WhatsApp já descumpriu outras decisões e ainda deve R$ 12,7 milhões à Justiça

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 18/12/2015 às 12:02

Reprodução. Reprodução.

O WhatsApp deve R$ 12,7 milhões à Justiça brasileira. A empresa nunca pagou a dívida, que segue em aberto. As informações foram divulgadas pelo Jornal Nacional, da TV Globo, após a polêmica do bloqueio do aplicativo no Brasil. O app possui histórico em descumprir decisões judiciais para informar dados sobre atividades criminosas de usuários.

O app foi bloqueado em todo o Brasil na noite de quarta (16) por determinação de uma juíza da 1ª Vara da Justiça de São Bernardo do Campo em uma ação criminal que ainda corre em segredo de justiça. A decisão foi revertida por um desembargador do Piauí na tarde dessa quinta e o aplicativo voltou a funcionar.

Em informações obtidas com a polícia, o JN revelou que o WhatsApp se recusou a fornecer dados sobre criminosos envolvidos com roubos, tráfico e outros crimes. Como descumpriu duas ordens judiciais, foi obrigado a pagar uma multa que já chega a R$ 12,7 milhões - ainda em aberto.

Segundo o site ConJur, a investigação envolve uma facção criminosa que age em presídios de São Paulo. Os investigadores identificaram três suspeitos que se comunicavam pelo WhatsApp para armar atos criminosos como latrocínio, tráfico de drogas, além de envolvimento com o Primeiro Comando da Capital.

Pelo Facebook, o cofundador Mark Zuckerberg, que comprou o WhatsApp este ano por US$ 22 bilhões, comemorou o fim do bloqueio. Um dia antes ele fez um post dizendo que era "um dia triste para o Brasil". Em seguida, editou esse comentário retirando menções ao Governo brasileiro. Facebook e o Planalto assinaram um acordo de cooperação para levar conexão gratuita dentro do projeto Internet.org, comandado pelo Facebook.

“Esperamos que a justiça brasileira reverta rapidamente essa decisão. Se você é brasileiro, por favor faça sua voz ser ouvida e ajude seu governo a refletir a vontade do povo”, escreveu Zuckerberg, na primeira versão. Depois, ficou assim: “Esperamos que a justiça brasileira reverta rapidamente essa decisão. Se você é brasileiro, por favor faça sua voz ser ouvida”.

Zuckerberg criticou o governo brasileiro e depois voltou atrás. AFP) Zuckerberg criticou o governo brasileiro e depois voltou atrás. AFP)

Falta de transparência

O WhatsApp tem cerca de 100 milhões de usuários no Brasil. É razoável que muitos vejam como "desproporcional" a medida tomada pela juíza de primeira instância em bloquear o aplicativo. Dessa forma, milhões foram atingidos e tiveram a liberdade cerceada por conta da decisão. No entanto, é também a questão de se perguntar o fato de uma empresa norte-americana com uma atuação tão relevante ao Brasil não tenha obedecido uma decisão da Justiça brasileira.

Não é a primeira vez que o WhatsApp se recusa a fornecer informações de atividades criminosas de seus usuários. Em fevereiro o desembargador do Tribunal de Justiça do Piauí, Raimundo Nonato da Costa, cassou uma liminar que bloqueava o aplicativo como punição por descumprir uma decisão que pedia conteúdo de mensagens pessoais em uma investigação sobre pedofilia.

Em entrevista à BBC, o desembargador que cassou a decisão disse que WhatsApp têm que cumprir as leis brasileira. "Os magistrados estão apenas fazendo seu trabalho, tentando buscar meios legais para que as autoridades realizem suas investigações. É preciso que o público entenda o que está acontecendo. As empresas de telefonia no Brasil também deveriam participar de um debate", disse.

https://twitter.com/ladyrasta/status/677445794715336704

O advogado Leonardo Serra de Almeida disse em seu perfil no Facebook que a empresa de Zuckerberg se mostra inacessível à Justiça. “Sabem o que o Facebook Brasil diz em todos os seus processos? Que eles não são donos do site Facebook. Que o Facebook é uma empresa que fica na Irlanda e que se alguém aqui no Brasil tiver que processar, terá que fazê-lo na Irlanda, pois o Facebook Brasil não tem nada a ver com isto”. Ele continua: “[O escritório] Tem nome de Facebook, tem cor de Facebook, tem cheiro de Facebook, tem sócios de Facebook, mas não é... Facebook. Parece escárnio. E é”.

A atitude de bloquear um aplicativo para todo o País parece uma atitude inócua, mas a internet trouxe uma nova realidade que deixa a Justiça - e não só a brasileira - em uma situação complicada. Isso porque um site ou app pode estar hospedado em um país específico e ter atuação em qualquer parte do globo. Seria necessário entrar com processos em diferentes cortes para conseguir algum resultado. O Marco Civil, apesar de ser uma das legislações mais avançadas em termos de acesso e direitos do usuário, não consegue lidar com casos complexos envolvendo a internet.

Órgãos de defesa como a Proteste e alguns nomes importantes como Ronaldo Lemos, Diretor do Instituto de Tecnologia do Rio de Janeiro, disse que bloquear o WhatsApp é contra o Marco Civil e a Constituição. Ele diz que interpretar o artigo 12 do Marco para bloquear apps é bastante perigoso. "Em momento algum o artigo 12 lista entre as sanções ao descumprimento de ordens judiciais de requisição de dados a retirada do app do ar. Pior, na minha opinião a decisão também é inconstitucional, por ser uma espécie de censura", disse ele ao IGDNow.

Para Lemos existem outras medidas para obtenção desses dados, como tratados de cooperação internacionais, sem precisar atingir tantas outras pessoas como efeito colateral.

https://twitter.com/lemos_ronaldo/status/677310223644811264