Anonimato no Secret não é absoluto e pode render processos judiciais

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 11/08/2014 às 11:41

Segundo Marco Civil, usuário tem mais responsabilidade sobre o que posta. (Reprodução/Secret). Segundo Marco Civil, usuário tem mais responsabilidade sobre o que posta. (Reprodução/Secret).

O aplicativo Secret chegou recentemente ao Brasil e já se transformou em hit. A rede social para iOS e Android permite que qualquer usuário possa postar mensagens e fotos de forma anônima. O problema é que muito de seu conteúdo pode ser entendido como calúnia e difamação, segundo as leis brasileiras.

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Uma passagem rápida pelo aplicativo mostra mensagens engraçadas, com segredos constrangedores dos usuários, como um mico pago na faculdade, uma gafe no trabalho ou uma revelação dita durante o sexo. Mas grande parte dos posts falam de situações específicas envolvendo pessoas, citam nominalmente usuários e até trazem imagens com inscrições como "maior vadia" ou "os mais rodados da cidade".

Para a organização SaferNet, maior organismo brasileiro de defesa dos direitos humanos na internet, "o anonimato não pode ser usado para denegrir a dignidade da pessoa humana." A ONG disse em entrevista ao NE10, que o Secret não é bom ou ruim por natureza, mas que seus usuários precisam entender que tudo na web deixa rastros. "Quem usar a rede para causar mal a alguém ou praticar violência contra a imagem de outro usuário, pode perder seu anonimato", disse Rodrigo Nejm, psicólogo e diretor de educação da SaferNet.

O órgão tem uma campanha na web para prevenir o chamado "cyberbullyng", sobretudo contra crianças e adolescentes. "O anonimato está ligado aos primórdios da internet e faz parte das nossas relações sociais. É importante para que as pessoas possam expressar liberdades e falar de assuntos que as deixem constrangidas. Mas não é algo absoluto", lembra Nejm.

No entendimento do Ministério Público de Pernambuco, essas mensagens não estão à margem da legislação brasileira e podem sim ser enquadradas em crimes contra a dignidade e imagem. A Constituição Brasileira, inclusive, o proíbe o anonimato. "É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato" assegura o inciso IV do artigo 5º como direito fundamental do cidadão brasileiro.

Campanha do MPPE quer lembrar que tudo o que você é responsável pelo que posta. (Divulgação). Campanha do MPPE quer lembrar que tudo o que você é responsável pelo que posta. (Divulgação).

O MPPE iniciou uma campanha contra a difamação na internet, a "Palavras Têm Poder". A ideia é assegurar o exercício da liberdade de expressão, mas coibir violações aos direitos humanos, sejam nos meios de comunicação como nas redes sociais.

Segundo o Marco Civil, outorgado este ano, o provedor do conteúdo é isento de responsabilidade em relação ao que é postado. Neste caso, as pessoas que publicaram o conteúdo é que são penalizadas. No Secret os usuários atingidos já estão até postando documentos que comprovam o início de um processo judicial contra usuários.

O Secret possui uma política para coibir crimes contra injúria, calúnia e difamação e também discursos de ódio. "O Secret é muito rígido com bullying e assédio. Nós permitimos que os usuários conversem amplamente sobre pessoas, empresas e questões públicas, mas iremos coibir qualquer comportamento abusivo dirigido à indivíduos privados quando este nos for informado", escreve o app. A rede criou um "Guia da Comunidade" para tornar a experiência benéfica para todo mundo. Além disso, marcar mensagens como impróprias ou abusivas é relativamente fácil. "Nós acreditamos que o anonimato incentiva as pessoas a compartilhar seus pensamentos e sentimentos mais profundos, gerando conversas genuínas que seriam impossíveis de outra forma. As palavras estão no centro de cada segredo, e nós queremos que a nossa comunidade seja um lugar seguro e libertador para todos se expressarem verdadeiramente."

Foto: Reprodução/Secret. Foto: Reprodução/Secret.

Hit da fofoca

Criado nos EUA e lançado em janeiro deste ano, o Secret é um dos novos fenômenos do Vale do Silício. Seus criadores, David Mark Byttow e Chrys Bader-Wechseler, trabalham no Google quando trabalharam na ferramenta. Em poucos meses de vida já conseguiu arrecadar mais de US$ 12 milhões em investimento para crescer. Mas já há quem especule que seu valor de mercado deve ser bem maior.

O serviço se defende de críticos dizendo que todo e qualquer abuso pode ser denunciado e que o Secret possui política para retirada de conteúdo. Mas há investidores que vieram à público para levantar questões sobre esse sucesso. Marc Andreessen, cofundador do Netscape e conhecido na área de investimento em startups disse ao site TechCrunch que o Secret "diminui as pessoas" e "estimula comportamento negativo".

Enquanto isso, apps baseados em anonimato seguem fortes. O Snapchat, cujas mensagens se autodestroem em determinado período de tempo, recusou oferta de 4 bilhões de dólares do Facebook. Além do Secret, outros apps, como o Whisper também concorre pela atenção de usuários ávidos em conhecer segredos alheios e compartilhar os seus próprios.

Foto: Reprodução/Secret. Foto: Reprodução/Secret.

Grupo quer banir app

No Brasil, onde o Secret explodiu em popularidade esta semana, um grupo de dez pessoas se uniu para tentar tirar o serviço do ar no País pelas vias legais. "Está acontecendo uma onda de postagens difamatórias e ofensivas, com discriminação, racismo, imagens [pornográficas] de menores. A ideia é banir o aplicativo do País", disse Bruno de Freitas Machado, 25 anos, consultor de marketing responsável pela iniciativa, em entrevista à Folha. Ele disse que escreveram informações falsas, além de sua foto. "Disseram que tenho HIV, que participo de orgias."

Há também um Tumblr, que reúne as postagens mais engraçadas de brasileiros nesta rede social. Pelo sucesso do app, é bem provável que essa discussão ganhe novos contornos e personagens nas próximas semanas.

SAIBA COMO DENUNCIAR

Veja mais exemplos:

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