criar os pequenos para que eles tenham a autonomia e liberdade de enfrentar o mundo sozinhos?

Imagem da criança Beatriz Angélica Mota Menina foi encontrada com perfurações de faca (Foto: Reprodução)

A gerente de marketing Tais Farias, 35 anos, mãe de um aluno de 11 anos do Colégio Maria  Auxiliadora, onde o crime aconteceu, conta que a tragédia mudou até a forma como os pais  vivem com os filhos na cidade. "Tinham várias crianças soltas ao redor da quadra onde  aconteceu a festa. E aí a gente começa a parar e analisar, sabe? A gente não está seguro nem  dentro do colégio, um local tão particular e nosso. Minha família veio para Petrolina atrás de  uma qualidade de vida que não tinha no Recife e aqui sempre nos agradou a questão da  segurança. Não tínhamos esse tipo de preocupação que temos agora. Mudou e mudou para a  sociedade toda. Estamos até restringindo alguns locais muito abertos porque, infelizmente,  temos que ter esses cuidados. Onde você chega tem um monte de mães agarradas com os  filhos", lamenta.

Ainda segundo Taís, o fato tomou uma proporção tão grande que chegou até a assustar as  crianças da cidade, que, muitas vezes, não têm dimensão do que de fato acontece no dia a dia. "As crianças entendem muito pouco, mas uma boa parte está assustada. Meu filho, por  exemplo, está com muita dificuldade para dormir. Ninguém consegue tirar essa história da  cabeça, até porque a cidade não fala de outra coisa. Foi um choque para todo mundo por ter sido dentro da escola. Está todo mundo paranoico, porque ninguém sabe o que pode acontecer", conta.

O medo sobre o que pode vir a acontecer com os filhos martela na mente de muitos pais. Desde aquela preocupação que o pequeno possa bater com a cabeça no escorrego do parque e precise levar dez pontos até o pânico de que alguma situação extrema venha a causar a morte da criança, principalmente em idades que elas não têm como se defender sozinhas e em momentos que os responsáveis não têm como, digamos assim, salvá-las.

"Diante de uma situação extrema dessas, é normal que se gere uma desconfiança excessiva. Mas a gente tem que lembrar que lidar com crianças é prepará-las para o futuro. A maioria das pessoas não vão cometer atos violentos contra a gente. Se ensinamos o pequeno a desconfiar de todos, ele cresce acreditando que as pessoas não são confiáveis de uma forma geral. O medo excessivo dos outros pode ser tão problemático quanto a falta completa de medo. É importante lembrar que uma situação de violência como essa é uma exceção. Não é a regra", comenta o psiquiatra Amaury Cantilino, doutor em neuropsiquiatria e ciências do comportamento.

Por isso, ter em mente que precisamos racionalizar as situações é a forma mais eficiente para bloquear a preocupação excessiva com os filhos. "Esses fatos atípicos podem gerar um sentimento de hipersensibilidade. A ansiedade surge e imaginamos que algo ruim também pode acontecer com alguém próximo e arrumamos artifícios para evitar a situação. Mas gastar energia com problemas que não têm chances grandes de acontecer é gastar energia sem necessidade. Racionalizar o medo, sem superestimar os riscos, é o primeiro passo", alerta Cantilino.

O segundo passo é se fazer presente no convívio do pequeno para tentar, ao menos, ter a noção exata de quem são as pessoas que convivem e possam vir a fazer parte do cotidiano da criança. "Conhecer e ter a curiosidade de saber quem são as pessoas com as quais a criança se relaciona na comunidade é muito importante, porque os pequenos têm uma capacidade pequena de identificar quem são elas na essência. A melhor forma de proteção em relação às pessoas é ter informação sobre elas. Uma vez convivendo com aqueles que estão no entorno do seu filho, é possível identificar as companhias não recomendáveis para a criança. O grande cuidado é, no entanto, não generalizar e sempre ter o cuidado de orientar o pequeno", explica o psiquiatra.

O receio, o medo e a preocupação com os filhos após uma situação catastrófica envolvendo crianças demora a passar. Mas passa e deixa um aprendizado. "Quanto mais catastrófica a situação, mais tempo demora para que as pessoas voltem ao seu estado corriqueiro. É natural que a comunidade tenha uma reação ansiosa, porque uma situação dessas se aproximou da população em geral. Mas o medo tende a ir se dissipando com o passar dos dias. Agora fica uma cicatriz que vai existir na história da comunidade, como uma lembrança desagradável do passado. Mas toda situação adversa traz algum tipo de aprendizado", pontua Cantilino.

Entenda o caso

Beatriz foi assassinada durante uma solenidade de formatura no Colégio Maria Auxiliadora, uma das instituições de ensino mais antigas e tradicionais de Petrolina, no Sertão de Pernambuco, na noite do dia 10 de dezembro. Segundo relatos de testemunhas, a criança foi encontrada em um antigo depósito de material esportivo da escola. Ela estava com várias perfurações e uma faca do tipo peixeira cravada na clavícula. De acordo com a polícia, os pais da menina perceberam que Beatriz havia se afastado e pediram ajuda aos convidados para encontrá-la. As pessoas se dividiram em duplas e acabaram encontrando o corpo.

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Segundo a delegada à frente das investigações, Sara Machado, o Instituto de Criminalística (IC) fez um levantamento e já se sabe que a garota foi morta no mesmo local em que foi encontrada. A polícia também confirmou que Beatriz não foi vítima de abuso sexual. Imagens de câmeras de segurança do colégio e de estabelecimentos na vizinhança estão sendo analisadas.

Um ex-presidiário e morador de rua, que não teve o nome divulgado, visto por testemunhas no local onde Beatriz foi assassinado, chegou a ser ouvido pela polícia. O morador de rua foi submetido à perícia para verificar se existem vestígios do DNA da criança e liberado após a realização dos exames. O caso segue em investigação.