A poesia de Ferreira Gullar está eternizada também na música

ROMERO RAFAEL
ROMERO RAFAEL
Publicado em 04/12/2016 às 11:46
Ferreira Gullar - Foto: reprodução
Ferreira Gullar - Foto: reprodução

A poesia de Ferreira Gullar, morto neste domingo (3), já serviu muito à música. Milton Nascimento musicou os poemas Meu Veneno e Bela, Bela (este, da obra Poema Sujo, que neste ano completou 40 anos). Já Fagner transformou em música os poemas Traduzir-se e Cantiga para não Morrer. O próprio Gullar, também em Poema Sujo, criou letra para O Trenzinho do Caipira, parte da peça Bachianas Brasileiras nº2, de Heitor Villa-Lobos, gravada por Ney Matogrosso. Ouça:

Meu Veneno

Atrás de meus olhos dorme

Uma lagoa tão mansa

E o céu que trago na mente

Meu voo jamais alcança

Há no meu corpo um incêndio

Que queima sem esperança

A própria terra que piso

Vira um abismo e me come

Corre em meu sangue um veneno

Veneno que tem teu nome.

 

Bela, Bela

(...)

bela bela

mais que bela

mas como era o nome dela?

Não era Helena nem Vera

nem Nara nem Gabriela

nem Tereza nem Maria

Seu nome seu nome era...

Perdeu-se na carne fria

perdeu-se na confusão de tanta noite e tanto dia

perdeu-se na profusão das coisas acontecidas

constelações de alfabeto

noites escritas a giz

pastilhas de aniversário

domingos de futebol

enterros corsos comícios

roleta bilhar baralho

mudou de cara e cabelos mudou de olhos e risos mudou de casa

e de tempo: mas está comigo está

perdido comigo

teu nome

em alguma gaveta

 

Traduzir-se

Uma parte de mim

é todo mundo:

outra parte é ninguém:

fundo sem fundo.

Uma parte de mim

é multidão:

outra parte estranheza

e solidão.

Uma parte de mim

pesa, pondera:

outra parte

delira.

Uma parte de mim

almoça e janta:

outra parte

se espanta.

Uma parte de mim

é permanente:

outra parte

se sabe de repente.

Uma parte de mim

é só vertigem:

outra parte,

linguagem.

Traduzir uma parte

na outra parte

— que é uma questão

de vida ou morte —

será arte?

 

Cantiga pra não Morrer

Quando você for se embora,

moça branca como a neve,

me leve.

Se acaso você não possa

me carregar pela mão,

menina branca de neve,

me leve no coração.

Se no coração não possa

por acaso me levar,

moça de sonho e de neve,

me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa

por tanta coisa que leve

já viva em seu pensamento,

menina branca de neve,

me leve no esquecimento.

 

O Trenzinho do Caipira

Lá vai o trem com o menino

Lá vai a vida a rodar

Lá vai ciranda e destino

Cidade noite a girar

Lá vai o trem sem destino

Pro dia novo encontrar

Correndo vai pela terra, vai pela serra, vai pelo mar

Cantando pela serra do luar

Correndo entre as estrelas a voar

No ar, no ar, no ar... (...)

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