Ondas gravitacionais previstas por Einstein há 101 anos são finalmente detectadas

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 11/02/2016 às 13:59
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Em um marco para a física e a astronomia, cientistas de vários países anunciaram nesta quinta-feira ter detectado de forma direta as ondas gravitacionais, ondulações do espaço-tempo que foram previstas por Albert Einstein em 1915.

"Este passo marca o nascimento de um domínio inteiramente novo da astrofísica, comparável ao momento em que Galileu apontou pela primeira vez seu telescópio ao céu" no século XVII, disse France Cordova, diretora da Fundação Nacional Americana de Ciências (National Science Foundation), que financia o laboratório Ligo.

Dois buracos-negros se chocaram há 1,3 bilhão de anos. O cataclismo lançou estas ondas em todas as direções até que chegaram à Terra no dia 14 de setembro, onde foram captadas por instrumentos instalados nos Estados Unidos, informaram cientistas durante uma coletiva de imprensa em Washington.

Esta descoberta foi feita em colaboração com equipes de investigação europeias, especialmente pesquisadores do Centro Nacional Francês de Pesquisa Científica (CNRS), da equipe Virgo.  "Este novo olhar sobre a vastidão celeste vai aprofundar nossa compreensão do cosmos e levar a descobertas inesperadas", disse Cordova.

As ondas gravitacionais são produzidas por perturbações na trama do espaço-tempo pelos efeitos do deslocamento de um objeto de grande massa. Estas perturbações se deslocam na velocidade da luz em forma de ondas e nada as detêm.

Este fenômeno, previsto por Einstein há um século, costuma ser representado como a deformação que ocorre quando um peso repousa sobre uma rede. Neste caso, a rede representa no tecido do espaço-tempo.

O físico Benoît Mours, do CNRS, considerou que a descoberta é histórica porque permite "verificar de forma direta uma das previsões da teoria geral da relatividade".  Por esta descoberta, os físicos determinaram que as ondas gravitacionais detectadas em setembro nasceram na última fração de segundo antes da fusão de dois buracos negros, objetos celestes ainda misteriosos que resultam do colapso gravitacional de estrelas gigantes.

A possibilidade de uma colisão entre esses corpos havia sido prevista por Einstein, mas o fenômeno nunca tinha sido observado. De acordo com a teoria geral da relatividade, um par de buracos negros em que cada um orbita em torno do outro perde energia, produzindo ondas gravitacionais. São essas ondas que foram detectados em 14 de setembro do ano passado, exatamente às 13h51 (de Brasília).

A análise dos dados nos permitiu determinar que estes dois buracos negros se fundiram cerca de 1,3 bilhões de anos atrás. Cada um deles tinha um tamanho entre 29 e 36 vezes maior do que o Sol.

A comparação dos momentos de chegada das ondas gravitacionais aos dois detectores Ligo (7,1 milissegundos de diferença) distantes 3.000 quilômetros um do outro, e o estudo das características dos sinais medidos, confirmaram a detecção. Os cientistas sugerem que a fonte das ondas esteve provavelmente no hemisfério sul do céu, mas um número maior de detectores teria permitido estabelecer uma localização mais precisa.

"As ondas gravitacionais podem ser ainda mais revolucionárias do que foi o telescópio, porque são diferentes das fontes de luz", explicou o astrofísico David Shoemaker, responsável pelo Ligo no Instituto de Tecnologia de Massachussetts (MIT). "Esta descoberta gera entusiasmo para a física e é muito promissora para a astrofísica e a astronomia".

Assim, será possível obter sinais de diferentes corpos de grande massa, como buracos negros e estrelas de nêutrons, segundo disse à AFP.  "As primeiras aplicações que vemos agora são para os buracos negros, porque não emitem luz e não poderíamos vê-los sem as ondas gravitacionais", destacou, afirmando que por enquanto ainda não se sabe como estes objetos, presentes no centro de quase todas as galáxias, crescem.

Portanto, "as ondas gravitacionais podem ajudar a explicar a formação das galáxias", apontou Shoemaker. "A humanidade tem agora outra ferramenta para explorar o Universo", comemorou Tuck Stebbins, chefe do laboratório de astrofísica gravitacional do centro Goddard, da Nasa. "A gravidade é a força que controla o Universo e o fato de poder ver suas radiações nos permite observar os fenômenos mais violentos e fundamentais do cosmos, que de outra maneira seriam impossíveis de observar", disse Stebbins à AFP.

Ser capaz de detectar essas ondas que viajam sem perturbação por milhões de anos torna possível voltar para o primeiro milissegundo do chamado Big Bang.  Uma prova indireta da existência de ondas gravitacionais foi produzida pela descoberta, em 1974, de um pulsar e uma estrela de nêutrons que giravam uma em torno da outra em alta velocidade. Russell Hulse e Joseph Taylor ganharam o Prêmio Nobel de Física em 1993 por este feito.

Esses dois dispositivos, que medem cerca de quatro quilômetros de comprimento, são separados por 3.000 quilômetros: um está localizado em Livingston, no estado da Louisiana, no sul dos Estados Unidos, e outro em Hanford, no estado de Washington, no noroeste do país.

Ambos são equipados com interferômetros gigantes a laser, que permitem medições extremamente precisas das interferências de ondas.  A equipe de cientistas responsável pelo Ligo trabalha em estreita colaboração com os pesquisadores do detector franco-italiano Virgo, situado perto de Pisa, na Itália, e que deverá estar plenamente operacional no final deste ano.

A descoberta das ondas gravitacionais foi publicada na revista americana Physical Review Letters.