Negócio de nerd: o crescente mercado da cultura pop

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 09/12/2016 às 8:28
Foto: Carolina Vianna/Divulgação
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Um público consumidor 18 a 34 anos (68%), tem ensino superior completo ou está cursando (65%), tem renda familiar entre 2 e 10 salários mínimos (64%), 91% fazem compras online e o mais importante: são absolutamente apaixonados pelo que consomem e o fazem vorazmente. Esse é o demográfico dos sonhos para qualquer empresa ou segmento. Mas ele é real, para quem trabalha com a chamada cultura pop.

No último fim de semana, São Paulo viu mais de 190 mil pessoas lotarem a Comic Con Experience (CCXP) por quatro dias, com longas filas tanto na entrada quanto nas lojas e estandes. É muita gente, disposta a pagar o preço (algumas vezes alto) pelo produto do seu filme, série, quadrinho ou game favorito – em pleno ambiente de crise econômica. Para esse pessoal, a única “crise” é a Crise nas Infinitas Terras, um gibi clássico da DC Comics dos anos 1980.

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“A CCXP é um exemplo da pujança desse mercado. A gente praticamente dobrou de tamanho desde a primeira edição. Pois é, acima de tudo, um mercado de fato, não é mais só um grupo de fãs”, afirma um dos sócios do evento, Ivan Costa. Os números finais da feira ainda não foram computados, mas levando em consideração a comparação com os números do ano passado – a CCXP passou de 55 mil m² para 100 mil m², e de um público de 142 mil pessoas para 196 mil – não é difícil prever o que vai acontecer com o faturamento, que foi de R$ 15 milhões de 2015.

CCXP teve público recorde: 192 mil pessoas em 4 dias de evento. Foto: Carolina Vianna/Divulgação CCXP teve público recorde: 192 mil pessoas em 4 dias de evento. Foto: Carolina Vianna/Divulgação

Mas para os organizadores, o sucesso do evento vai para além do que as lojas movimentam de dinheiro. “A CCXP é uma grande plataforma para nós mesmos - as empresas que possuímos e que são desse mercado (a feira é organizada pelo Omelete Group, Chiaroscuro Studios e Piziitoys) - mas também para todos aqueles expositores se beneficiam dela, da atenção da mídia, e do consumo que acontece lá dentro. São marcas que querem se conectar com esse público e que damos consultoria estratégica para engajamento”, explica Ivan.

Um exemplo disso foi a Gilette, que montou no seu estande uma barbearia “nerd”. “Tinha uma fila constante de 100 pessoas para cortar o cabelo dentro da CCXP. Tivemos também um estúdio de tatuagem sempre lotado, com muita gente que tatuou os autógrafos que coletou”, lembra o empresário. A Jac Motors deu o prêmio para o vencedor do concurso de cosplays (pessoas que se vestem e interpretam seus personagens favoritos.

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“A CCXP é uma plataforma de comunicação com esse público, de interação. São pessoas que a gente conhece profundamente, então a gente acaba fazendo um papel duplo não só de organizadores do evento mas também de consultores de como interagir com esse público de uma forma legítima, verdadeira e eficiente. Esse publico é muito exigente, e rapidamente descobre aquilo que não é legítimo”, completa.

Evanna Lynch na CCXP. Foto: Daniel Deak/Divulgação Evanna Lynch na CCXP. Foto: Daniel Deak/Divulgação

Os dados do início da matéria são da Geek Power, uma pesquisa realizada pelo Omelete Group em parceria com o Ibope Conecta. Ela revela hábitos de consumo que, por exemplo, não são associados diretamente à esse tipo de público - e por isso acaba saindo do radar das empresas. Por exemplo, o público nerd se preocupa com alimentação saudável (89%), praticam algum tipo de atividade física (53%), e, apesar de 37% já possuírem carro, a bike (22%) está cada vez mais presente.

“É um publico que é economicamente ativo, vão com dinheiro no bolso para comprar as coisas que eles gostam e sem dar satisfação pra ninguém. O gasto médio na feira é de R$ 250, muito mais do que as pessoas gastam no Dia das Mães ou outras datas festivas”, afirma Ivan.

Nessa conta não entra, por exemplo, o gasto das pessoas que vêm de fora da cidade para participar do evento. “No ano passado, metade do público veio de fora de São Paulo (considerando-se um raio de 200 km da capital). Isso significa que são pessoas que provavelmente não iam e voltavam todo dia, então acabavam consumindo alimentação, hospedagem, transporte dentro da cidade. Isso movimenta o turismo e coloca a CCXP no calendário oficial da cidade”.

Foto: Carolina Vianna/Divulgação Foto: Carolina Vianna/Divulgação

CCXP RECIFE

Essa festa nerd irá acontecer, pela primeira vez, no Recife, em abril do ano que vem. A CCXP Tour Nordeste - Edição Recife, será realizada entre os dias 13 e 16, no Centro de Convenções. “Teremos aí praticamente a mesma área da primeira edição em São Paulo (39 mil m²), mas com a vantagem de que o evento já tem uma repercussão muito maior, e um histórico de três edições bem sucedidas”, diz Ivan.

A organização já vem conversando com grandes estúdios e lojas que trabalham com as diferentes verticais da feira (quadrinhos, cinema, séries e colecionáveis) para garantir que as atrações tenham a mesma atratividade para o público do evento nacional.

Mas empresas locais também estão na mira da CCXP. “Algumas marcas que são muito fortes no Nordeste faria muito sentido trazê-las para o evento e, de certa forma, promover e incluir essas marcas junto ao público local. Fizemos várias visitas e reuniões na região pra falar especificamente da proposta do evento e juntos discutir com essas empresas uma forma delas estarem conectadas com esse público”, conta o empresário.

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Uma empresa que faz bem essa conexão – já que nasceu com esse público no alvo – é a fabricante de camisas Piticas. Com 248 lojas em todo País, a marca é uma referência em produtos licenciados. “Morei nos Estados Unidos por dez anos e lá essa cultura pop e o mercado de licenciamento é bem mais maduro do que no Brasil”, lembra Felipe Rossetti, um dos sócios da Piticas. De volta ao Brasil, ele e o irmão Vinicius começaram a colocar em prática a ideia que se tornou a loja. “Pesquisamos e vimos que ninguém fazia isso de forma estruturada, profissional”, conta.

O começo foi difícil para conseguir a autorização de marcas famosas - por causa principalmente da pirataria. “Éramos uma empresa pequena e tivemos muitas propostas rejeitadas. Mas com o tempo mostramos, especialmente para o público, que podíamos entregar um produto diferenciado e autêntico. Os ‘nerds’ prezam muito pelo oficial e não aceita de outra forma”, afirma Felipe. Por mês, a Piticas vende entre 250 mil e 300 mil camisetas, e tem crescido numa velocidade de 40% ao ano.

Para os empresários, a CCXP é uma vitrine. “É o evento do ano, onde a gente consegue contato direto com nosso público”. Em 2016, a Piticas montou um estande enorme na feira, com todos os produtos em exposição além de atividades para quem foi conferir de perto. “Como o custo disso é muito alto, usamos a feira mais para fortalecer a marca. É uma questão estratégica de marketing mesmo”, completa Felipe.

Foto: Carolina Vianna/Divulgação Foto: Carolina Vianna/Divulgação

VISÃO

Outras empresas estão fazendo essa guinada para focar no público que curte a cultura pop e aproveitar para surfar onda dos “nerds” já mirando a CCXP Recife. A Nagem é um desses casos, que além de fornecedora de material de informática e escritório, está investindo cada vez mais em games, produtos licenciados e colecionáveis.

“Antes, estávamos muito focados na visão ‘produto para consumidor’, que é a visão tradicional do mercado – principalmente do mercado brasileiro. A partir do investimento em games, o que foi mostrado para os acionistas é que a visão tem que ser o contrário: tem que partir da visão do consumidor para o produto. Ou seja, o que o consumidor quer comprar, onde quer comprar, como quer compra, quanto ele quer pagar e como ele quer receber”, explica gerente de games da Nagem, Fernando Freitas.

O piloto dessa nova estratégia foi durante a Brasil Game Show, que aconteceu em setembro, em São Paulo. “Ficamos responsáveis pela loja da Playstation na feira e fizemos um acordo para vender produtos licenciados durante cinco dias. O estoque foi vendido no primeiro dia. Fizemos então uma reposição e não conseguimos vender ainda mais pois o estoque do fornecedor acabou zerado”, lembra Fernando. A partir daí a empresa passou a estudar não só vender o que ela tinha se epecializado ao longo dos anos – produtos de tecnologia – mas também artigos correlacionados, ou seja, itens que o consumidor de tecnologia gosta. “Foi uma quebra de paradigma”, completa o gerente.

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Para que essa mudança pudesse ser certeira, foi preciso estudar o público. “O que eventos como a CCXP mostram de forma clara é que, esse público quer uma experiência mais do que uma compra. As pessoas não se importam em saber o que elas compraram, mas sim o quão maravilhoso foi o fim de semana delas”, afirma Fernando.

Essa filosofia mudou não só o setor de games mas toda estrutura das lojas. “O tipo de atendimento e a exposição de outros produtos como smartphones, computadores e impressoras. Estamos mudando nossa linguagem. Esse público é extremamente entendido dos produtos que quer comprar. Ele não quer um vendedor, mas sim um amigo, com quem ele compartilha a mesma paixão”, avalia o gerente.

E por se tratar de uma paixão, o consumidor está disposto a pagar o “preço da paixão”, segundo Fernando. “Paixão não tem custo, tem valor. Então, se a pessoa encontrar o produto certo, tendo em vista que é algo com a qual ele está envolvido, ela estará disposta a pagar valores que não são baixos. É um público que preza pela exclusividade, pela qualidade”, conclui.

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