Estudo atribui ao neandertal, e não a homo sapiens, primeira arte rupestre

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 25/02/2018 às 9:10
Foto: Heinrich Wendel (© The Wendel Collection, Neanderthal Museum)
Foto: Heinrich Wendel (© The Wendel Collection, Neanderthal Museum) FOTO: Foto: Heinrich Wendel (© The Wendel Collection, Neanderthal Museum)

A mais antiga arte das cavernas conhecida do mundo foi criada por Neandertais mais de 20.000 anos antes dos humanos modernos chegarem à Europa, mostrando que nossos primos extintos eram capazes de pensar simbolicamente como nós, disseram pesquisadores internacionais num relatório publicado na revista Science.

O documento se baseia em novas tecnologias que revelam a idade mais precisa até a data de pinturas rupestres antigas em três sítios arqueológicos na Espanha. "Esta é uma descoberta incrivelmente emocionante que sugere que os neandertais eram muito mais sofisticados do que se acredita popularmente", disse o autor principal, Chris Standish, arqueólogo da Universidade de Southampton.

"Nossos resultados mostram que as pinturas que datamos são, de longe, as mais antigas artes das cavernas conhecidas do mundo". Uma vez que foram criadas há cerca de 64.000 anos - pelo menos 20.000 anos antes dos humanos modernos chegarem na Europa da África - "devem ter sido feitas  pelos neandertais", acrescentou.

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Foto: Heinrich Wendel (© The Wendel Collection, Neanderthal Museum) - Foto: Heinrich Wendel (© The Wendel Collection, Neanderthal Museum)
Foto: Heinrich Wendel (© The Wendel Collection, Neanderthal Museum) - Foto: Heinrich Wendel (© The Wendel Collection, Neanderthal Museum)
Foto: Heinrich Wendel (© The Wendel Collection, Neanderthal Museum) - Foto: Heinrich Wendel (© The Wendel Collection, Neanderthal Museum)
Foto: Heinrich Wendel (© The Wendel Collection, Neanderthal Museum) - Foto: Heinrich Wendel (© The Wendel Collection, Neanderthal Museum)

Usando principalmente pigmentos vermelhos e às vezes pretos, foram retratados grupos de animais, estêncis de mãos, gravuras, pontos, discos e desenhos geométricos nas pinturas rupestres em La Pasiega, no nordeste, Maltravieso, no oeste, e Ardales, no sul da Espanha.

Essas interpretações simbólicas apontam para uma inteligência que anteriormente acreditava-se pertencer exclusivamente aos humanos modernos. "O surgimento da cultura material simbólica representa um limiar fundamental na evolução da humanidade", disse o coautor principal Dirk Hoffmann, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva.

"É um dos principais pilares do que nos torna humanos".

- Novas tecnologias -

Muitas evidências já existem para desmentir o mito de que os neandertais eram brutos, apontando que, em vez disso, eram capazes de impulsos decorativos e rituais, como enterrar seus mortos. Mas as pinturas rupestres eram um dos últimos bastiões que pareciam diferenciar os humanos modernos dos neandertais, que morreram há cerca de 35 mil anos.

"Nos últimos anos vimos estudos que mostraram que os neandertais utilizaram amplamente os objetos ornamentais, estruturas potencialmente construídas e, no geral, pareciam muito mais capazes de processos cognitivos simbólicos do que historicamente foi considerado", disse à AFP Adam Van Arsdale, professor associado de antropologia na Wellesley College.

"Esses resultados sugerem que a pintura em cavernas, além disso, não distingue os neandertais dos humanos modernos", disse Van Arsdale, que não participou do estudo. Ele disse que os resultados refletem "alguns desenvolvimentos técnicos impressionantes em técnicas de datação em contextos de cavernas, questões que sempre representaram um desafio para a compreensão do tempo dos eventos-chaves na evolução humana".

"Como um método novo e tecnicamente desafiador, será bom ver esses resultados replicados por outros", acrescentou.

- Datar sem destruir -

Até agora, descobrir a idade dos desenhos em cavernas sem destruí-los era difícil. A nova abordagem se baseia na obtenção de uma idade mínima para a arte das cavernas "usando a datação por urânio-tório (U-Th) de crostas de carbonato que cobrem os pigmentos", explicou Hoffman.

A técnica de datação U-Th é baseada na decomposição radioativa de isótopos de urânio em tório. Ela pode determinar a idade das formações de carbonato de cálcio que remontam a até 500.000 anos, muito mais do que o método de radiocarbono amplamente utilizado, afirmou o relatório. Foram analisadas mais de 60 pequenas amostras, de menos de 10 miligramas cada, das três cavernas.

Um segundo estudo, também publicado nesta semana por Hoffmann e colegas, determinou a idade de um depósito arqueológico localizado na Cueva de los Aviones, uma caverna no mar no sudeste da Espanha, em 115.000 anos, mais antigo que descobertas similares no sul e norte da África associadas com o Homo Sapiens.

"Esta caverna continha conchas perfuradas, pigmentos vermelhos e amarelos e recipientes de conchas contendo misturas complexas de pigmentos", afirmou o relatório.  A datação mostra que eles vieram de uma época em que os neandertais viviam no oeste da Europa.

"De acordo com os nossos novos dados, os neandertais e os humanos modernos compartilhavam o pensamento simbólico e devem ter sido cognitivamente indistinguíveis", afirmou Joao Zilhao, pesquisador da Instituição Catalã de Pesquisa e Estudos Avançados em Barcelona, ??envolvido em ambos os estudos.

Estudos futuros poderiam revelar muito mais cavernas onde a arte provavelmente era realizada por Neandertais, disse o coautor do estudo Paul Pettitt, da Universidade de Durham.

"Nós temos exemplos em três cavernas separadas por 700 quilômetros de distância, e evidências de que era uma tradição de longa duração. É bem possível que artes rupestres semelhantes em outras cavernas da Europa Ocidental também tenham origem nos neandertais", disse.

"Os neandertais criaram símbolos significativos em lugares significativos. A arte não é um acidente isolado".