Redes sociais em pé de guerra contra a apropriação cultural

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 11/04/2018 às 10:08
Isle of Dogs (2018)
Isle of Dogs (2018) FOTO: Isle of Dogs (2018)

O cineasta Wes Anderson foi questionado por sua visão fantasiosa do Japão em "Isle of Dogs" ou o cantor Bruno Mars acusado de roubar a cultura negra... O conceito de "apropriação cultural" é um tema delicado nas redes sociais e deixa sob pressão muitos artistas e marcas.

É preciso detectar nisso uma tendência do politicamente correto ou uma reivindicação mais legítima?

Não se passa uma semana sem que haja uma polêmica em torno de apropriações culturais: turbantes usados ??por modelos da Gucci, denunciados pela comunidade sikh, ao álbum dos Rolling Stones em homenagem ao blues, passando pelos adornos de cabeça indianos nos desfiles da Victoria's Secret.

Todos foram reprovados por se apropriar de uma cultura que não é deles, sem autorização e negligenciando a dimensão às vezes simbólica das coisas. O assunto tornou-se tão sensível que muitos artistas questionados por apropriação cultural optam por um pedido público de desculpas.

Em uma entrevista recente, a cantora Katy Perry desculpou-se por ter usado tranças africanas em um clipe, antes de lamentar seus "privilégios de branco" ante um representante do movimento "Black Lives Matter". Uma situação impensável há poucos anos, quando astros pop não hesitavam em multiplicar as "homenagens", sem provocar controvérsia.

"Os romanos copiaram os gregos e as sociedades em todo o mundo sempre se inspiraram uma nas outras. E não há nada de errado com isso", estima o antropólogo George Nicholas, da Universidade Simon Fraser, no Canadá.

Capitol Records

- Equilíbrio de forças -

O que é problemático para este arqueólogo de formação é a mercantilização de especificidades culturais dos ameríndios e outras comunidades indígenas, ameaçando sua autenticidade e modo de vida.

Nascido nos anos 90 no meio acadêmico, o conceito anglo-saxão de apropriação cultural deriva do pensamento pós-colonialista. Ele se espalhou com as redes sociais, que acentuaram sua dimensão reivindicativa. A apropriação cultural rima com uma demanda de reparação e faz parte de um equilíbrio de poder entre cultura dominante (principalmente branca) e cultura minoritária.

"Os povos indígenas ou grupos minoritários denunciam aqueles que se atribuem elementos estranhos a sua cultura, sem ter pago o custo social e histórico", resume a etnóloga francesa Monique Jeudy-Ballini.

Quando a comunidade negra denuncia artistas que tomam emprestado a cultura afro-americana, aponta para a baixa presença de modelos negras nas passarelas. Quando os aborígines se indignam com a comercialização de um bumerangue pela Chanel, recordam que sua cultura há muito tem sido denegrida.

O perigo deste debate: a guetização, com artistas proibidos de tratar de uma outra cultura. A cineasta Kathryn Bigelow foi criticada por seu filme "Detroit" sobre a violência policial contra os negros na década de 1960. "Estou em melhor posição para contar essa história? Certamente não. Mas consegui fazê-lo", respondeu a diretora vencedora do Oscar.

Detroit (2017)

- Criatividade ao invés de cópia -

"Querer que cada cultura, seja ela minoritária ou não, continue uma unidade fechada, recusando qualquer cruzamento, é perigoso", argumenta Monique Jeudy-Ballini, que defende "informação e discussão" face à "proibição estereótipos".

No entanto, nem sempre é fácil distinguir entre apropriação e homenagem. "A chave definitiva para a apropriação cultural positiva não é a cópia servil, mas a criatividade", estima Susan Scafidi, diretora do Fashion Law Institute, uma empresa de consultoria jurídica do setor da moda com sede em Nova York.

Para esta especialista em propriedade intelectual, é necessário questionar a origem de um empréstimo cultural (a comunidade em questão), o significado do empréstimo (é um objeto sagrado?) e as semelhanças entre o original e o objeto que é inspirado por ele. "Os artistas também devem considerar colaborações diretas, inclusive com artesãos tradicionais", diz ela.

Uma linha compartilhada por George Nicholas, autor de um guia para o mundo da moda ("Think before you appropriate") e que aconselha empresas no Canadá fabricantes de roupas infantis e que querem reproduzir estampas indígenas sem ferir as comunidades em causa. "Esse tipo de atitude voluntária sugere que muitas pessoas têm boas intenções, mas nem sempre sabem como fazer", indica.