Guillain-Barré: Pernambuco investigará relação da síndrome com zika e dengue

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 28/07/2015 às 6:00
(Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem)
(Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem) FOTO: (Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem)

Investiga-se se casos confirmados de Guillain-Barré ocorreram em pessoas que já tiveram alguma doença exantemática, que causa vermelhidão na pele, a exemplo das três transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti (Foto: Rodrigo Lôbo/JC Imagem) Investiga-se se casos confirmados de Guillain-Barré ocorreram em pessoas que já tiveram alguma doença exantemática, que causa vermelhidão na pele, como as enfermidades transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti (Foto: Rodrigo Lôbo/JC Imagem)

Depois de a Bahia anunciar que tem adotado estratégias para investigar a síndrome de Guillain-Barré (doença neurológica rara e autoimune que provoca quadro progressivo de paralisia em membros do corpo e fraqueza muscular), a Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES/PE) informou que também iniciará o mesmo processo. Serão analisados minuciosamente 64 casos da síndrome registrados no Estado ao longo do primeiro semestre deste ano.

"São pessoas que passaram por internamento, em unidades públicas de saúde, por causa de Guillain-Barré, segundo dados do Sistema de Informação Hospitalar", diz o diretor geral de Controle de Doenças e Agravos da SES/PE, George Dimech. O interesse em fazer essa investigação parte da premissa de que a síndrome pode ter relação com doenças causadas por vírus, especialmente dengue, zika e chicungunha.

"Dos 76 casos da síndrome de Guillain-Barré registrados na Bahia, 26 estão relacionados com pessoas que tiveram dengue e zika. O Brasil mudou o olhar para a síndrome a partir do cenário baiano. Mas é bom frisar que não há motivos para pânico, pois é uma minoria de casos de dengue e zika que pode evoluir para Guillain-Barré", frisa George.

"Para criarmos um panorama mais fiel sobre a possível relação entre esses casos de Guillain-Barré, dengue e zika em Pernambuco, vamos revisar cada uma das confirmações da síndrome nos prontuários e, se necessário, iremos às residências dessas pessoas. Certamente, daqui a três meses, teremos uma avaliação mais concreta", ressalta George.

Em Pernambuco, foram registrados 45 casos de Guillain-Barré no primeiro semestre de 2014; 81 no mesmo período de 2013; 28 no mesmo período de 2012. "Não é possível dizer hoje se o número de pessoas com a síndrome tem relação com dengue ou zika. Provavelmente, alguma outra virose pode também ter contribuído com o aumento no número de casos. Vamos investigar."

Registro na literatura médica

O neurologista Igor Bruscky, mestre em neurologia pela Universidade de Pernambuco (UPE), fala sobre essa associação entre a síndrome de Guillain-Barré e infecções virais. "Já foi feita associação com dengue e Epstein-Barr, vírus que causa a mononucleose. Recentemente, foi publicado um artigo que faz a relação entre a síndrome e zika", diz o médico. Ele se refere a um estudo, publicado em março de 2014, na revista científica Eurosurveillance. Os pesquisadores descreveram o primeiro caso de Guillain-Barré que ocorreu imediatamente após a infecção pelo vírus zika na Polinésia Francesa, na Oceania.

A neurologista Carolina Cunha, do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, ligado à UPE, salienta que, após a epidemia de zika na Polinésia Francesa, a incidência de síndrome de Guillain-Barré foi aumentada em 20 vezes. "Mas ainda não dispomos de dados oficiais sobre as manifestações neurológicas do vírus zika em Pernambuco", diz a médica, que é chefe do serviço de Neurologia do Hospital Esperança, no Recife.

Ela acrescenta que 70 casos de complicações neurológicas relacionadas ao vírus zika foram descritas entre 2013 e 2014 na Polinésia Francesa, sendo 38 casos de Guillain-Barré. "Porém, outras manifestações neurológicas também foram relacionadas ao vírus, como encefalite, meningo-encefalite, mielite e paralisia facial", frisa Carolina Cunha.

A recuperação de Guillain-Barré, de acordo com a médica, pode levar de meses a anos. A mortalidade é em torno de 5%. Ela acrescenta que também há descritas associações entre a síndrome e o citomegalovírus, o Epstein-Barr, o HIV, as hepatites A, B ou C.

É importante reforçar que Guillain-Barré é causada por um erro no sistema imunológico. "Quando somos infectados por algum vírus, produzimos anticorpos contra ele. Pode ser dengue, zika, chicungunha ou outro. Quem desenvolve a síndrome é vítima do próprio sistema imunológico, que ataca por engano os nervos, levando à fraqueza muscular", explica Igor Bruscky.

Estudo com pacientes do Hospital da Restauração

O neurologista comenta que, em 2005, foi realizado um estudo sobre complicações neurológicas da dengue no Hospital da Restauração (referência em neurologia em Pernambuco), envolvendo 41 pacientes. "Desse total, nove apresentaram Guillain-Barré. Então, podemos ver que a ocorrência da síndrome como complicação de uma infecção viral não é um evento novo ou desconhecido", diz Igor.

"Em períodos de epidemia de infecções virais, ocorre um aumento considerável dos casos de Guillain-Barré, como atualmente. Como não ocorre a notificação, grande parte dos casos não entra nas estatísticas", complementa o médico.

cristiano e miguel Cristiano (à esq.), internado há quase sete meses, tem alcançado ganhos neurológicos, como abrir os olhos, perceber movimentos e sons, segundo conta Miguel (Foto: Reprodução/Facebook)

A história de Cristiano

O jornalista Miguel Rios, 47 anos, tem compartilhado, nas redes sociais, a história do companheiro, o vendedor Cristiano Santos, 40, internado no Hospital Esperança, no Recife, há quase sete meses. Em dezembro, Cristiano começou a ter febre, moleza e dor no corpo. Recebeu o diagnóstico de dengue na emergência de outro hospital particular.

"No começo de janeiro, Cristiano ainda tinha febre alta, dor no corpo e respiração difícil. Foi para a emergência do Esperança e ficou internado para averiguação. Acabou que veio o diagnóstico da síndrome de Guillain-Barré. Ele não tinha mais força nas pernas, e a respiração ficava bem mais difícil a cada dia", conta Miguel.

Na unidade de terapia intensiva (UTI), foi entubado e sedado por causa do desconforto. "Estava bem assustado quando perdeu a capacidade de andar. Toda a família também ficou. É galopante a síndrome. Tínhamos boas esperanças, já que a síndrome de Guillain-Barré é de recuperação longa, mas com grandes chances de cura. No entanto, durante o período de entubação, Cristiano sofreu isquemias cerebrais que, até hoje, têm causas desconhecidas", relata Miguel.

Entre as hipóteses, segundo o jornalista, está a possibilidade de a síndrome ter, em um caso raríssimo, chegado ao sistema nervoso central. "Agora, Cristiano tem alcançado ganhos neurológicos, como abrir os olhos, perceber movimentos e sons. Já mexe os braços, mas não interage, nem dá sinais de raciocínio. Tantas vezes, fica mirando o teto com olhar perdido ou com os olhos semicerrados e inerte."

A maior evolução de Cristiano, de acordo com Miguel, está na respiração. "Dependia totalmente da ventilação mecânica. Hoje, traqueostomizado, ele consegue respirar muitas horas sozinho e só vai para a ventilação mecânica por exercícios de fisioterapia", acrescenta. Atualmente, Cristiano permanece no apartamento do hospital e recebe a boa energia de um universo imenso de pessoas.

A recuperação da síndrome de Guillain-Barré pode levar de meses a anos (Foto: Free Images) A recuperação da síndrome de Guillain-Barré pode levar de meses a anos (Foto: Free Images)

Saiba mais

A síndrome de Guillain-Barré, segundo o neurologista Igor Bruscky, manifesta-se com dormências nos pés associada à fraqueza nas pernas. Esses sintomas geralmente se iniciam de duas a três semanas após uma infecção viral. Os sintomas evoluem de forma ascendente e acometem posteriormente os braços e até a musculatura da respiração, o que pode levar a quadros de falência respiratória. O tratamento deve ser iniciado de forma imediata: é feito com uma medicação chamada imunoglobulina.