Paulo Bruscky em preto e branco

Mirella Martins
Mirella Martins
Publicado em 13/03/2014 às 16:05
brusky-abertura-felipe-ribe FOTO:

brusky-abertura-felipe-ribe Paulo Bruscky em preto e branco (Fotos: Felipe Ribeiro / JC Imagem)

Paulo Bruscky ficou conhecido nos anos 70 por suas intervenções artísticas pelo Recife - é dele o funeral da arte em pleno canal da cidade - e pelo teor crítico das suas obras durante a ditadura militar. Assim como as artimanhas utilizadas para burlar o regime. O pernambucano lançou, nesta quinta feira (13), o catálogo da sua mais recente mostra na capital pernambucana, Foto/Linguagem, em exposição desde novembro na galeria Amparo 60.

Diferentemente de seus trabalhos mais conhecidos, o conjunto de obras que formam a mostra abordam uma faceta pouco conhecida de Bruscky, a fotografia. Durante uma tarde, Bruscky abriu o seu ateliê para a equipe do Social1, posou para as lentes de Felipe Ribeiro e abriu o verbo sobre sua obra, inspiração e a relação com o formato do novo trabalho.

felipe-ribeiro-paulo-brusckysocial-1-50 O artista possui uma relação íntima com a fotografia

"Meu pai era um fotógrafo convencional, eu acho que não tem uma família com mais fotos que a gente. Quando pequeno, eu ia pro ateliê e ampliava fotos 3x4 em preto e branco, na época não havia colorido. Então, desde cedo, criei esse hábito. Nós já tinhamos em casa uma câmera tipo polaroid russa. Eu ficava surpreso como uma foto saia na mesma hora. E quando ia fazer fotos longe, em outras cidades, uma viagem por exemplo, eu levava a polaroid e a analógica. Eu fazia na polaroid e já sabia como ia sair a foto", explica. A inspiração foi tanta que ele dedica o catálogo ao pai: "não sei se ele me ensinou a guardar as lembranças das imagens ou as imagens da lembrança".

Por lidar desde cedo com a fotografia, Bruscky conta que sempre fez registro das suas ações. "Eu faço foto documental também, mas principalmente a foto como obra, a foto linguagem. São coisas que você vê que nunca mais lhe surgem", explica. Segundo ele, esse hábito tem facilitado a criação dos livros sobre a sua obra. "A fotografia pra mim é uma trabalho que me serve como obra e como base para várias coisas. Eu estou sempre andando com a máquina; o bom fotógrafo é aquele que está sempre com ela. E graças à fotografia eu dominei a xerox, o fax e a radiografia que sempre estiveram presentes em meu trabalho", conta.

Durante a censura militar, Bruscky utilizou a radiografia para representar o nu Durante a censura militar, Bruscky utilizou a radiografia para representar o nu

Admirador e pesquisador da fotografia, Paulo mantém consigo um verdadeiro acervo. "Tenho uma documentação grande, pesquisei muito sobre a fotografia em Pernambuco. Tenho um acervo de cerca de cem fotos de antes de 1900, e de todo o País. Também tenho um acervo fotográfico razoável de outros fotógrafos contemporâneos de Pernambuco", afirma.

No catálogo, ele trata sobre a sua trajetória fotográfica, desde os trabalhos com os lambe-lambe, nos anos 70, em referência aos desaparecidos políticos da ditadura - já que a imagem também desaparece com o tempo neste tipo de fotografia -, até as suas mais recentes atividades. "Nele tem fotos que não estão na exposição, muita coisa inédita, muitas fotos feitas no exterior, em minhas passagens por Nova Iorque, México, Amsterdan, Londres, Copenhague, Colômbia e muita coisa daqui", revela.

felipe-ribeiro-paulo-brusckysocial-1-55 Suas primeiras obras no formato denunciavam os abusos da ditadura

Segundo ele, o objetivo, tanto da exposição quanto do catálogo, é mostrar como as pessoas, e não só os artistas, podem explorar, diversificar e pesquisar no campo da fotografia. "A gente chamava de foto-linguagem, essa foto que não é documental. Não é invenção minha, é um nome que os artistas contemporâneos usavam e eu achei genial, por isso eu dei o título 'Foto/Linguagem', porque engloba tudo que o artista faz".

Apesar de ser uma vertente menos conhecida de sua obra, esta não é a primeira vez que ele apresenta a fotografia como instrumento da linguagem. Ele já realizou duas exposições no MAMAM e uma fotoinstalação na galeria Pierre Verger, em Salvador, com fotos da cidade. Também publicou um texto sobre a fotografia como arte no livro Arte e Multimeios. "Eu não sou crítico, mas Cristiana Tejo [organizadora do livro] insistiu. Acabou sendo aprovado pelo Funcultura e hoje está aí. Agora é que estão começando a respeitar a fotografia, mas não há um respeito com o fotógrafo e com os créditos. Vejo sempre assim: Reprodução, sem o crédito do fotógrafo", afirma.

brusky-2pb-felipe-ribeiro "A falta de respeito pelo fotógrafo no Brasil é gritante e a omissão é total", afirma em Arte e Multimeios.

TRAJETÓRIA - O artista acumula diversas passagens por grandes exposições, como três Bienais de São Paulo, sendo uma com sala especial, levando todo o seu ateliê; Bienal de Havana, sendo o único brasileiro com sala especial; Bienal de Londres, entres outras. Mas garante que esse reconhecimento não mudou a forma de ver seu trabalho. "É claro que é bom porque hoje eu estou nas coleções dos grandes museus do mundo. Mas, para mim, não muda nada, a minha vida é a mesma coisa. Eu nunca tive ansiedade. Eu acho que o que mata muitos artistas jovens hoje é a ansiedade por reconhecimento, por mercado de arte, por fama", pondera.

Bruscky afirma ainda ter tido, desde sempre, consciência das dificuldades de seu trabalho. "Eu sempre soube que era de difícil assimilação. A turma até não gosta de mim por eu criticar muita coisa. Por isso foi muito rechaçada [a obra], por ter esse teor crítico e irônico que está sempre presente. Fui preso três vezes, porque sempre peguei pesado. Nunca tive medo, sempre digo: no dia que tiver medo, censura ou autocensura, não saio de casa. Eu me mato".

DSC_4230 BRUSCKY "No dia que tiver medo, censura ou autocensura, não saio de casa. Eu me mato."

Sobre o futuro, afirma ter muitas ideias guardadas. "Tenho um livro que chamo de Banco de Ideias e guardo tudo que anoto. Se tivesse três vidas, não poderia realizar o que tenho elaborado. Mas Santos Dumont já dizia: 'tudo o que um homem pensar, outros poderão realizar'."

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