Mulheres vítimas de violência são mais vulneráveis ao transtorno do estresse pós-traumático

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 11/04/2018 às 11:09
As taxas do transtorno do estresse pós-traumática, em mulheres vítimas de violência, pelo parceiro íntimo, variam entre 45% e 60%. (Foto ilustrativa: Sérgio Bernardo/JC Imagem)
As taxas do transtorno do estresse pós-traumática, em mulheres vítimas de violência, pelo parceiro íntimo, variam entre 45% e 60%. (Foto ilustrativa: Sérgio Bernardo/JC Imagem) FOTO: As taxas do transtorno do estresse pós-traumática, em mulheres vítimas de violência, pelo parceiro íntimo, variam entre 45% e 60%. (Foto ilustrativa: Sérgio Bernardo/JC Imagem)

Por Malu Silveira 

Nunca se apagam os traumas, principalmente os psicológicos, decorrentes das agressões vividas por mulheres. Essas marcas podem até ser superadas e amenizadas, mas raramente serão extintas. Esse foi o alerta dado durante um debate sobre fatores relacionados à violência e ao estresse na mulher, um dos destaques da 35º Jornada Pernambucana de Psiquiatria, realizada recentemente no Recife pela Sociedade Pernambucana de Psiquiatria (SPP). Este ano o encontro trouxe como tema A psiquiatria nas fronteiras do feminino, do gênero e da sexualidade.

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Entre os assuntos do debate, destacaram-se as circunstâncias do transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) nessa população. Os números assustam. Um dos poucos estudos focados na temática revela que as taxas desse tipo de transtorno, em mulheres vítimas de violência, pelo parceiro íntimo, variam entre 45% e 60%. O achado vem de uma pesquisa desenvolvida, pelo departamento de psicologia da Universidade do Norte de Illinois (EUA), em 2009. “As mulheres estão mais expostas ao TEPT simplesmente pelo fato de ser mulher. Nós morremos por essa condição e, na maioria das vezes, morremos no próprio lar”, lamentou a psiquiatra Sandra Peu, vice-presidente da Associação Psiquiátrica da Bahia (APB), que participou do debate.

No Brasil, os estudos sobre incidência desse transtorno, em mulheres que já sofreram algum tipo de violência, são ainda mais escassos. Um levantamento de 2003 constatou que, em cada cinco mulheres vítimas de violência, três apresentavam algum tipo de sintomatologia própria do distúrbio.

A psiquiatra Sandra Peu destaca que muitas das mulheres que passam por transtorno do estresse pós-traumático desenvolvem quadros dissociativos. Esses sintomas se caracterizam, principalmente, por distorções de memória, afeto, percepção ou senso de identidade (Foto: Isabela Lucena/Divulgação)

Entre os sintomas do transtorno, estão a hipervigilância (sensação de estar sempre em alerta para algum acontecimento estressante que possa vir a acontecer), resposta intensa aos mínimos fatores estressores, pensamentos repetitivos relacionados ao episódio traumático, distanciamento emocional e abandono de atividades usuais. Quem sofreu um assalto, por exemplo, evita passar pelo local em que ocorreu a investida.

“Muitos pacientes se esquivam na hora de realizar atividades usuais que tenham relação com o trauma. Mas, e as mulheres que sofrem violência doméstica, como vão se esquivar?”, questionou Sandra Peu. Ainda segundo a psiquiatra, muitas dessas mulheres desenvolvem quadros dissociativos. Esses sintomas se caracterizam, principalmente, por distorções de memória, afeto, percepção ou senso de identidade.

Justiça

Em sua apresentação, a médica defendeu que não há mecanismos claros, na Lei da Maria da Penha, que protejam a vítima contra o surgimento do transtorno do estresse pós-traumático. "As mulheres expostas à violência não têm, explicitamente, seu direito de prevenir o TEPT garantido. É importante que as delegacias e serviços de apoio especializados encaminhem essas mulheres ao acompanhamento psiquiátrico", ressaltou.

Ainda segundo Sandra Peu, os atendimentos precoces a situações de trauma e a anamnese cuidadosa na consulta também são ferramentas fundamentais na prevenção ao distúrbio.

Saiba mais

O transtorno do estresse pós-traumático é um distúrbio psiquiátrico que pode afetar pessoas que sofreram algum tipo de trauma como um assalto, um ato de violência extrema ou a perda repentina de um ente querido. O transtorno acontece quando, diante de uma situação de medo ou de ansiedade, o paciente responde de forma desproporcional, voltando a experimentar os mesmos sentimentos de tristeza, pavor, dor ou pânico que sentiu quando passou pela violência ou tragédia original.

A presença de comorbidades pode chegar a 80% dos casos. Depressão, transtorno de ansiedade generalizada (TAG) e o abuso de álcool e outras drogas são as mais comuns. O tratamento, na maioria dos casos, é feito com medicamentos (antidepressivos) e psicoterapia (terapia cognitivo-comportamental é uma das mais indicadas).

Em Pernambuco, o Serviço de Apoio à Mulher Wilma Lessa, unidade de referência na assistência a mulheres vítimas de violência, realizou 1.451 atendimentos em 2016. Desses, 371 casos foram de primeiros atendimentos. Os demais, retornos para acompanhamento físico, social e psicológico.