Físicos aproximam-se da misteriosa antimatéria 'ausente'

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 05/04/2018 às 9:19
O experimento ALPHA da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN). Foto: Maximilien Brice/CERN
O experimento ALPHA da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN). Foto: Maximilien Brice/CERN FOTO: O experimento ALPHA da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN). Foto: Maximilien Brice/CERN

Quando o Universo surgiu, cerca de 13,7 bilhões de anos atrás, o Big Bang gerou partículas de matéria e antimatéria em pares espelhados - segundo a teoria dominante.

No entanto, tudo o que podemos ver no Cosmos hoje, desde o menor inseto da Terra até a maior estrela, é feito de partículas de matéria cujos gêmeos antimatéria estão longe de serem encontrados.

Nesta semana, físicos do gigantesco laboratório de física de partículas da Europa disseram ter dado mais um passo para resolver o mistério através da observação sem precedentes de uma partícula de antimatéria que eles criaram no laboratório - um átomo de "anti-hidrogênio".

"O que estamos procurando é (ver) se o hidrogênio na matéria e o anti-hidrogênio na antimatéria se comportam da mesma maneira", disse Jeffrey Hangst, do experimento ALPHA da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN).

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Encontrar até mesmo a menor diferença pode ajudar a explicar a aparente disparidade matéria-antimatéria e abalar o Modelo Padrão da física - a teoria dominante das partículas fundamentais que compõem o Universo e as forças que o governam. Mas, de forma um tanto decepcionante, o mais recente e "mais preciso teste até hoje" não encontrou diferenças entre o comportamento de um átomo de hidrogênio e o de um anti-hidrogênio. Ainda não.

"Até agora, eles parecem iguais", disse Hangst em um vídeo preparado pelo CERN. O Modelo Padrão, que descreve a composição e o comportamento do Universo visível, não tem explicação para a antimatéria "ausente".

É amplamente aceito que o Big Bang gerou pares de partículas de matéria-antimatéria com a mesma massa, mas cargas elétricas opostas. O problema é que, assim que essas partículas se encontram, elas se aniquilam, deixando para trás nada além de pura energia - o princípio que alimenta naves espaciais imaginárias em "Star Trek".

- Dentro do alcance? -

Os físicos acreditam que a matéria e a antimatéria se encontraram e implodiram pouco depois do Big Bang, o que significa que o Universo hoje não deveria conter nada além de energia residual. No entanto, os cientistas dizem que a matéria, que compõe tudo o que podemos tocar e ver, compreende 4,9% do Universo.

A matéria escura - uma substância misteriosa percebida através de sua atração gravitacional em outros objetos - compõe 26,8% do Cosmos, e a energia escura, os 68,3% restantes. A antimatéria, para todos os efeitos, não existe, exceto por partículas raras e de vida curta, criadas em eventos de alta energia, como os raios cósmicos, ou produzidas no CERN.

Alguns físicos teóricos acreditam que a antimatéria "ausente" pode ser encontrada em regiões até agora desconhecidas do Universo - em antigaláxias compostas de antiestrelas e antiplanetas. No ALPHA, os físicos estão tentando desvendar o mistério usando o mais simples átomo de matéria - o hidrogênio, que tem um único elétron orbitando um único próton.

A equipe cria partículas de espelho de hidrogênio pegando os resíduos de antiprótons das colisões de partículas de alta energia do CERN e ligando-os a pósitrons (gêmeos de elétrons). Os átomos de anti-hidrogênio resultantes são mantidos em uma armadilha magnética para impedir que entrem em contato com a matéria e se autoaniquilem.

A equipe então estuda a reação dos átomos à luz do laser. Átomos de diferentes tipos de matéria absorvem diferentes frequências de luz, e sob a teoria predominante, o hidrogênio e o anti-hidrogênio devem absorver o mesmo tipo.

Até agora, parece que eles fazem isso. Mas a equipe espera que surjam diferenças à medida que o experimento for aperfeiçoado.

"Embora a precisão ainda seja insuficiente para a do hidrogênio comum, o rápido progresso feito pelo ALPHA sugere que a precisão como a do hidrogênio no anti-hidrogênio (medidas)... está agora ao nosso alcance", disse Hangst.