Caetano Veloso lamenta morte de Mr. Catra: "Representava coisas essenciais do ethos das periferias"

Victor Augusto
Victor Augusto
Publicado em 10/09/2018 às 7:48
Mr. Catra e Caetano Veloso (Imagem: Reprodução)
Mr. Catra e Caetano Veloso (Imagem: Reprodução)

O final de domingo mal tinha chegado com sua tristeza tradicional quando os fãs do funk foram golpeados com a notícia da morte de Mr. Catra. O funkeiro faleceu aos 49 anos devido a um câncer no estômago. O músico era considerado uma figura icônica: formado em direito e poliglota (falava 4 idiomas), ficou conhecido pelo seu funk "proibidão" e posicionamentos ousados.

Catra também era conhecido pelo seu carisma. Ele transitava em diferentes espaços culturais e conseguia ser querido em quase todos. Conseguia, por exemplo, cantar na periferia e fazer um dueto com Caetano Veloso. A cena explica o porquê da sua partida ter ultrapassado os espaços do ritmo, comovendo públicos não adeptos aos "pancadões".

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Em tempo, Caetano Veloso também demonstrou sua tristeza pela morte do músico. No seu Facebook, o cantor lamentou a partida do funkeiro, que também era seu amigo. Eles cantaram a música Vaca Profana no programa Bagulho Doido, apresentado por Catra.

O vídeo do dueto foi compartilhado por Caetano. Junto ao trecho, ele também compartilhou um texto. Nele, contou como conheceu Mr. Catra e comentou sobre a vida do amigo, assim como seu papel de representante das periferias.

Confira o texto compartilhado por Caetano:

Quando, nos anos 90, o Orfeu de Cacá Diegues ficou pronto, fomos exibi-lo em Vigário Geral e no Vidigal. Em Vigário, houve um show em que eu cantava canções que compus para o filme e, representando o som de rap e funk das favelas que (para desgosto de Kenneth Maxwell) pontuava suas cenas, subiram ao palco MV Bill e Mr. Catra. Havia uma tela grande ao ar livre para projeção e um palco adjacente. Quando eu fui anunciado, um número simpático de moradores se aproximou e pude ver algumas caras atentas entre os que me ouviam. Quando Bill foi anunciado, houve aplausos mais intensos e cresceu muito o número de espectadores frente ao palco. Mas a multidão se multiplicou e delirava ao grito do nome de Mr. Catra. Muita gente vinha dos barracos, gente que nem tinha se abalado para vir ver o filme. Fiquei fã de Bill, cuja música já conhecia, impressionado com sua beleza, elegância e integridade. E Catra, que eu desconhecia totalmente, me fascinou para sempre. Fiquei amigo tanto de Bill quanto de Catra. Com Bill tenho tido mais colaboração e parceria. Mas Catra foi uma série de surpreendentes revelações. Sua voz, suas conversas, suas histórias, sua vida, sua obra. Em Vigário Geral ouvi coisas que vieram a ser conhecidas como funk proibidão. Depois ouvi de Catra autobiografia em que ele, criado por família branca de classe média, resolveu, adulto, ir viver na favela. Mais tarde, fui vê-lo cantar no Paris Café, no Recreio dos Bandeirantes, canções religiosas hebraicas sobre base eletrônica, entre damas da noite de salto alto e sem roupa. Seu amor por Israel era imenso. Sua visão da história era ousada e problematizada pessoalmente ("negros é que escravizaram negros e os venderam na costa"; "não precisamos de cotas mas de reencontrar a nobreza negra"; "não vou votar em ninguém em 2018: do jeito que tá hoje, me arrependo de ter lutado pela redemocratização"). Teve vida poligâmica organizada. Ele representava coisas essenciais do ethos das periferias urbanas brasileiras. E era um cara alto astral, que sabia gostar de viver. É um caso existencial que o Brasil deveria amadurecer para estudar. O povo e tantos de nós amadurecemos para amar. 32 filhos. Muita coisa para ser vivida em apenas 49 anos.

Caetano Velosos sobre Mr. Catra

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