Programa de lançamento de satélites do Brasil está em vias de um colapso

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 30/05/2015 às 10:22

Foto: Divulgação. Foto: Divulgação.

Um dos mais emblemáticos programas de desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil, a construção do Veículo Lançador de Satélite (VLS), está em vias de um colapso.

Em audiência pública na última terça (26) na Câmara dos Deputados, o vice-diretor do Departamento de Ciência e Tecnologia da Aeronáutica (DCTA), Wander Golfetto, afirmou que o programa pode não ser completado por falta de verba, recursos humanos qualificados e dificuldades tecnológicas.

Números apresentados pelo DCTA apontam uma descontinuidade de recursos para o VLS, previstos no Programa Nacional de Atividades Espaciais (Pnae), documento orientador de investimentos da área. No total, o programa deveria receber cerca de R$ 155 milhões. No entanto, até o momento, foram executados R$ 108 milhões.

A previsão inicial era de que o veículo estaria completamente finalizado este ano. Agora, no entanto, a expectativa mudou. Hoje, o planejamento é para testar parte do foguete no fim de 2016. “Temos o veículo todo reprojetado. Estamos trabalhando em um lançamento de um voo tecnológico, que visa testar a parte baixa do VLS, onde tivemos algumas dificuldades no acendimento do segundo estágio e na separação dos estágios. A análise servirá também para avaliar o sistema de navegação inercial que foi desenvolvido dentro do DCTA. Ele é baseado em fibra óptica. Já foi testado em aviões, no solo, agora precisamos fazer um voo espacial para certificar este veículo”, explicou Golfetto.

O passo seguinte, que serviria para fazer com que o VLS colocasse um satélite em órbita está impossibilitado. Além da falta de recursos, existem dificuldades técnicas no desenvolvimento de componentes para completar o foguete. Há também um grave problema de escassez de mão de obra, que pode inclusive atrapalhar outros projetos mobilizadores.

“Se não houver reposição do quadro, em 2020, o DCTA terá uma redução de 44% da sua equipe em relação a 2011, em virtude do processo de aposentadoria. Há pouco tempo, foi autorizado concurso e pudemos contratar mais de 200 profissionais. No entanto, isto está aquém do necessário”, alertou o vice-diretor.

Mudança - As dificuldades para dar continuidade ao programa do VLS fizeram as autoridades mudar de planos no que se refere aos esforços para um lançador nacional. Em vez de mirar no mercado de satélites em órbita geoestacionária, a ordem agora é atacar o mercado de microssatélites, que também fatura alto.

“Chegamos à conclusão que não vale a pena desenvolvermos no país um veículo para satélites geoestacionários. Existem vários concorrentes no mercado e o Brasil não lançará muitos equipamentos deste porte. Nosso foco está mais voltado para o VLM [Veículo Lançador de Microssatélites]. É um foguete mais simples, para transportar satélites menores. Acreditamos que ele entra em um nicho de mercado onde não existem lançadores naquela categoria”, disse Golfetto.

No que se refere a dificuldade de desenvolvimento, há menos problemas porque o processo de construção do VLS se dá em cooperação com o Centro Aeroespacial Alemão (DLR). Porém, novamente a descontinuidade de recursos pode atrapalhar este projeto, que tinha previsão inicial de conclusão para este ano, e foi reprogramado para 2017. Estimado em R$ 126,9 milhões, até o momento o programa recebeu R$ 10 milhões.

Histórico – O sonho de se ter um foguete capaz de transportar satélites já é antigo. Desde os primórdios do Programa Espacial Brasileiro (PEB), a ideia era entrar no clube de países detentores da capacidade de realizar o transporte espacial. Os horizontes começaram a se clarear quando no fim da década de 1970 foi instituída a Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), que tinha como meta lançar um satélite nacional, por meio de um lançador nacional a partir de uma base em nosso território.

Desde então, o país conseguiu implantar dois centros de lançamento, o de Alcântara (CLA), no Maranhão, e o da Barreira do Inferno (CLBI), no Rio Grande do Norte. Também foi capaz de desenvolver satélites de coleta de dados (SCDs) e de sensoriamento remoto, os Cbers, estes em cooperação com a China.

Na área de foguetes, no entanto, não decolamos para além das zonas suborbitais. Neste segmento, é verdade, há êxitos com o advento da família Sonda, e dos veículos de sondagem VSB-30, VS-30 e VS-40, capazes de lançar cargas-úteis compostas por experimentos científicos e tecnológicos. O VSB-30, por exemplo, abastece o programa europeu de microgravidade. [Via AEB]