Microscopia crio-eletrônica revela mundo molecular

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 08/10/2017 às 11:29
Cryoem_groel FOTO:

 

A técnica inovadora que recebeu o Prêmio Nobel de Química permitiu que cientistas produzissem imagens extremamente detalhadas das menores estruturas das células usando temperaturas muito baixas.

 

O que é a microscopia crio-eletrônica?

- A técnica -

 

Os cientistas resfriam cuidadosamente amostras preparadas de tecido ou células a temperaturas de cerca de 200 graus Celsius negativos, às vezes menos. Isso se aproxima da temperatura nos vastos abismos entre as estrelas e galáxias no espaço, que rotineiramente cai para menos 270 graus Celsius.

 

Um dos objetivos das amostras congeladas é interromper a atividade das moléculas dentro delas para que os pesquisadores possam tirar instantâneos menos borrados.

 

"Assim como nos velhos tempos, quando as pessoas diziam 'sorria' e todos tinham que ficar imóveis (para uma foto)... essencialmente, isso é o que estamos fazendo ao esfriar as coisas", disse à AFP Andrea Sella, professora de química do University College London.

 

Os cientistas então disparam elétrons na amostra congelada para iluminá-la e revelar seus detalhes em nível atômico. A técnica, abreviada como crio-ME, é considerada um grande avanço na cristalografia de raios X, uma ferramenta crucial para determinar a estrutura de moléculas.

Jacques Dubochet, o cientista suíço que foi um dos ganhadores do Nobel de Química 2017. AFP PHOTO / Fabrice COFFRINI

 

Isso permitiu aos cientistas capturarem a primeira imagem do DNA. Mas o problema é que a técnica exige que as amostras sejam "cristalizadas" antes que elas possam ser atacadas com raios-X para produzir uma imagem. "Cristalizar as proteínas é muito difícil e você não pode fazer isso com todas", disse Sjors Scheres, do Medical Research Council Laboratory of Molecular Biology em Cambridge, Inglaterra.

 

Além disso, a cristalografia exige que os cientistas removam as moléculas de uma célula, alterando assim seu estado natural. A crio-ME, por outro lado, congela uma molécula no tempo e no espaço.

 

A microscopia crio-eletrônica "realmente te dá uma imagem minuciosamente detalhada do interior da maquinaria do nosso mundo, sejam materiais ou células", disse Sella.

- Os usos -

 

Imagens dos mínimos detalhes de células e seu maquinário fornecem aos cientistas as ferramentas para entender os blocos de construção da vida. Ver as estruturas de uma célula, como elas estão ligadas e trabalham juntas, tem implicações importantes para tratar e prevenir doenças que vão do Alzheimer ao Zika.

 

No caso do mal de Alzheimer, a crio-ME revelou a estrutura de uma enzima chamada secretase, que produz uma substância que os cientistas acreditam que contribui para a demência.

 

"É como um mapa", disse John Hardy, professor de biologia molecular da University College London, referindo-se a imagens produzidas por microscopia crio-eletrônica. "Você quer saber para onde direcionar suas bombas... isso nos dá exatamente a estrutura, então sabemos exatamente o que precisamos atacar", acrescentou.

O outro vencedor do Nobel de Química, Dr. Joachim Frank. Foto: Kevin Hagen/Getty Images/AFP

 

O Comitê Nobel de Química observou que a técnica ajudou a preencher revistas científicas com "imagens de tudo, desde proteínas que causam resistência a antibióticos à superfície do vírus Zika". A crio-ME também tem o potencial de capturar momentos-chave na vida de uma célula, como quando esta é atacada por um vírus, fornecendo indícios inestimáveis ??sobre como as infecções invadem organismos.

 

Os cientistas estão esperançosos de que as descobertas mais importantes com a crio-ME ainda estão por vir. "Nada vai mudar para o homem comum amanhã, mas para seus filhos isso com sorte terá levado a uma série de novas curas", disse Scheres.