SpokFrevo Orquestra e o sonho americano

Anneliese Pires
Anneliese Pires
Publicado em 09/10/2014 às 6:11
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Depois de se fazer presente em inúmeras salas de concerto de toda a Europa, o frevo jazzístico, repaginado e com pegada contemporânea vai chegar ao maior mercado fonográfico do mundo e dificílimo de se entrar. A SpokFrevo Orquestra parte para uma turnê pelos Estados Unidos com série de oito shows, a partir de 19 de outubro, que incluem concertos em importantes centros musicais. Dois deles na sala The Appel Room, no Lincoln Center, em Nova Iorque, nos dias 24 e 25. O grupo apresentará o último CD gravado, Ninho de Vespa, com o qual a SPO venceu o Prêmio da Música Brasileira deste ano na categoria grupo instrumental.

A nova sequência de apresentações começa no Berklee Performance Center, em Boston. Para promover a turnê, a SPO assinou parceria com o selo Motéma, sediado em San Francisco e com escritório no bairro do Harlem, em Nova York. A gravadora especializada em jazz e outros gêneros musicais, com portfólio de artistas vencedores do Grammy, irá divulgar o grupo pernambucano em território norte-americano.

Num dos cenários mais bonitos e representativos para o grupo na cidade, o Paço do Frevo, o Social1 conversou com Inaldo Cavalcante de Albuquerque, a.k.a maestro Spok, e Gilberto Pontes, o saxofonista Giba, sócios na orquestra sobre a turnê e a realização de um sonho.

Fotos: Dayvison Nunes/JC Imagem Fotos: Dayvison Nunes/JC Imagem

O que representa essa turnê para a carreira da SPO?

Spok - Essa turnê é um sonho realizado de muitos e muitos anos. Poder chegar aos Estados Unidos, o berço do jazz, da musica instrumental popular....  Foram anos e anos pesquisando sobre o país, querendo conhecer escolas como a Berklee, o Lincoln Center. Estudar nesses lugares sempre foi meu grande sonho. Um sonho que a gente vem correndo atrás há muitos anos. Mas eu digo que ele começa a se concretizar quando a gente realiza outros sonhos.

E como surgiu a oportunidade?

Spok - Foi no Festival de Jazz em Massiac na França. A gente encontrou com um dos curadores que é Wynton Marsalis. Ele foi ao nosso concerto e ficou encantado com o frevo. De lá para cá, a gente já trocou alguns recados e foi amadurecendo a ideia. Entramos em contato com o Lincoln Center, aliado também com o nosso produtor fora do Brasil, que é Fred Gluzman. Com eles conseguimos desenhar uma turnê em que a gente pode dizer que, instrumentalmente falando, talvez seja a primeira vez que o frevo chegue da forma que a gente sempre sonhou.

Spok e Giba bateram papo com o Social1 Spok e Giba bateram papo com o Social1

Como é essa forma?

Giba – O espectador sempre olhou o frevo como folia, como festa e, da forma que a gente vai tocar, em sala de concerto, é bonita demais. Pela primeira, o frevo está sendo apresentado nesse formato, nas principais casas de concerto dos Estados Unidos.

Spok – Nós somos músicos antes de tudo e levamos a música a sério. Então, antes da folia, antes da poesia, do passista, do Carnaval, acima de qualquer coisa, somos músicos e sempre sonhávamos com isso. A forma é a instrumental. Não que eu não me sentisse absolutamente feliz em estar levando para lá o frevo folia, com passistas, cantores... A festa em si, mas tenho que ser sincero: o sonho é um pouco maior. Fazer essa mesma música numa sala de concerto, para as pessoas ficarem em silêncio absoluto, ouvindo o que a gente está tocando e levando em consideração que o público é de apreciadores e pesquisadores do mundo, tem sabor muito especial. É sensacional poder vivenciar isso dentro do universo instrumental que é o que nos interessa hoje. Poder chegar nos Estados Unidos pela porta da frente é um sonho realizado.

Que apresentação mais marcou a orquestra?

Spok - A gente foi tocar em São Paulo com esse trabalho e foi um passista com sombrinha e tudo. No meio da apresentação ,ele subiu no palco e começou a pular. Só que no arranjo da gente, íamos parar no meio de uma determinada música e fazer uma cadência, um solo, que não é comum no Carnaval e na rua. Quando ele subiu, eu não tinha mais como reverter e mandei seguir. Ele lá rindo, feliz da vida, dançando e a orquestra parou 15 segundos depois. Ele me olhou como quem diz: tu parasse mesmo? E o solista começou. Eu queria reverter para que ele dançasse, mas não tinha como. E as pessoas da frente fizeram sinal de silêncio e pediram para ele sair do palco. O dançarino desarmou a sombrinha e saiu do palco. Foi o momento mais triste da minha vida linkado ao mais feliz porque quando ele desceu a escada vi que era isso mesmo, a música estava andando sozinha, independente do passo, da folia. Nesse dia, a gente viu que o sonho da gente estava realizado, porque tinha uma plateia querendo ver aquilo que a gente estava querendo apresentar.

E aqui no Recife, berço do frevo, como tem sido essa receptividade?

Spok - Está cada vez melhor. Mestres que nos criticavam, que gritavam “sai que chegaram os americanos”, hoje em dia, nos respeitam, enxergam nossa qualidade musical. E a gente faz isso no Carnaval.

Giba - Nós ousamos no Marco Zero no dia de Carnaval e Spok disse: “vamos mostrar o instrumental, sentadinhos aqui. Vamos mostrar o que a gente faz fora da folia”. Os músicos acharam que íamos levar vaias e bananas. Nós fizemos uma apresentação para um público todo fantasiado. Foram 40 minutos de respeito, de alegria e sem nenhuma dispersão.

 Vocês acham que falta incentivo e políticas públicas para que o pernambucano aprecie o frevo também fora do Carnaval?

Spok - Para mim é escola. Meu filho mais novo tem 7 anos. Nilinho conhece tudo de frevo. Ele gosta, vai para o Carnaval, conhece as melodias, os arranjos. Ele só conhece tudo porque minha casa no que se diz respeito à musica pernambucana é uma escola. Eu vejo várias crianças, infelizmente ainda, brincando o Carnaval, fantasiadas cantando, mas porque, acredito eu, ali naquele bloco, deve ter uma tia, a mãe. Não tem como você gostar do que você não é apresentado todo dia. Acho que a escola resolveria dando opção

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Como é viver de música em Pernambuco? É possível?

Giba - Eu vivo exclusivamente de música. Não faço outra coisa desde os 14 anos. Meu emprego formal é na Banda Sinfônica Cidade do Recife, sou sócio de Spok na Orquestra e toco com artistas, participo de gravações e estou no mercado como instrumentista. Eu vivo exclusivamente de música e educo os meus filhos com a minha música.

Spok – É possível sim. Também tem que acreditar e levar muito a sério. E a seriedade leva a possíveis janelas que lhe ajudam cada vez mais a produzir coisas. Aliás, é possível viver de frevo.

 E o que a Orquestra prepara de novo? Algum novo CD em vista?

Spok - No final desse ano a gente entra em estúdio para gravar o próximo CD que é um projeto que foi aprovado pela Petrobrás e que reúne sanfoneiros do Brasil, grandes compositores que foram influenciados por Luiz Gonzaga, Dominguinhos, e que passaram a compor frevo. O nome desse trabalho será Frevo Sanfonado, em homenagem a Sivuca, que era um grande compositor de frevo e fez o ultimo Carnaval da vida dele com a gente, no Recife, no Marco Zero.

https://youtu.be/tfHLA3GwA18

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