Debate sobre remédios para emagrecer ainda dá pano para as mangas

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 27/02/2011 às 1:30

Bom dia, pessoal!

Hoje, a Revista JC traz uma matéria bem detalhada sobre o debate em torno dos remédios para emagrecer, como sibutramina, anfepramona, femproporex e mazindol. Todos estes estão à mira da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que promoveu uma audiência pública, na última quarta-feira (23/2), para discutir a proposta de retirar do mercado brasileiro os inibidores de apetite.

A discussão permanece em aberto, pois médicos e sociedade civil engataram um movimento importante para provar que existe, sim, um grupo de pessoas que realmente necessitam dessas medicações para se livrar de um sobrepeso nocivo, que abre portas para vários problemas de saúde capazes de ser fatais.

Leia abaixo a matéria completa. E lembre-se: na versão impressa, você confere o texto com todas as fotos e a arte explicativa.

CERCO AOS REMÉDIOS PARA EMAGRECER

Cinthya Leite

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Desde janeiro de 2010, quando a União Europeia retirou do mercado a sibutramina (usada como coadjuvante no tratamento da obesidade por promover o aumento da saciedade), não saem da berlinda discussões sobre o uso de remédios que ajudam no processo de perda de peso. Impulsionado pelas mesmas razões da agência reguladora de medicamentos da Europa (Emea), o órgão governamental dos Estados Unidos que controla a comercialização de medicamentos (FDA) também cancelou o registro da sibutramina em outubro do mesmo ano.

Pressionada ou não, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) quer seguir os mesmos passos e tirar não só a sibutramina das farmácias brasileiras, como também os anorexígenos anfetamínicos (anfepramona, femproporex e mazindol). A comunidade médica, os farmacêuticos e boa parte da população estão empenhados num trabalho árduo para provar aos técnicos da Anvisa que um leque imenso de pacientes com sobrepeso e obesidade realmente precisam dessas substâncias, que agem sobre o sistema nervoso central, para jogar fora os quilos extras que abrem porta para uma série de problemas que pode ser fatal.

Como bem disse o promotor público Diaulas Ribeiro (durante fervorosa audiência pública, na última quarta-feira, que discutiu a proposta de retirar do mercado brasileiro os inibidores de apetite), nada mata mais do que a bebida alcoólica e o cigarro. "E quem vai proibir?", indagou Diaulas Ribeiro, um dos que foram aplaudidos durante a reunião, que durou quatro horas e meia.

Transmitida em tempo real pelo Twitter da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), a audiência contou com apresentações de membros da câmara técnica da Anvisa e de representantes das sociedades ligadas à saúde pública. A mobilização dos internautas nas redes sociais também foi intensa, o que deixou transparecer a importância da união dos membros da sociedade civil que abraçam a terapêutica medicamentosa da obesidade de maneira responsável.

"Acredito que ganhamos essa batalha. Agora, a Anvisa sente necessidade de discutir sobre a questão conosco, médicos, que lidamos diretamente com os pacientes", informou, logo após a reunião, o endocrinologista Ricardo Meireles, presidente da SBEM, que representou a entidade da qual está à frente e também a Associação Médica Brasileira (AMB). Bastante aplaudido pela plateia, ele foi enfático ao demonstrar que a endocrinologia brasileira está apreensiva com a intenção da retirada dos medicamentos do mercado.

Segundo Meireles, uma eliminação pequena de peso (alcançada por aqueles que seguem tratamento farmacológico porque tiveram insucesso só com mudanças no estilo de vida) já pode ser considerada representativa, já que diminui o risco de desenvolvimento de doenças como diabete tipo 2, problemas cardiovasculares e hipertensão.

"A perda de peso é eficaz quando é maior ou igual a 1% por mês ou, pelo menos, 5% de três a seis meses", destacou o médico, que reforça o fato de que o tratamento da obesidade não tem como intenção primordial fazer com que a pessoa chegue ao peso ideal, mas sim reduzir o acúmulo de gordura para evitar o aparecimento de comorbidades – enfermidades associadas a um problema de base.

ANVISA SOZINHA - Com tantas opiniões contrárias ao ponto de vista da Anvisa na audiência pública, a agência não deu um parecer final, como era esperado. "Vamos consolidar e analisar as contribuições e abordar o assunto nas próximas reuniões da diretoria colegiada", comentou o diretor-presidente em exercício do órgão, Dirceu Barbano, que complementou: "O Estado tem o dever de garantir à população a segurança e a eficácia dos medicamentos que têm sua chancela para estar no mercado".

Sobre a nota técnica da Anvisa a respeito do tema, o endocrinologista Márcio Mancini, representante da SBEM e ex-presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), alega que não enxerga valor no documento. "Foi criticado por todas as pessoas que não fazem parte do quadro da agência", reforça o médico, que também defendeu o ponto de vista da Abeso e da SBEM na reunião da quarta-feira.

De fato, o grupo que é contra a intenção da Anvisa é formado não só por especialistas da área de saúde. A deputada federal Alice Portugal (PC do B-BA) avisou, na audiência, que levará a discussão ao Congresso Nacional e que, até então, lamenta o fato de a Anvisa não ter dado a importância devida aos especialistas que lidam com pacientes com sobrepeso e obesidade – que não formam um universo pequeno.

EPIDEMIA - Recentemente, pesquisa do Ministério da Saúde revelou que 49% da população adulta no Brasil estão acima do peso, enquanto quase 15% dessa amostragem já se encontram obesos. Muitos desses indivíduos não respondem a dietas associadas à prática regular de exercício físico. O motivo: a tendência a ganhar peso não se explica apenas pela fórmula "consumir mais calorias do que se gasta". A obesidade é uma doença que envolve vários genes, aspectos ambientais e psicossociais.

É por isso que cada caso é – literalmente – um caso. E como frisou a deputada Alice, é na resposta das pessoas que convivem com excesso de peso que médicos têm pistas para indicar (ou não) a terapêutica medicamentosa. "Se uma pessoa não tiver resultados com um medicamento, nós mudamos o método", explica Ricardo Meireles, ao bater na tecla da prescrição benfeita.

Quem sabe o valor do tratamento farmacológico é a funcionária pública Fabíola Queiroz, 34 anos, que recorreu à sibutramina e a um estilo de vida saudável depois dos 21 quilos que ganhou na gravidez. No pós-parto, tentou fechar a boca várias vezes e não alcançava resultado. Com orientação de clínico geral e de endocrinologista, ela tomou três caixas do remédio e perdeu 10 quilos.

"Depois, consegui eliminar o restante do peso sem os comprimidos, que foram essenciais para mim. Ficava saciada com menos comida no prato", conta Fabíola, para quem os efeitos colaterais foram amenos. "Senti muita sede, mas só no início do tratamento. Depois, nada mais. E faz dois anos que consigo me manter no mesmo peso", vibra.

Mas não é qualquer pessoa com sobrepeso que tem indicação para tomar remédios para emagrecer. Antes da prescrição, bons especialistas abrem os olhos para os fatores de risco que os pacientes podem reunir. Quando as pessoas apresentam riscos cardiovasculares como hipertensão, são cardíacas ou têm histórico de depressão e de outros distúrbios psiquiátricos, os médicos já fecham o bloquinho de receitas.

O cabeleireiro Hugo Albuquerque, 30, que diz ter inclinação ao ganho de peso, já tomou sibutramina e femproporex, mesmo sem ter acompanhamento médico. "Sentia palpitações, insônia, irritabilidade e cansaço intenso. Mesmo assim, continuei fazendo uso da sibutramina. Em oito meses, eliminei 13 quilos. Quando parei, ganhei o dobro do peso perdido", lamenta Hugo, que possui histórico de transtornos alimentares – uma condição para a qual os fármacos para emagrecer não são indicados.

Em 2009, Hugo decidiu ir a uma nutricionista, que sugeriu uma reeducação alimentar. Conseguiu perder cerca de 20 quilos e mantém o peso há oito meses. "Hoje, sou saudável e feliz seguindo um cardápio equilibrado." Como o tratamento da obesidade considera as particularidades de cada paciente, apenas mudanças de hábitos não trazem resultados para todos que convivem com um sobrepeso prejudicial à saúde.

Que o diga a técnica em farmácia Olívia Agra, 31. Ela conta que, por recomendação médica, fez muitas dietas, tomou uma porção de medicamentos, como mazindol e femproperex, além de ter utilizado fitoterápicos. "Infelizmente, nenhuma dessas alternativas fez efeito. Então, decidi me submeter à cirurgia bariátrica e, de 124 quilos, passei para 70", relata Olívia, que hoje é dona de um bemestar sem igual.

No futuro, talvez, o trunfo dos medicamentos antiobesidade estará relacionado ao bloqueio e/ou ao estímulo de substâncias alteradas após a cirurgia bariátrica – e responsáveis pela sensação de fome e de saciedade. O hormônio grelina, por exemplo, produzido pelo estômago, envia ao cérebro a informação de que o organismo tem fome.

"Pacientes que se submeteram à cirurgia bariátrica passam a ter níveis baixos de grelina. E é outra substância, a leptina, que avisa ao cérebro que devemos moderar na ingestão de comida. E as pessoas que passaram pela operação têm níveis mais altos de leptina", informa o cirurgião Walter França, do programa de cirurgia bariátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, no Recife.

"Acredito que a tendência será pesquisar remédios que atuem como bloqueador da grelina e estimulador da leptina", comenta França. Ou seja, o debate sobre tratamento farmacológico da obesidade ainda dará muito pano para as mangas.

Visão geral dos medicamentos para emagrecer

– Os primeiros moderadores de apetite, as anfetaminas, realmente provocavam acentuada excitação nervosa, insônia, taquicardia e eventualmente distúrbios de personalidade, além de forte dependência

– Depois deles, surgiram os moderadores de apetite mais avançados, como o femproporex e o mazindol – este último pertencente a um grupo químico completamente diferente das anfetaminas. São medicamentos que agem menos sobre o sistema nervoso central e possuem baixo potencial de abuso, segundo relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS). Nas doses indicadas, raramente mexem com a parte emocional das pessoas. Os riscos alcançam somente as que já sofrem de um distúrbio psiquiátrico latente (que ainda não tenha se manifestado de forma concreta). Os remédios não criam esses transtornos, mas podem agir como um gatilho que desencadeia a aparição deles

– Os efeitos adversos dos moderadores de apetite devem-se menos à droga em si do que ao encontro da droga com uma personalidade já afetada por um problema psicótico de base

– Desde o ano 2000, alguns antidepressivos como a fluoxetina, capazes de agir sobre os níveis de serotonina, mostraram-se muito eficazes nos casos em que a ingestão exagerada de alimentos está ligada à ansiedade

– A sibutramina faz parte de uma outra categoria de remédios que provocam a saciedade. A substância não impede o aparecimento da fome, como os moderadores de apetite, mas faz com que a fome desapareça mais rapidamente. Quem toma o remédio se senta à mesa para uma refeição e, em poucas garfadas, sente-se saciado

– O rimonabanto, que ficou conhecido como a pílula antibarriga, teve venda suspensa em outubro de 2008, em todo o mundo, inclusive no Brasil, onde era comercializado desde abril do mesmo ano. A recomendação partiu da Agência Europeia de Medicamentos (Emea), que constatou riscos de perturbações psiquiátricas em pacientes que utilizaram a medicação, quando comparados com aqueles que usavam placebo (substância inativa)

– O orlistate, que continua à venda no Brasil e não está à mira da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), dificulta a absorção da gordura pelo intestino e provoca uma premência de evacuar logo depois das refeições, fenômeno que se revelou eventualmente muito desagradável. Apesar disso, o medicamento é uma arma terapêutica boa na fase da manutenção, após a redução do peso.

Substâncias à mira da Anvisa

Para a agência, os medicamentos inibidores de apetite anfepramona, femproporex, mazindol e sibutramina não mais apresentam adequada relação benefícios/risco. Confira a posição da agência sobre cada um desses fármacos e também o que dizem as entidades médicas

Sibutramina

– Posição da Anvisa: Diversos estudos têm demonstrado que a redução de massa corporal promovida pela sibutramina é modesta (em torno de 5 kg em 12 a 52 semanas), mesmo quando o medicamento é associado a uma dieta adequada. Por outro lado, a substância promove aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca, além de provocar distúrbios do ritmo cardíaco. A Anvisa ainda alega que apenas 30% dos usuários tiveram boa resposta com a sibutramina e que, para todos os pacientes, ocorreu aumento de eventos cardiovasculares em 16%

– Defesa dos especialistas: A perda de peso é eficaz quando é maior ou igual a 1% ao mês (ou pelo menos, 5% de três a seis meses). Vale lembrar que o tratamento da obesidade não visa levar o indivíduo a seu peso ideal, e sim em reduzir seu peso para que ele possa ter benefícios e evitar o aparecimento de comorbidades (doenças associadas). Além disso, o aumento dos riscos cardiovasculares está presente na bula e é conhecido pelos médicos, que não prescrevem a sibutramina para pacientes cardíacos ou com riscos cardiovasculares

Mazindol

– Posição da Anvisa: Reações adversas do medicamento geralmente levam pacientes a abandonarem estudos clínicos. As queixas mais comuns são boca seca, insônia, constipação, nervosismo, tontura e cefaleia. Foram descritos, em 2000, casos de hipertensão pulmonar associados a mazindol em uso por mais de 12 meses. Além disso, a substância pode causar depressão primária severa e indução da fase maníaca

– Defesa dos especialistas: Mazindol é comercializado há mais de 30 anos e é uma alternativa bem mais econômica, motivo que leva um grupo de médicos a defender a manutenção desse medicamento no Brasil. Os pacientes que usam a medicação são acompanhados criteriosamente em relação a queixas, a fim de ser observada a continuação ou não do fármaco. Além disso, médicos não receitam mazindol a pessoas com histórico de depressão ou outros problemas psiquiátricos

Anfepramona

– Posição da Anvisa: Reduz o peso corporal apenas a curto prazo – ou seja, o resultado desejado não permanece a longo prazo. Devido a graves reações adversas, importantes contraindicações, risco de dependência de uso e ausência de estudos clínicos com padrão de qualidade regulatório que comprovem eficácia e segurança, este medicamento apresenta riscos que se sobrepõem aos benefícios, inexistindo subgrupo populacional que tenha indicação para seu uso

– Defesa dos especialistas: Antes de usar anfepramona, como qualquer outro medicamento antiobesidade, pacientes devem ser bem avaliados para que o médico identifique histórico de doenças prévias e risco de desenvolvimento de enfermidades como doença cardiovascular (angina, hipertensão, arritmias). Em 2009, estudo conduzido pelo grupo de obesidade do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, com duração de um ano, mostrou que anfepramona é bem tolerada e eficaz, quando bem indicada e utilizada em monoterapia (sem uso de outras substâncias como diuréticos)

Femproporex

– Posição da Anvisa: Reações mais comuns deste medicamento incluem inquietude, nervosismo, irritabilidade, insônia, agressividade, psicose, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), transtorno de ansiedade generalizada e pânico. O uso de femproporex, por cinco semanas, além de não ser mais efetivo do que o tratamento com modificação de conduta ou dieta hipocalórica, apresenta complicações secundárias como constipação e insônia, além de outros contratempos

– Defesa dos especialistas: Antes de usar anfepramona, como qualquer outro medicamento antiobesidade, pacientes devem ser bem avaliados para que o médico identifique histórico de doenças prévias e risco de desenvolvimento de problemas psiquiátricos. Especialistas não receitam femproporex, assim como qualquer medicação para emagrecer, para quem tem contraindicação à substância

Fontes: Nota técnica da Anvisa sobre eficácia e segurança dos medicamentos inibidores de apetite / O gordo absolvido: a dieta pela genética, escrito por Geraldo Medeiros (Difusão Editora, 2008) / Especialistas consultados (médicos Márcio Mancini e Ricardo Meireles, que participaram como consultores para esta matéria, assim como os também médicos Gustavo Caldas, Ney Cavalcanti e Walter França)