Você conhece o poder de sua genética diante do sobrepeso?

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 16/01/2011 às 13:56

Quem não conseguiu ler a minha matéria de capa hoje (16/1), na Revista JC (Jornal do Commercio), pode conferir tudo aqui. Acompanhe a reportagem e descubra por que a genética pesa na balança. Também veja o material extra sobre o tema que este blog traz para você: as entrevistas com Dr. Márcio Mancini (@drmarciomancini) e com o fisiologista Cláudio Barnabé (@claudiobarnabe).

- Clique aqui e leia a entrevista completa com Dr. Márcio Mancini

- Clique aqui e leia a entrevista completa com Cláudio Barnabé

Só com muito esforço eles vencem a genética

 

Considerado um dos papas da genética da obesidade no Brasil, o médico e escritor Geraldo Medeiros está mais do que convencido, com base em inúmeros estudos e em 40 anos de pesquisa, de que a tendência a acumular gordura está inscrita na árvore genealógica, tema abordado no seu livro O gordo absolvido: a dieta pela genética (Difusão Editora, 261 páginas). Nesta matéria, os relatos de Milton Nóbrega, Maria Gorett Rodrigues de Morais, Delmiro Borges Cabral, Mariana Mesquita e Edvar Vilar Neto se unem aos depoimentos dos especialistas entrevistados para fortalecer a ideia de que a inclinação ao sobrepeso e à obesidade depende mais da herança genética do que da força de vontade de cada um. Mas nem por isso, quem tem excesso de peso está condenado a brigar com a balança pelo resto da vida. Afinal, experts estão certos de que acompanhamento médico criterioso, dieta específica e programa personalizado de exercícios podem fazer com que os genes responsáveis pelo acúmulo de gordura percam a força. Assim, candidatos ao sobrepeso contam com a chance de driblar a propensão à obesidade – doença poligênica que não está só relacionada ao pecado da gula.

Acompanhe esta reportagem e entenda por que a genética pode interferir no sucesso ou no fracasso de dietas e da adoção de um estilo de vida saudável.

Quem vê o personal trainer Milton Nóbrega, 33 anos, não imagina que, aos 10, ele pesava 80 kg. Foi um amor não correspondido que o estimulou a jogar fora os quilos em excesso. Graças a um tratamento adequado, livrou-se da gordura que herdou do lado materno. "Passei a gostar mais de mim. Perdi 27 kg e, após cinco anos, comecei a fazer exercício. Aos 17 anos, descobri a musculação, que despertou o desejo de me formar em educação física", relata Milton, que conta com a alegria de manter o estilo de vida que conquistou na puberdade.

"Sei que não posso bobear. Treino de quatro a cinco dias por semana e cuido da alimentação. Dependendo do treinamento, há épocas em que me exercito ao ar livre e outras em que faço atividade dentro da academia", continua o personal, cuja experiência o ajuda a entender as necessidades e angústias de qualquer aluno gordinho que procura suas orientações.

No caso de Milton, como os quilos extras se manifestaram bem cedo, podemos desconfiar de que a obesidade monogênica pode ter sido o seu calcanhar de aquiles. "Trata-se do tipo da doença que vem logo na infância e, por isso, merece ser acompanhada o quanto antes por um equipe médica", diz o endocrinologista Francisco Bandeira, do Departamento de Endocrinologia e Diabetes do Hospital Agamenon Magalhães, no Recife.

Segundo ele, a obesidade monogênica é rara, mas a poligênica não. "Ainda assim, não são somente os genes de uma pessoa que são suficientes para fazer o sobrepeso dar as caras. Quando essa carga genética entra em contato com um ambiente pouco saudável, a tendência para a obesidade se revela", complementa o médico. Essa declaração também leva a outra reflexão: uma pessoa sem os genes capazes de deixar o terreno fértil para o acúmulo de gorduras não possui a infelicidade de engordar por qualquer pequeno deslize. "Deve-se considerar quando um paciente diz que a sua ingestão alimentar não justifica o peso mostrado pela balança."

E a nutrigenômica (disciplina que estuda a relação entre o consumo de nutrientes e o código genético) chega para reforçar e avaliar o impacto do genótipo do indivíduo na saúde. "Ainda não temos um laboratório com objetivo de fazer o perfil genético do indivíduo. Até há empresas que analisam os genes ocorrentes com mais frequência na obesidade, diabete, problemas cardíacos e outras doenças, mas ainda são incipientes", diz o endocrinologista Fernando Almeida, que participou recentemente da Conferência Internacional de Nutrigenômica – evento realizado no Guarujá (SP) que mostrou a interação entre gene e dieta para a personalização da saúde e prevenção de doenças crônicas.

Também membro da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), ele detalha e quantifica o peso da carga hereditária diante do acúmulo de gorduras no corpo. "Quem possui pai e mãe com sobrepeso ou obesidade conta com 80% de chances de ter a mesma condição. Se apenas um dos pais apresenta problema com a balança, a chance do filho repetir esse padrão é de 40%", explica o médico do Instituto de Endocrinologia do Recife. "Hábitos saudáveis regulares reduzem em 20% o fator hereditário que a pessoa tem para engordar. É assim que a carga genética pode não se manifestar."

Para desviar a propensão ao excesso de peso, é preciso construir um bom estilo de vida, fundamentado na perspicácia de profissionais de saúde. "Embora laboratórios ainda não tracem o perfil genético, médicos podem se empenhar no estudo da história clínica do paciente e planejar um tratamento eficaz", complementa Fernando Almeida. Fazer uma boa anamnese (avaliação sobre o princípio e evolução de uma doença) requer tempo, mas é através dela que dá para descobrir fatores de risco para doenças inerentes a um indivíduo.

Foi graças a um acompanhamento médico adequado que o advogado Delmiro Borges Cabral, 36, libertou-se da obesidade mórbida há cinco anos. Preparou-se para se submeter à cirurgia bariátrica e, após o procedimento, entrou num ritmo de perda de gordura. De 135 kg, passou para 85 kg. Hoje, ele está com 90 kg. "Mas basta fugir um pouco da dieta equilibrada para engordar. Uma prova é que, no ano passado, cheguei a 98 kg. Passei a reeducar a alimentação e voltei para os 90 kg", conta Delmiro, que ganhou a tendência ao sobrepeso dos lados materno e paterno.

Passando longe da hipocrisia, ele admite que adora comer. "É algo que me dá prazer, principalmente se estou ansioso", acrescenta o advogado, cujo relato ilustra o depoimento do endocrinologista Márcio Mancini. "Variações gênicas podem até fazer com que o apetite seja maior e favorecer ou não os episódios de compulsão", salienta o médico, responsável pelo grupo de obesidade e doenças metabólicas do serviço de endocrinologia e metabologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).

Quem também confessa que a comida lhe dá prazer é a socióloga Maria Gorett Rodrigues de Morais, 43. "Adoro doces, bolo e chocolate. Engordo porque como. É assim desde a adolescência, época em que comecei a controlar o peso", conta ela, que garante ter um família acima do peso. "Minha mãe era gordinha. Morava no interior e adorava uma mesa farta." Como tem dificuldade para conter o apetite e o estresse, Gorett recorreu à academia para queimar calorias extras. "Eliminei dois quilos desde comecei a me exercitar, mas quero perder mais. Sei que é difícil."

Serve como estímulo para Gorett a declaração do profissional de educação física Cláudio Barnabé, fisiologista da Academia Plataforma: "Os exercícios podem plenamente diminuir o apetite através do aumento de temperatura corporal. A atividade promove o gasto energético por aumentar o consumo de oxigênio durante e após o desempenho físico". Mesmo assim, pessoas com sobrepeso e obesidade não devem praticar exercícios sem orientação. "Autoprescrição de exercícios é tão perigoso quanto automedicação", alerta Barnabé.

Ainda de acordo com o especialista, é fundamental o processo de perda de peso contemplar dieta personalizada e programa de atividades com base no perfil metabólico. O resultado, entre muitos, será o ganho de músculos – aliado do emagrecimento. "O exercício ativa um mecanismo de consumo do oxigênio pós-esforço, o que mantém o metabolismo elevado por até 48 horas após as atividades, dependendo do tipo e intensidade delas", enfatiza Barnabé, que acrescenta: "Assim, há uma ação de aumento do gasto energético, que ajuda a combater o efeito sanfona".

O designer Edvar Vilar Neto, 22, sabe bem o efeito benéfico de sair do sedentarismo. "No processo de perda de peso, fiz exercícios regularmente. Agora que me livrei da obesidade, até recorro a atividades físicas, mas sem muito compromisso", diz ele, que teve uma adolescência com sobrepeso e está feliz por ter jogado fora mais de 40 quilos. Hoje, ele se orgulha dos hábitos saudáveis que conquistou e também do novo guarda-roupa. "Saí do manequim 52 para o 38."

Não são todas as pessoas com obesidade mórbida que conseguem se livrar da gordura corporal com exercício e dieta como o designer. Há aquelas que realmente precisam tomar medicações adequadas e prescritas com seriedade. Já outros indivíduos são candidatos à cirurgia bariátrica, como o advogado Cabral.

Assim como ele, a jornalista Mariana Mesquita sabe o quanto é complexo eliminar o peso em excesso, mesmo quando se enfrenta o procedimento cirúrgico. "Precisei me submeter à gastroplastia em 2001. Perdi 50 quilos, mas recuperei 30", diz Mariana. Ela reconhece que o reganho de peso pode ter se tornado uma realidade porque não seguiu um acompanhamento criterioso após a cirurgia. "Enfrentei alguns problemas que me deixaram estressada e, por isso, acabei sem abraçar um novo estilo de vida", acrescenta.

Ela conta que o excesso de peso não a impede de fazer as atividades do dia a dia, mas gostaria de vencer a luta contra a balança. "Reconheço o quanto é difícil deixar de lado o estresse e os maus hábitos que nos levam a comer demais", diz Mariana, cujos quilos a mais também estão relacionados com o componente genético.

"Na minha família materna, todos têm problema com a balança. Meu filho Antonio, de 3 anos, já é cheinho", ressalta Mariana, que elucida o que a ciência tem garantido: nenhum obeso deve receber todo o peso de culpa pelos excessos cometidos. Afinal, obesidade não é somente uma questão de escolha – pelo menos, na maior parte dos casos.