Especial: A nova rota do lixo - Inovação e desafios na hora do descarte

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 22/08/2014 às 15:53

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Em agosto acaba o prazo estipulado para o Governo para que as cidades se adaptem à nova Lei Nacional de Resíduos Sólidos. Quatro anos depois da promulgação, o Nordeste tem mais de 60% do seu descarte jogados em lixões. Olinda tem uma das menores taxas de reutilização, cerca de 3%. Enquanto isso, empresas pernambucanas desenvolvem tecnologias inovadoras para o descarte que poderão mudar o panorama do Estado nos próximos anos.

Por Mayra Cavalcanti e Paulo Floro

Imagens: Luiz Pessoa. Infografia: Guilherme Castro.

No Brasil, do total de resíduos sólidos produzidos, apenas 58,3% seguem para aterros sanitários, onde recebem o tratamento adequado, enquanto que os outros 41,7% são levados para lixões e aterros controlados. No Nordeste, a situação se agrava. São cerca de 53 mil toneladas de lixo produzidas por dia e 65% desta quantidade vão para lixões, onde acabam por contribuir com a poluição do ar, dos solos e das águas.

Na tentativa de reduzir os danos causados à natureza pelo mau gerenciamento dos resíduos sólidos, foi criada a lei 12.305, em 2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos para os municípios e estados brasileiros. Apesar de o prazo de adequação às normas federais, que foi estipulado como agosto de 2014, estar prestes a se esgotar, os dados mostram que ainda há muito a ser feito.

De acordo com o especialista na área de Resíduos Sólidos e professor de engenharia Civil da UFPE, Mariano Aragão, o que se defende no mundo, hoje em dia, é a hierarquia no gerenciamento do lixo, tendo como ponto inicial a não produção dele. “Para quê serve uma caixa de pasta de dente, por exemplo? Para nada. Então as empresas já estão começando a pensar assim, eliminando objetos como este”, explicou.

Para ele, a “fórmula” para lidar com o lixo de maneira apropriada é simples, mas depende de um investimento que não é aplicado pelos gestores municipais. Em primeiro lugar, a coleta, seguida da reciclagem. Para os resíduos que não podem ser reutilizados, se for orgânico, produzir compostagem e, se não, levá-los para aterros sanitários, onde o material será depositado, mas receberá um tratamento específico.

“Neste meio, a coleta seletiva é fundamental para as soluções sejam mais simplificadas. Você recolher o lixo para depois separá-lo não é prático”, completa. Mariano acrescenta que, apesar de os aterros sanitários serem o melhor destino para aqueles resíduos sólidos, não é bom para a natureza que cada município tenha o seu. E aí entra o papel dos governos estaduais na política nacional: cobrar das cidades, mas também promover os consórcios entre elas, fazendo com que um aterro atenda a várias cidades.

 

E é isto que acontece em Pernambuco. O problema é que, com o fechamento da maioria dos lixões, que causavam danos ambientais e sociais imensuráveis, sobraram apenas seis aterros funcionando de forma regular (Arcoverde, Igarassu, Jaboatão dos Guararapes, Garanhuns, Petrolândia e Rio Formoso), que abrangem 23 dos 185 municípios pernambucanos. Além desses, existem outros 17, mas que não têm licença da CPRH. Ou seja, uma grande defasagem.

Mariano reforça que o gerenciamento dos resíduos sólidos devem ocorrer em uma parceria entre as prefeituras, o governo e a população, que tem seu papel importante na hora de separar o lixo, principalmente o “úmido” do “seco”. A prefeitura deve entrar com o incentivo à reciclagem. Em Pernambuco, por exemplo, apenas 12% do lixo recolhido é reciclado. “Isto é muito pouco. Em outros países da Europa, como a Alemanha e da Ásia, como o Japão, temos valores acima dos 60%”, comentou.

Um dos piores exemplos vem de Olinda, na Grande Recife, que recicla apenas cerca de 3% do lixo que produz, com a ajuda de duas organizações, que são a Associação de Recicladores de Olinda (ARO) e a Vida Nova. Na tentativa de melhorar os números da cidade, a prefeitura está fazendo um novo convênio com outra associação de recicladores, e pretende, com isto, chegar aos 15%. “Em Olinda nós não temos aterro sanitário. Utilizamos o de Igarassu. Por isso recolhemos os resíduos e levamos para uma estação de transbordo. De lá, outro caminhão recolhe e leva para o aterro sanitário”, afirma o secretário de Serviços Públicos, Manoel Sátiro.

Já a prefeitura do Recife, através da Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb), preferiu não se pronunciar sobre o assunto. Segundo a assessoria de imprensa do órgão, nos próximos dias será realizada uma audiência pública que discutirá a situação da cidade em relação à Política Nacional dos Resíduos Sólidos.

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Um exemplo para ser seguido

Ficar em casa reclamando da forma como o governo e as prefeituras lidam com os resíduos sólidos da cidade é fácil. Mas uma atitude simples pode ajudar (e muito) e a maioria das pessoas sabem disto. O simples ato de separar o lixo que produz em casa já faz uma grande diferença. E foi esta a atitude que os administradores do edifício Praça dos Eucaliptos, na Madalena, zona Oeste do Recife, resolveram tomar no início deste ano.

A pedido de alguns moradores, o condomínio implantou lixeiros de coleta seletiva em cada andar. Então, para os moradores que querem, basta separar os produtos que possuem embalagem reciclável. Em seguida, é preciso depositar o material no lixeiro específico. Todos os resíduos sólidos, então, são levados pelo caminhão da coleta seletiva, e não pelo caminhão comum.

O problema, segundo a síndica e representante comercial Micheline Chagas, de 31 anos, é que o caminhão especial só passa uma vez por semana, às quintas-feiras, e armazenar o material no prédio por este período é complicado. “Ele poderia passar mais vezes porque nosso espaço para colocar o lixo é pequeno. Mas tivemos uma boa aceitação. Muitos moradores participam e já faz parte do nosso cotidiano”, afirma.

Segundo ela a separação do lixo trouxe diversos benefícios: reduziu o lixo comum, trouxe a conscientização dos moradores e, inclusive, ajudou pais nas tarefas escolares dos filhos. “Nós nem lembramos de como era antes de separarmos o lixo. No fim das contas, não custa nada e você ainda ganha porque sabe que está contribuindo para um mundo melhor e mais sustentável”, comentou.

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E como funciona um aterro sanitário licenciado, afinal?

Para os resíduos sólidos que não podem ser reciclados ou reutilizados, a solução é levá-los para um local onde eles serão tratados para, então, serem “armazenados”. Para explicar o funcionamento de um aterro sanitário, vamos utilizar o exemplo do de Muribeca, em Jaboatão dos Guararapes, onde é depositado o lixo produzido pelos habitantes da capital pernambucana.

Após serem recolhidos nas casas das pessoas pela Emlurb, o caminhão leva os resíduos sólidos para o aterro sanitário. Lá, ele é disposto. Embaixo de todo o lixo, no entanto, foram construídas estruturas para recolher dois materiais perigosos: o chorume (líquido poluente originado da decomposição de resíduos orgânicos, de cor escura e odor ruim) e o gás metano (gerado pela fermentação de matéria orgânica).

Segundo Mariano Aragão, o aterro de Muribeca possui um dos sistemas de tratamento de chorume mais modernos do país, em que, após passar pelo tratamento, praticamente transforma o que seria extremamente nocivo para os mananciais, em água. Já o gás metano representa um grande perigo para o efeito estufa e, por isto, tem que ser coletado antes de chegar à atmosfera.

Em Muribeca, o gás é captado através de tubulações e, em seguida, queimado, o que pode ser considerado um desperdício. “O gás metano pode ser usado na produção de energia, mas, no Brasil, só encontramos este tipo de destino do gás em São Paulo”, completou Mariano. Após as devidas precauções em relação ao chorume e ao metano, para que o lixo não fique exposto, é jogada uma camada de argila.

“Desta forma ele é confinado totalmente e possibilita um controle de que o chorume de fato será coletado, assim como o metano”, ressaltou. Mariano explica também que, nos lixões, não é realizado nenhum tipo de tratamento dos resíduos sólidos, o que justifica o fechamento de muitos deles.

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A INOVAÇÃO NO LIXO

Conheça novas técnicas que podem melhorar a vida nas cidades em relação ao resíduos

Há alguns anos o Brasil estuda novas tecnologias para o descarte como forma de melhorar a sustentabilidade e também gerar um maior custo-benefício. Além de prejudicar o meio ambiente, a poluição causada pelo lixo também afeta nossa economia. A última pesquisa nacional de Saneamento Básico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2012, mostrou que o país gasta R$ 8 bilhões por ano para cuidar do impacto ambiental dos lixões a céu aberto.

Entre as inovações pensadas para a reciclagem estão a melhora na seleção dos produtos gerados pela trituração e até mudanças na logística, o que faz muita diferença.

Incineração do lodo

Um novo método apresentado durante a Feira Internacional de Tecnologia para o Meio Ambiente (FIEMA) consistia em incinerar o lodo de esgoto, o que geraria eletricidade e vapor, que poderiam ser usados na operação. Uma planta dessa operação está funcionando em Hamburgo, na Alemanha, cidade-modelo em relação ao reaproveitamento dos resíduos. Ainda é pouco usado por aqui, ainda que muitas cidades brasileiras tenham avançado no tratamento do esgoto caseiro.

Asfalto feito com óleo de cozinha

Um projeto da Universidade do Estado de Washington, nos EUA, criou o conceito de bioasfalto que é feito com óleo de cozinha usado. O asfalto tradicional utiliza o material conhecido como "piche" para unir a brita e areia como se fosse uma cola. A técnica inventada pelo pesquisador Haifang Wen ainda precisa ser aperfeiçoada, mas esse asfalto sustentável já passou nos testes mecânicos e de temperatura.

Bactérias faxineiras

O lixo eletrônico é um dos principais vilões do meio ambiente brasileiro. Como não possuímos indústria de reutilização de componentes, todos os anos toneladas de produtos são jogados em lixões. As placas de curcuito de computadores e dispositivos móveis possuem metais pesados como ouro, prata, paládio e cobre, que contaminam o solo. Uma reportagem da Agência USP mostrou uma descoberta que ajuda na extração do cobre. A bactéria A. ferrooxidans-LR é capaz de realizar um processo conhecido como "biolixiviação", com eficiência de 98%. Após o tratamento, o processo deixa o ouro mais concentrado, ajudando na etapa conhecida como "cianetação". A técnica foi patenteada, mas ainda está em testes.

Esponjas corretas

A 3M do Brasil, em parceria com a Terra Cycle, desenvolveu um projeto inovador de reciclagem de esponjas de lavar louça da marca, as Scotch Brite. E empresa irá pagar por cada esponja reciclada e o valor será destinado para ONGs. https://bit.ly/1p1IDaP

Nova vida para o chorume

O lixiviado, mais conhecido como chorume, é um líquido altamente tóxico formado pela decomposição da matéria orgânica depositada em terrenos. Com a nova Lei de Resíduos Sólidos, sua remoção foi determinada por lei. Um projeto da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com 12 universidades, desenvolveu um sistema para ajudar as prefeituras de todo o País. A inovação é usar bactérias para degradar a maior parte da matéria orgânica presente no chorume. Mas só o processo biológico não dá conta, e por isso ainda é necessário o método físico-químico para a retirada de metais pesados e amônia. Esse tratamento "misto" também precisa ser realizado próximo aos aterros, evitando os deslocamentos de chorume.

Chorume da Caximba

O aterro sanitário da Caximba, no Paraná, tem um projeto piloto desde 2009 que utiliza plantas como método complementar ao tratamento tradicional do chorume. São três cavas, chamadas de "banhados naturais", por onde passa o chorume antes de chegar ao tanque de equalização. Com a ajuda da vegetação da região é gerado uma biomassa por causa do chorume. Segundo o Departamento de Limpeza Pública da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, o ecossistema local ganhou vitalidade depois da técnica.