Inteligência artificial aplicada no judiciário é destaque em Las Vegas

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 21/03/2018 às 17:48
Delmar Siqueira, um dos sócios do Urbano Vitalino Advogados; Márcio Saeger, arquiteto de soluções da IBM, e Bruno Souza, advogado e gerente do projeto Carol no Urbano Vitalino Advogados
Delmar Siqueira, um dos sócios do Urbano Vitalino Advogados; Márcio Saeger, arquiteto de soluções da IBM, e Bruno Souza, advogado e gerente do projeto Carol no Urbano Vitalino Advogados FOTO: Delmar Siqueira, um dos sócios do Urbano Vitalino Advogados; Márcio Saeger, arquiteto de soluções da IBM, e Bruno Souza, advogado e gerente do projeto Carol no Urbano Vitalino Advogados

LAS VEGAS - O desenvolvimento da inteligência artificial se deu com o objetivo fundamental de ajudar as pessoas na tomada de decisões. A ideia é que o computador tem uma capacidade maior de calcular riscos e prever resultados - a partir das informações dos seus banco de dados - e assim orientar profissionais e empresas nos caminhos possíveis e suas chances de sucesso.

Em poucos setores, a "tomada de decisões" é um elemento tão crucial quanto no mercado jurídico. Escritórios de advocacia têm em seus banco de dados uma mina de ouro de informações, esperando para ser estruturadas de modo a auxiliar na criação de estratégias a serem usadas nos tribunais.

"Buscar nos bancos de dados das empresas casos semelhantes, para encontrar jurisprudência, é um dos usos mais populares atualmente", explica o vice-presidente de Soluções Cognitivas da IBM para a América Latina, Marco Lauria. "Inteligência artificial é um conjunto: o cliente é o dono da  informação e nós temos a tecnologia de datamining, que é vendida como serviço. Assim, o escritório de advocacia consegue estruturar seu arquivo de processos - que são informações de quando não existia a tecnologia para se organizar isso, e extrair valor deles. E importante: o cliente é o dono dessa propriedade intelectual", completa o executivo.

No Brasil, o escritório pernambucano Urbano Vitalino Advogados é um dos pioneiros no uso de inteligência artificial no mercado jurídico. No final do ano passado, o escritório "empregou" Carol - uma assistente virtual que auxilia os profissionais na análise de dados dos processos, posicionamento de magistrados, precedentes, jurisprudências e decisões judiciais. Carol foi desenvolvida pelo Urbano Vitalino Advogados sobre a plataforma o Watson de computação cognitiva da IBM para negócios.

Delmar Siqueira (Foto: Renato Mota/MundoBit)

“Nesses três meses de uso, tivemos uma redução grande na quantidade de vezes que tivemos que revisar nos documentos. Saímos de uma margem de 75% de precisão na informação - quando era feita por pessoas - para 95%", afirma Delmar Siqueira, um dos sócios do Urbano Vitalino Advogados, que apresentou o case de Carol no IBM Think, evento anual da IBM, em Las Vegas. O escritório espera que em junho Carol possa entrar na sua segunda fase de desenvolvimento, quando passará a fornecer insights para os advogados sobre como construir estratégias para determinados casos, baseada nas informações de processos anteriores.

"Essa mesma lógica pode ser aplicada tanto para casos da mesma natureza quando até para análise de comportamento dos juízes. Através das ferramentas do Watson, o sistema pode traçar o perfil das pessoas e apontar quais são as tendências das suas decisões", explica Lauria, da IBM. "Na terceira fase, que esperamos colocar em prática até o fim do ano, Carol terá tantas informações em seus bancos que ela poderá informar aos nossos clientes qualquer mudanças que saiam do ordinário das atividades deles. Uma mudança repentina no tipo de ação que ele está recebendo, por exemplo, indo para além da análise e entrando na previsibilidade", completa Siqueira.

ÉTICA E JUSTIÇA

Por outro lado, a evolução da aplicação da Inteligência Artificial no judiciário deve ser assistida em diversos aspectos - principalmente para que o processo não seja "desumanizado". A professora e advogada Paloma Saldanha, que trabalha com Direito e Tecnologias da Informação desde 2010, destaca que existe uma diferença da aplicação da tecnologia nas atividades dos advogados, mas que é preciso cuidado quando entra nas funções do magistrado.

"Temos que ter cuidado em relação a inserção da inteligência artificial na tomada de decisão da magistratura tendo em vista o nível subjetividade existente em algumas demandas judiciais e que, talvez, a Inteligência Artificial não consiga, por enquanto, alcançar", acredita a advogada.

Paloma, que está desenvolvendo seu doutorado sobre a aplicação da inteligência artificial no processo de tomada de decisão do magistrado, está nos Estados Unidos a convite do Departamento de Estado dos Estados Unidos para o programa Visitor Leadership Program. "Questões burocráticas, como análise de riscos contratuais baseados em cláusulas fixas, são perfeitamente realizáveis pela Inteligência Artifical.  Hoje, em alguns países, como Estados Unidos, existem protótipos de sistemas eletrônicos que norteiam o julgamento realizado pelas cortes. Não podemos perder o lado humano da coisa", afirma.

Francesca Rossi, líder global em Ética para IA, da IBM (Renato Mota/MundoBit)

Durante o Think, a líder global em Ética para IA, da IBM, Francesca Rossi, também abordou a questão da ética e do preconceito na inteligência artificial. "Se você treina um sistema para identificar rostos só com fotos de pessoas brancas, ele não vai considerar pessoas de outras etnias, por exemplo. Quando comecei a trabalhar com inteligência artificial, há 30 anos, não se pensava no impacto que essa tecnologia teria na sociedade, na cultura", lembra.

Para a especialista, a saída para erradicar o preconceito na inteligência artificial é aplicar conhecimentos multidisciplinares no seu desenvolvimento. "Minha equipe tem filósofos, economistas, sociólogos, advogados e qualquer pessoa que pode ajudar em questões como transparência na tecnologia, para que possa ser mais diverso, inclusivo e representativo", conta Francesca.

*o repórter viajou a convite da IBM