Produtos hackeáveis dão um papel ativo a consumidores

Letícia Saturnino
Letícia Saturnino
Publicado em 16/11/2013 às 18:05

Foto: Luísa Ferreira/MundoBit Foto: Luísa Ferreira/MundoBit

Em vez de produzir para a maioria, por que não fazer produtos hackeáveis, que possam atender às necessidades de cada usuário específico? Essa indagação norteou a palestra da pesquisadora portuguesa Catarina Mota neste sábado (16/11) no último dia do Interaction South America, no Centro de Convenções de Pernambuco.

A experimentação no estilo "faça você mesmo" (DIY) com materiais inteligentes permite um novo relacionamento com os produtos, colocando os consumidores em um papel ativo. Para isso, pode-se usar desde kits de montagem a impressoras 3D e laser cutters.

Entusiasta do movimento open-source, Mota mostrou diversos exemplos de projetos de design para "hackabilidade" (hackability), que permitem a apropriação e transformação pelos usuários. Um exemplo é a SketchChair, do Diatom Studio. Esse software open-source gratuito permite criar seu próprio design de cadeira, subi-lo para a rede e também baixar o de outras pessoas, customizá-lo e produzir um móvel personalizado.

Cadeiras do SketchChair são totalmente customizáveis. Foto: Divulgação Cadeiras do SketchChair são totalmente customizáveis. Foto: Divulgação/Diatom Studio

Outro projeto similiar é Wiki House, também open-source, que permite a qualquer pessoa projetar, fazer download e "imprimir" casas, montando as partes como um quebra-cabeça. "Se a fábrica está em todo lugar, o time de designers também está por toda parte. É uma forma de fazer pelo design o que a Wikipedia faz pela informação", diz Catarina Mota. Ela mencionou ainda o projeto Littlebits, uma espécie de biblioteca de miniblocos eletrônicos a partir dos quais vários dispositivos podem ser criados, e Phonebloks, o celular montável como Lego sobre o qual já falamos no MundoBit.

E até produtos que não são criados com o objetivo de serem hackeados também são transformados pelos usuários. É o caso do chamado "Ikea hacking", a prática de modificar móveis da loja de móveis sueca Ikea, conhecida por seus preços baixos e sua presença em várias partes do mundo. "Os objetos de todo mundo são parecidos. Esses hackers transformam produtos de produção em massa em símbolos de individualidade", afirma a pesquisadora.

Ela lembra que o Kinect, sensor de movimentos desenvolvido para o Xbox 360 e Xbox One, também foi usado com muito mais fins do que jogar videogame: como scanner 3d, sistema de navegação para robôs e até para ajudar médicos em cirurgias. "Na primeira metade do século XX era muito comum mexer nos motores de carros e rádios. Hoje, as pessoas são desencorajadas de ver como as coisas funcionam, e às vezes nem é possível fazê-lo, já que muitos produtos vêm lacrados", observa.

A palestrante acredita que o design para hackabilidade tem várias vantagens. Em primeiro lugar, permite aos usuários conseguir exatamente o que eles querem, atendendo às necessidades de todos os nichos. Em segundo lugar, esses produtos tendem a ser mais fáceis de consertar, sendo possível repor partes específicas em vez de trocá-los por inteiro, o que contribui para a sustentabilidade dos itens.

E outra vantagem é psicológica: deixamos de ter uma relação de dependência com quase tudo que consumimos. "Normalmente, precisamos que alguém desenhe, produza e distribua tudo o que consumimos. A hackabilidade nos permite ter autonomia, ser agente causal de nossas próprias vidas. Muda nossa perspectiva e nosso entendimento de nós mesmos e nosso lugar no mundo", conclui.