[Crítica] - Tomb Raider: A Origem

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 14/03/2018 às 15:28
Warner Bros./Divulgação
Warner Bros./Divulgação FOTO: Warner Bros./Divulgação

Em tempos de #timesup, #metoo e cada vez mais representatividade na mídia, nada melhor do que trazer de volta para as telonas um ícone do protagonismo feminino nos games - redesenhada para o público moderno, a partir de um reboot bem sucedido na sua nova série de jogos.

Lara Croft está de volta, dessa vez interpretada pela atriz sueca vencedora do Oscar, Alicia Vikander, em Tomb Raider: A Origem, com direção de Roar Uthaug. A própria desenvolvedora dos games, a Square Enix, é uma das produtoras do longa, seguindo o mesmo movimento que a Blizzard fez com Warcraft e a Ubisoft com Assassin's Creed. Tinha tudo para dar certo, não é? Tinha, se o enredo tivesse se mantido mais preso ao que foi apresentado nos games...

Antes de mais nada, vale salientar que essa é uma crítica para quem jogou os jogos, principalmente os dois mais recentes, Tomb Raider (2013) e Rise of the Tomb Raider (2015), dos quais o filme tirou toda inspiração visual, de roteiro e de construção de personagem. Se você não teve nenhuma experiência com esses games, pode ser que vá ao cinema e curta bastante a ação do longa. Mas se você, como eu, zerou e se apaixonou pelos jogo, sairá da sala pensando como tudo poderia ser melhor.

Na minha visão da personagem, duas características se destacam em Lara Croft. A primeira é seu instinto de sobrevivência, que somam à sua coragem e habilidades para torná-la uma das maiores badasses dos games. A segunda é sua curiosidade, sua vontade de explorar, que faz com que ela carregue o legado do seu pai, o falecido Richard Croft, e parta em busca de aventuras e artefatos ao redor do mundo.

Cadê o papai?

Mas tem um lado que Hollywood adora explorar, e já foi um problema nas adaptações anteriores ainda com a Angelina Jolie (Lara Croft: Tomb Raider, de 2001, e sua sequência, Lara Croft: Tomb Raider - A Origem da Vida, de 2003): "daddy issues", como os norte-americanos chamam os problemas decorrentes da pessoa que é abandonada pelo pai, ou não ganha o suficiente da sua atenção.  Ou seja, ou papai é bonzinho e guardou um objeto ou conhecimento muito precioso para que sua filha continue sua missão, ou papai é malvado e guardou um segredo que pode comprometer a heroína. No caso de Tomb Raider, é a primeira opção.

Somos apresentados à uma Lara ainda antes da sua carreira de saqueadora de tumbas. Ela vive em Londres como uma entregadora porque não quer viver da fortuna do pai (vivido por Dominic West), que desapareceu quando ela era ainda adolescente. Assumir a herança seria reconhecer a morte do pai e isso Lara não quer. Até que depois de passar por muitos apertos, ela é convencida pela funcionária de confiança do Lord Richard, Ana Miller (Kristin Scott Thomas) a assinar o documento. 

Lara e sua bike em Londres. Poderia ter ficado na sala de edição (Warner Bros./Divulgação)

No momento da entrega da herança, Lara recebe ainda um objeto que é um quebra-cabeças japonês antigo, com uma mensagem do pai dentro. Ela então descobre um compartimento secreto na mansão que a leva ao lado desconhecido do pai: um aventureiro que passou boa parte da vida em busca de Himiko, a Rainha de Yamatai, que teria poderes sobrenaturais e foi enterrada viva numa ilha na costa japonesa.

Percebendo o chamado da aventura, Lara parte em direção ao desconhecido. E é aí que as tramas divergem - e os problemas começam. Porque no game, Lara vai busca Yamatai pela pura exploração, financiada pela família que descende da própria Himiko, e o faz com uma equipe de especialistas/amigos que irão ajudá-la ao longo da narrativa. No filme, Lara quer encontrar o pai desaparecido, que ela acredita estar vivo ainda, na companhia do chinês Lu Ren (Daniel Wu) que - adivinha? - TAMBÉM PERDEU O PAI NA BUSCA DA TAL ILHA!

E o pior sacrilégio: Lara não acredita nos mitos relacionados à Himiko, e nem se interessa por eles. Todo conhecimento que ela tem vem das anotações do pai. Ela não pesquisa mais nada, tudo lhe é entregue de bandeja. Lara só tem um objetivo durante três quartos do filme, que é salvar o pai, nada mais importa. Essa relação faz com que muito tempo de tela seja desperdiçado com flashbacks da família e cenas dela em Londres tentando provar que não depende da fortuna da família. E, consequentemente, temos menos tempo de Lara explorando sítios arqueológicos e enfrentando os bandidos, que é a essência de Tomb Raider (o próprio nome já diz).

Warner Bros./Divulgação

Mais Hollywood, menos game

O que dá mais raiva é que, tirando essa trama/drama ao redor do pai, o resto do filme é muito bom. Alicia Vikander parece que saiu das telas dos games, está muito confortável como uma mulher durona que, pode não ser tão forte fisicamente quanto seus adversários, mas é mais inteligente e tem mais técnica. As cenas de ação em vários momentos são versões live action do que a gente vê nos jogos, sem tirar nem pôr, inclusive com a Lara se "estabacando" o tempo todo.

Daniel Wu está super genérico como "parceiro" de Lara e claramente foi escalado para que o filme tentasse uma boquinha na China, um dos maiores mercados do mundo e que tem uma "cota" para filmes estrangeiros. O vilão Walton Goggins, vivido por Mathias Vogel, é tão expressivo quanto seus capangas e oferece pouca ameaça à heroína. Para quem jogou os jogos, o filme está cheio de ester-eggs, mas sem as viradas de roteiro que te prendem a atenção por mais de 40 horas.

Com apenas duas cenas de ação grandes - uma perseguição na floresta e uma exploração de tumba com armadilhas - fica a sensação de que se os roteiristas tivessem sido tão fiéis ao material original quanto o pessoal da Arte ou do Elenco foi, teríamos um produto bem melhor no final. Tomb Raider seria um bom filme de ação protagonizado por uma mulher, se nós já não tivéssemos visto Mulher-Maravilha, Atômica ou Mad Max: Estrada da Fúria.