Os 50 anos da joia brasileira de Clementina Duarte

ROMERO RAFAEL
ROMERO RAFAEL
Publicado em 10/07/2016 às 7:00
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Era julho de 1966 quando a arquiteta recifense Clementina Duarte começava a desenhar uma trajetória que completa 50 anos. Estava em Paris, onde cursava pós-graduação em arquitetura e design. Resolveu, então, arquitetar suas próprias joias - as que dispunha não combinavam com as roupas que desenhava para usar. As peças chamaram a atenção do professor Jean Pouvré, que a apresentou à famosa designer francesa Charlotte Perriand, chegando ao estilista Pierre Cardin, que em 1967 lançou uma coleção em que as roupas dele eram conjugadas às joias dela e só vendidas juntas.

Foi fatal: Clementina criava ali a joia brasileira, inspirada até nas nuvens do Recife, e inaugurava a joia moderna. "Embora as primeiras fossem rústicas de aparência, elas eram absolutamente perfeitas no corpo. Eu fazia o desenho, a maquete e executava, simultaneamente. A joia tem de embelezar o ser humano e se adaptar ao corpo de uma forma confortável, como se fizesse parte dele", conta a designer, que se prepara para realizar no Recife, a partir de 17 de novembro, no Museu do Estado, sua primeira exposição na cidade natal, depois de já ter exibido seu trabalho em Paris, Milão, Helsinque, Londres, Nova York, Abu Dhabi, Lisboa, Washington, Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro...

Das primeiras joias de Clementina Duarte - Foto: reprodução Das primeiras joias de Clementina Duarte - Foto: reprodução

Clementina desenha desde os dois anos e meio de idade. Ainda criança, emendava papéis para traçar princesas de contos de fadas em proporções reais. Formou-se na Faculdade de Arquitetura do Recife e, antes de ir para Paris, estudou mestrado e lecionou História da Arquitetura na Universidade de Brasília, à época de Oscar Niemeyer. Foram as formas sinuosas da arquitetura moderna de Niemeyer mais os ensinamentos dele - de que as expressões artísticas de um país são determinadas pela geografia e a história - que fizeram a arquiteta transpor para as suas joias o Barroco e a paisagem brasileira. Assim marcou as suas criações com DNA tupiniquim. Com elas, em 1971, já de volta ao Brasil, ela ganhou o Prêmio de Melhor Desenho de Joias, na 11ª Bienal de São Paulo.

As joias de Clementina já foram ofertadas como presente à Rainha Elizabeth II e um colar de ouro já adornou o colo de Hillary Clinton - Fotos: Dayvison Nunes/JC Imagem Joias de Clementina já foram ofertadas às rainhas Elizabeth II e Sílvia da Suécia, e um colar de ouro já adornou o colo de Hillary Clinton - Fotos: Dayvison Nunes/JC Imagem

Agora, meio século depois, uma retrospectiva do trabalho de Clementina deixa claro que, desde o início, seu ofício esteve para além de fazer joias preciosas. "Sempre foi um conceito mais geral; sobre como seria a joia brasileira, numa pesquisa permanente, um levantamento de momentos e aspectos. Por exemplo, depois de explorar as curvas, eu fiz só retas nos anos 70. Havia as curvas do corpo da pessoa, mas com retas. Um amigo perguntou se eu não me inspirava mais na natureza, mas veja o que é uma palmeira plissada... é retinha! A natureza é simultânea...", explica.

O trabalho de Clementina nessas cinco décadas tem sido, portanto, pontilhar com o brilho de pedras e metais preciosos registros de um País - "Na história das civilizações, todos os povos tiveram as joias expressando as formas das artes", diz, ao citar a falta de peças que identificassem o Brasil, lá nos anos 60, quando as joalherias brasileiras copiavam as italianas; quando formas arredondadas e voluptuosas não existiam; e quando o resto do mundo desconhecia a abundância de diamantes no solo brasileiro, bem como a história do País. "Eu conto a história do Brasil através das joias... Joias têm desenho e proporção; joias são para fazer parte da pessoa e, mesmo que use elementos preciosos, não são só brilho."

Três filhas de Clementina Duarte seguem a carreira da mãe, como designers de joias "Eu sempre fui arquiteta, do desenho à construção. Crio e tem que sair como eu quero", fala Clementina Duarte, que já desenhou cerca de 10 mil desenhos, a maioria transformada em peça única

"O Recife vai ser mais pobre sem a sua joia"

Associada a ostentação, a joia já pesou demais a Clementina. Há algumas décadas, quando na volta de Paris morou no Recife, a designer cogitou deixar a carreira e voltar a desenhar mobiliário, entre outros trabalhos na arquitetura, pois havia quem considerasse nonsense o fato de alguém fazer joia, diante de tanta pobreza em Pernambuco. "Você pode até parar, mas o Recife vai ser mais pobre sem a sua joia", disse-lhe dom Helder, quando ela o procurou angustiada.

Artista erudito de casa não faz arte?

Ainda sobre a sua relação com Pernambuco, Clementina critica a falta de atenção à arte erudita, inversa a toda consideração dispensada à arte popular. Relembra que, nos anos 70, quando levava exposição para NYC, saiu um catálogo sobre arte pernambucana que só acolhia artistas populares: "O Nordeste renegou os artistas eruditos. Com aquele catálogo, eu entendi: a arte pernambucana erudita tinha de ser exportada. Então foquei no exterior, para ser vista pelo mundo".

Uma vida de fada madrinha

No encontro com o Social1 - vinda de São Paulo, onde mora, e às vésperas de embarcar para os EUA, onde já residiu e ainda possui ateliê -, Clementina Duarte descobriu-se fada madrinha, além da designer e artista que é. Uma definição que nunca antes lhe ocorreu, apesar de já ter vestido uma princesa árabe, em Abu Dhabi. "[NO CASO DA JOIA POR ENCOMENDA] eu desenho para o mundo de cada pessoa. E como amante da psicologia, na arquitetura e nas joias, meu primeiro momento é tentar identificar a alma, o desejo e as fantasias de cada um. É, a dois, ser a fada madrinha que realiza os sonhos". Antes recordou que, quando criança, adorava ler contos. O preferido era As Doze Princesas Dançarinas, dos Irmãos Grimm. Rememorou ter lido que as árvores eram de prata, as folhas, de ouro e os frutos, de pedras preciosas...

 

Veja algumas criações de Clementina Duarte:

Conjunto em ouro branco, diamantes e águas-marinhas - Fotos: Divulgação - Conjunto em ouro branco, diamantes e águas-marinhas - Fotos: Divulgação
Brincos em ouro branco, diamantes e turmalinas Paraíba - Brincos em ouro branco, diamantes e turmalinas Paraíba
Brincos em ouro branco, diamantes e águas-marinhas - Brincos em ouro branco, diamantes e águas-marinhas
Pingente em ouro branco, diamantes e águas-marinhas - Pingente em ouro branco, diamantes e águas-marinhas
Anel em ouro branco com diamantes e rubelita - Anel em ouro branco com diamantes e rubelita
Anel em ouro branco, diamantes e esmeraldas - Anel em ouro branco, diamantes e esmeraldas
Pulseira em ouro, diamantes e águas-marinhas - Pulseira em ouro, diamantes e águas-marinhas
Brincos em ouro e diamantes - Brincos em ouro e diamantes

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