Remédio combate doença rara que deforma órgãos

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 16/06/2018 às 10:28
O médico e pesquisador Guillaume Canaud, do INSERM (AFP PHOTO / ALAIN JOCARD)
O médico e pesquisador Guillaume Canaud, do INSERM (AFP PHOTO / ALAIN JOCARD) FOTO: O médico e pesquisador Guillaume Canaud, do INSERM (AFP PHOTO / ALAIN JOCARD)

A descoberta ilustra como um mal que se diagnostica logo após o nascimento e que era um mistério até os progressos recentes pode receber tratamento adequado.

A Síndrome de Cloves (acrônimo em inglês de crescimento lipomatoso congênito, malformações vasculares e nevo epidérmico) é uma condição que causa o crescimento desenfreado de certas partes do corpo.

Para Emmanuel, engenheiro aeronáutico de 29 anos, essa síndrome se manifesta por uma atrofia na perna esquerda, uma escoliose e malformações de vasos que o levaram a ficar paraplégico. Ele é denominado "paciente 1" no artigo da revista Nature que chegou às bancas nesta quarta-feira e descreve a descoberta.

Foi apenas em 2012 que os geneticistas americanos descobriram a mutação responsável por essa síndrome, em um gene chamado PIK3CA. O nefrologista Guillaume Canaud, pesquisador do Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica (Inserm) e da Universidade Paris-Descartes, fez parte da equipe médica que pesquisava um tratamento.

Cloe (D), de 17 anos, CLOVES syndrome, portadora da Síndrome de Cloves, e sua mãe Florence, no Hospital Necker-Enfants Malades, em Paris (AFP PHOTO / ALAIN JOCARD)

- Autorização excepcional -

"Eu achei  que poderia haver uma droga que bloqueasse os efeitos da mutação PIK3CA", disse aos jornalistas. Ele trabalhou com vários medicamentos em fase experimental. O mais avançado dos "inibidores específicos" do gene foi o BYL719, do laboratório suíço Novartis.

"Eles começaram um teste de oncologia. Entrei em contato com eles e expliquei que queria testá-lo em outros pacientes. E, depois de muita discussão, concordaram", lembra Canaud.

Em dezembro de 2015, a Agência Francesa de Medicamentos (ANSM) deu sua autorização para tratar Emmanuel com esse medicamento não aprovado em um hospital de Paris.

A autorização foi excepcional porque o paciente não tinha outra escolha: seu estado havia piorado, com um coração comprimido por um tumor não cancerígena. Ele não tinha mais condições de passar por cirurgias e lhe restavam poucos meses de vida.

"Logo vimos que havia funcionado", afirmou Canaud. "Ele nos disse o que todos os outros pacientes disseram: que sentia muito menos dor, que algo estava acontecendo".

As fotos tiradas pelo médico mostram transformações dramáticas. Corpos martirizados por massas vasculares e excrescências (pés ou braços inchados, deformações enormes) readquiriram uma forma mais saudável.

Atualmente, 19 pacientes seguem esse tratamento. A mais jovem tem 4 anos.

- Dores atrozes -

Paul (nome alterado), estudante universitário em Yvelines e nascido com esta doença genética, acordou certa manhã em outubro de 2016 sem conseguir levantar. Sentia dores atrozes, que tomaram toda a perna, os rins e o quadril. Nem a morfina fazia efeito.

"Eu comecei a ser tratado em março de 2017, e 15 dias depois estava muito melhor", conta ele. O tratamento permitiu que ele voltasse a ter uma vida normal.

Segundo os médicos, o tratamento apresenta duas grandes vantagens: é simples (um comprimido matinal) e sem efeitos colaterais por ora constatados.