Marco Civil: Governo inicia debates para regulamentar uso da internet e proteção de dados

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 28/01/2015 às 11:21

Foto: Reprodução via GlobalVoicesOnline.org. Foto: Reprodução via GlobalVoicesOnline.org.

O Ministério da Justiça inicia, a partir desta quarta (28), uma série de debates na busca de colaboração da sociedade para elaborar dois documentos relativos ao uso da internet e à proteção de dados do cidadão. Um tem como objetivo dar mais corpo ao decreto presidencial que vai regulamentar o marco civil da internet, sancionado em abril de 2014. Já o outro subsidiará o anteprojeto de lei de proteção de dados pessoais. As sugestões podem ser apresentadas no prazo de 30 dias através de dois sites criados: www.marcocivil.mj.gov.br e www.dadospessoais.gov.br.

Dos dois temas, apenas o relativo à proteção de dados já possui um texto base, a ser disponibilizado amanhã no site para fins de debate. O anteprojeto tem por objetivo assegurar ao cidadão uma série de direitos básicos sobre seus dados pessoais, armazenados em território nacional ou em centrais fora do país, dando a ele controle sobre suas informações pessoais, usadas por organizações, empresas ou governo. Aborda também questões relativas a vazamento e uso compartilhado de dados, além da responsabilidade daqueles que lidam com essas informações.

No caso do texto destinado à regulamentação do marco civil, as sugestões serão apresentadas tendo como referência quatro eixos. O primeiro diz respeito à neutralidade da rede, segundo a qual os pacotes de dados seriam tratados de maneira isonômica, de forma a garantir tratamento sem distinção de conteúdo, origem, destino ou serviço,além da guarda de registros de conexão. O segundo eixo se refere à guarda de registros de conexão, de responsabilidade das operadoras.

Marco Civil tramitou por anos até ser aprovado ano passado. (Foto: Agência Brasil). Marco Civil tramitou por anos até ser aprovado ano passado. (Foto: Agência Brasil).

Conexões e privacidade

Segundo o secretário de Assuntos Legislativos do ministério, Gabriel de Carvalho Sampaio, este eixo terá duas vertentes: uma relativa à conexão (protocolo de acesso), mantido pelo prazo de um ano, pelos provedores; e outra relativa a aplicações, que são armazenadas por seis meses pelos provedores. "São prazos distintos, destinados à guarda de registros a serem armazenados pelo provedor para garantir a segurança e o sigilo [da informação]. Esses dados só poderão ser acessados a pedido judicial", disse o secretário.

O terceiro eixo de regulamentação do marco civil receberá sugestões relativas à questão da privacidade. “Este é um eixo transversal em relação ao tema. Nossa preocupação é que o usuário tenha seus direitos preservados no uso da internet, de forma a preservar sua intimidade”, acrescentou Sampaio. O quarto eixo é mais genérico, dedicado aos demais temas relacionados à regulamentação.

O que falta ser regulamentado

Os debates sobre o Marco se dividirão em quatro eixos: neutralidade, guarda de registro de logs, privacidade e um quarto, com outros assuntos passíveis de regulamentação. As opiniões poderão ser postadas, curtidas e desaprovadas pelos usuários, como em uma discussão de rede social.

Segundo o sociólogo Sérgio Amadeu, deve haver bastante discussão sobre a chamada “neutralidade da rede” - que afirma todos os usuários podem acessar qualquer conteúdo desejado, sem nenhuma restrição de conexão por parte dos provedores - e sobre a guarda de registros de acesso de usuários pelos provedores de internet e de aplicações. “São pontos que tratam de interesses divergentes de empresas e consumidores”, afirma.

A garantia da neutralidade na rede, por exemplo, contraria uma prática comum entre operadoras de telefonia, que hoje vendem pacotes limitados de internet, com acesso apenas ao WhatsApp, por exemplo. “O Marco Civil proíbe esse modelo de negócio, mas não há fiscalização”, comenta Amadeu. “O texto prevê exceções no artigo sobre a neutralidade, e é possível que haja pressão de grandes empresas para a inclusão de brechas na lei”, explica.

Segundo o Sinditelebrasil (entidade que reúne as empresas de telefonia do país), a venda desse tipo de pacote é feito pelas operadoras no mundo todo e não fere o conceito de neutralidade do Marco - apenas desonera o usuário do acesso a certos conteúdos e serviços.

Segundo Paulo Rená, a neutralidade da rede é essencial para a manutenção da democracia na internet, para que pequenos criadores de conteúdo continuem tendo, em tese, condições iguais de disputar a audiência com grandes portais.

O Marco também afirma que provedores de internet e de aplicações (sites ou aplicativos) devem guardar registros de acesso de usuários por um ano e por seis meses, respectivamente. Segundo o texto, apenas os registros de acesso deverão ser guardados, e não o conteúdo acessado. A regulamentação deve definir de que forma essa guarda será feita, e como será garantida a inviolabilidade dessas informações.

Sérgio critica a obrigatoriedade de os sites guardarem esses registros. “É uma contradição que o Marco garanta a privacidade, mas exija a coleta de dados dos usuários”, opina. O sociólogo crê que muitas empresas acabem amortizando os custos da guarda desses dados com a venda de informações pessoais de consumidores. Amadeu ainda defende que redes sociais ou sites de compras, por exemplo, sejam obrigadas a oferecer aos usuários a possibilidade de não compartilhamento de seus dados. “A internet não acabou com a privacidade do indivíduo, e o comércio não pode ser o único fundamento da navegação”, opina.

Após os debates, o que mais faltará?

Após os debates, o regulamento do Marco Civil será transformado em um decreto a ser assinado pela presidenta Dilma. A expectativa é que a regulamentação seja aprovada ainda em 2015. Já o texto da lei de Proteção dos Dados Pessoais seguirá para tramitação na Câmara e no Senado antes de passar pela sanção presidencial, processo que pode levar até três anos. Esse texto extrapolará a questão da privacidade na internet, abordando, por exemplo, o tratamento que empresas de telefonia, bancos e planos de saúde terão que dar a dados pessoais dos clientes. [Com informações da Agência Brasil]