EUA e Microsoft discutem na Justiça fronteiras da internet

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 03/03/2018 às 9:57
Brad Smith, Diretor Jurídico da Microsoft (AFP PHOTO / Olivier Douliery)
Brad Smith, Diretor Jurídico da Microsoft (AFP PHOTO / Olivier Douliery) FOTO: Brad Smith, Diretor Jurídico da Microsoft (AFP PHOTO / Olivier Douliery)

Os Estados Unidos podem obrigar a Microsoft a entregar e-mails armazenados em um servidor situado fora do país? A Suprema Corte americana mostrou-se dividida nesta semana, ao examinar o tema com importantes implicações nas fronteiras da internet.

Tudo começou em 2013, com uma ordem de apreensão para que a gigante da informática entregasse o conteúdo de uma conta de e-mail usada por um suposto narcotraficante. O problema é que a Microsoft, que administra uns 100 centros de armazenamento de dados de 40 países, tinha os dados solicitados guardados na Irlanda.

A Microsoft se negou a cumprir a ordem, argumentando que fazer uma apreensão em um servidor em Dublin era como entrar em uma residência em outro país. A audiência da última terça-feira no máximo tribunal dos Estados Unidos marcou a última rodada de uma batalha judicial de cinco anos, sobre a qual a Suprema Corte deve se pronunciar antes do fim de junho.

Dos nove juízes, os conservadores Samuel Alito e John Roberts se mostraram favoráveis ao governo, enquanto os progressistas Sonia Sotomayor e Stephen Breyer pareceram se inclinar pela Microsoft. O governo de Donald Trump levou a disputa à Suprema Corte depois que a Microsoft obteve sentenças favoráveis em instâncias judiciais menores e na corte de apelações.

A Microsoft insiste em que se os e-mails estão armazenados na Irlanda, a agência federal antidrogas (DEA) não pode forçá-los a entregá-los. "Esse é um ato extraterritorial proibido", disse o advogado da empresa Joshua Rosenkranz, e explicou que a Stored Communications Act (SCA, ou Lei de Comunicações Armazenadas), se aplica a pesquisas nos Estados Unidos.

Mas o advogado do governo, Michael Dreeben, defendeu uma posição diferente, rejeitando a ideia de um "confisco" no exterior.

- "Problemas internacionais" -

A ordem judicial requer que a Microsoft divulgue e-mails sob seu controle, onde quer que esteja, um ato que pode ser feito dos Estados Unidos com um técnico frente ao seu monitor, explicou Dreeben. A lei SCA, argumentou, "se concentra na divulgação, não no armazenamento".

O juiz Alito foi sensível a este argumento, que a Microsoft rebateu. "Estes e-mails têm uma presença física. Estão em um disco rígido. Podem se mover? Sim. Mas as cartas também podem se mover", disse Rosenkranz.

Diante disto, a juíza Sotomayor sugeriu aguardar que o Congresso americano vote a "Cloud Act" (Lei da nuvem), uma norma que renovaria a SCA, aprovada em 1986 e considerada desatualizada. Este debate é acompanhado de perto por duas partes em litígio: de um lado, os partidários do interesse superior das investigações; por outro, as empresas tecnológicas que buscam proteger a vida privada de seus clientes.

Para o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, "centenas ou inclusive milhares de investigações penais" estão em jogo. O caso também aumenta o risco de "criar problemas internacionais" com países zelosos de sua soberania, advertiu a juíza Sotomayor.

- Depois de Snowden -

Segundo a Microsoft, se permitirmos o confisco de e-mails no exterior, nada impede que a polícia estrangeira exija dados armazenados nos Estados Unidos.

As revelações de Edward Snowden contribuíram para dar um protagonismo especial ao debate: o ex-consultor da Agência de Segurança Nacional (NSA) mostrou em 2013 a existência de um sistema de monitoramento global das comunicações e da internet de parte dos Estados Unidos. Desde então, reina a desconfiança entre as autoridades federais e as empresas do Vale do Silício.

"É importante uma vitória neste caso para que a população mundial recupere a confiança nas empresas de tecnologia americanas", disse na semana passada o presidente da Microsoft, Brad Smith.

Entre os grandes grupos que apoiam a Microsoft estão sua arquirrival Apple, as gigantes do varejo on-line Amazon e eBay, os operadores de telecomunicações ATT e Verizon e a gigante da informática HP. A União Europeia (UE), da qual Irlanda faz parte, quis pesar na disputa e enviou um argumento à Suprema Corte, em Washington. Os dados digitais armazenados na Europa estão sob a lei europeia, argumentou.

A Microsoft diz não se opor a entregar os dados, quando solicitados segundo os canais apropriados. E lembrou sua diligência para responder a uma solicitação das autoridades francesas depois do ataque ao semanário Charlie Hebdo, em janeiro de 2015. Ainda mais rápido pôde responder ao ataque de março de 2017, em Westminster, Londres.