"É uma questão de saúde pública", diz Flaira Ferro sobre autonomia sexual da mulher

ROMERO RAFAEL
ROMERO RAFAEL
Publicado em 18/03/2018 às 7:07
Foto-arte de divulgação do clipe "Coisa mais Bonita"
Foto-arte de divulgação do clipe "Coisa mais Bonita"

Em 2006, a novela Páginas da Vida levou ao ar depoimento de uma mulher de 68 anos confessando a descoberta do orgasmo, aos 45, ao ouvir O Côncavo e o Convexo, de Roberto Carlos. “Homem pra mim não faz mais falta”, concluía. O público criticou. A mulher virou chacota. O autor Manoel Carlos pediu desculpas. E a Globo acionou seu Controle de Qualidade. Nesta semana, o clipe Coisa mais Bonita, da recifense Flaira Ferro, provocou, ao exibir – sem nudez alguma – rostos de mulheres em seus orgasmos. O vídeo bateu recorde no canal dela no YouTube: já são mais de cem mil views. Mas, entre muitos elogios, foi denunciado e censurado.

Há mais de dez anos, a senhora do depoimento foi alvo de chacota e culpada por constrangimento. Agora, seu clipe foi censurado. Por que falar sobre orgasmo incomoda?

Porque é uma ameaça ao machismo – como as mulheres podem ser felizes e se dar prazer sem o homem? A história do machismo é pautada sobre o corpo feminino, mas na repressão da libido e mutilação do prazer. Quando o homem descobriu que tinha parte na geração de um filho, ele começou a se sentir dono da mulher. A gente cresce com a ideia de que o corpo não nos pertence. E tirar o direito de pertencer ao próprio corpo é dar continuidade a um modelo de opressão.

O que falta para que o prazer da mulher seja livre?

Autoconhecimento e acesso a informação. Assim como a gente vai ao cardiologista, ao otorrino... devia ir ao sexólogo e olhar para a sexualidade como fator fundamental de saúde física e emocional.É preciso à mulher a autonomia, o que não exclui os homens. Tanto que canto: “Homem de verdade enxerga beleza na mulher que é dona do próprio tesão”.

Flaira Ferro por Flora Negri

Muita gente que olha para esse assunto, associa sexualidade com vulgaridade. Mas hipersexualização é o que é feito na indústria pornográfica machista, que usa o corpo da mulher como símbolo sexual.

FF

Na sua descoberta pessoal, chegar ao entendimento de que o prazer é autônomo também foi um processo, ou isso sempre esteve muito claro?

Parafraseando Simone de Beauvoir, “não se nasce mulher, torna-se mulher”. Essa construção ainda acontece comigo, porque sexo é tabu para todas as mulheres. Eu, que me sinto privilegiada por ter uma mãe ginecologista e um pai [Flaira é filha do ex-deputado Fernando Ferro] aberto à escuta, ainda assim, sempre tive muita dificuldade de olhar pra mim, por causa do medo e da culpa que acompanham todas as mulheres. E, ainda que não eu, esbarro em outras mulheres à minha volta. É uma questão de saúde pública. A partir do momento em que a gente compreende que o prazer é possível, a gente se cura. Cura-se a autoestima de uma mulher que esteve sempre para servir ao homem, e nunca se satisfazer. A gente quer ser protagonista do nosso corpo, e não coadjuvante do desejo alheio.

Alguma reação ao clipe te chamou atenção, em especial?

Um rapaz que escreveu: “Peço desculpas por todos esses homens que estão fazendo comentários machistas”. O ataque à mulher é algo esperado. A grande novidade é o despertar da consciência. E é isso que me incentiva a continuar com a minha arte como ferramenta de transformação e melhoria. O ataque é démodé.

Assista ao clipe:

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