Saliva pode ajudar na escolha do melhor antidepressivo e de outros remédios para transtornos mentais

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 08/04/2018 às 7:44
A ciência já sabe que os genes influenciam no aproveitamento de medicações indicadas para transtornos mentais. Para ajudar o psiquiatra na escolha do medicamento mais indicado, testes genéticos têm evoluído (Foto ilustrativa: Pixabay)
A ciência já sabe que os genes influenciam no aproveitamento de medicações indicadas para transtornos mentais. Para ajudar o psiquiatra na escolha do medicamento mais indicado, testes genéticos têm evoluído (Foto ilustrativa: Pixabay) FOTO: A ciência já sabe que os genes influenciam no aproveitamento de medicações indicadas para transtornos mentais. Para ajudar o psiquiatra na escolha do medicamento mais indicado, testes genéticos têm evoluído (Foto ilustrativa: Pixabay)

Testes genéticos têm aprimorado a decisão do psiquiatra ao indicar medicações que possam oferecer a maior chance de eficácia para um paciente com distúrbios psiquiátricos, como depressão. Ao colher uma amostra de saliva, são verificados marcadores genéticos que ajudam a acertar a medicação. “Os testes aumentam a possibilidade de acertarmos o medicamento e de indicar a dose ideal, diminuindo riscos de efeitos colaterais, como ganho de peso, e de trocas de medicação por falta de eficácia”, esclarece o psiquiatra Amaury Cantilino, professor da Universidade Federal de Pernambuco.

Confira a entrevista:

Testes genéticos podem ajudar o psiquiatra a escolher o melhor remédio para o seu paciente

Por Amaury Cantilino

Há cerca de 25 anos, começaram a se multiplicar os estudos do que hoje se conhece como medicina de precisão. Antes disso, vivíamos num período em que as pesquisas mal estratificavam os indivíduos de acordo com os subtipos sindrômicos das doenças, com fatores demográficos (como sexo e idade) ou com suas características clínicas. Mais recentemente, ganha espaço a medicina personalizada, que leva em consideração as preferências individuais dos pacientes, o ambiente em que vivem, seus hábitos, comportamentos e as suas características genéticas, que são o foco maior da medicina de precisão.

Como isso se aplica na psiquiatria?

Podemos citar, por exemplo, o caso da olanzapina, medicação muito utilizada para tratamento do transtorno bipolar. Um percentual de cerca de 70% dos pacientes expostos a essa medicação apresentam grande elevação de peso. Ganho de peso é algo que incomoda substancialmente algumas pessoas. Mas não havia como saber quais pacientes desenvolveriam esse efeito colateral. Hoje se sabe que uma alteração específica no gene Val66Met, de uma substância chamada BDNF (sigla para brain derived neurotrophic factor), predispõe o indivíduo a engordar quando toma a olanzapina.

Como se escolhe um antidepressivo?

Quando alguém com depressão chega ao consultório, o psiquiatra seleciona o antidepressivo baseado no perfil sintomatológico da depressão naquele paciente específico. Por exemplo: se a depressão está associada a muitos sintomas de ansiedade, prefere-se uma medicação com mais ação em serotonina. Se os sintomas são mais relacionados à dificuldade de concentração e falta de energia, indica-se um antidepressivo com mais ação em noradrenalina e dopamina. A questão é que, mesmo considerando esses fatores e outros tantos (como potenciais efeitos colaterais), com certa frequência, há necessidade de trocas de medicação por falta de eficácia. Como uma avaliação de efeito só se completa depois de quatro a oito semanas, pode-se perder muito tempo até que se encontre o antidepressivo ideal para aquele paciente. Hoje já estão disponíveis no mercado testes genéticos que aprimoram a decisão clínica do psiquiatra.

"Com os testes genéticos, também há possibilidade de antever os antidepressivos que ofereceriam risco maior ou menor de efeitos colaterais", diz Amaury Cantilino (Foto: Guga Matos/JC Imagem)

Como os testes genéticos podem ajudar?

Há diversos genes que estão relacionados aos mecanismos de ação dos antidepressivos. Pode-se atualmente averiguar a configuração desses genes no intuito de tentar determinar quais antidepressivos têm maior potencial de eficácia para o perfil genético daquele indivíduo. Também há possibilidade de antever quais antidepressivos ofereceriam um risco maior de efeitos colaterais.

Os genes são todos relacionados a receptores em neurônios?

Não. Há também averiguação dos genes das enzimas que metabolizam as medicações no fígado. Funciona da seguinte forma: as medicações, para que sejam eliminadas do organismo, precisam ser transformadas em compostos hidrossolúveis. Quem faz essa transformação são algumas enzimas presentes no fígado, e esse processo se chama metabolização. Algumas pessoas têm uma predisposição genética para produzir um número grande dessas enzimas. Assim, essas pessoas metabolizam rapidamente os fármacos, o que faz com que precisem de doses maiores para poderem obter o benefício das medicações. Com outras pessoas pode ocorrer o inverso: se elas têm poucas enzimas, mesmo doses baixas do remédio podem provocar efeitos colaterais ou tóxicos. Os testes genéticos nos dão essas informações, facilitando a escolha da dose ideal para cada paciente.

Os testes já permitem que o psiquiatra sempre acerte qual será a medicação que resolverá o problema do paciente?

Pode ser dizer que os testes aumentam significativamente essa chance. No entanto, ainda há muito espaço para aprimoramento desses testes. Num exame típico dos atualmente disponíveis, são verificados cerca de 15 a 30 loci genéticos. A tendência é que, com a continuidade das pesquisas, ainda mais genes sejam incorporados e, consequentemente, mais cruzamentos com fármacos diversos sejam permitidos.

Como é feito, na prática, esse tipo de exame?

Colhe-se uma amostra de saliva, que é enviada a um laboratório para análise. Na saliva, facilmente são encontradas células da mucosa da boca, que servirão de material para o exame.

Qual o custo disso?

Em geral, varia entre R$ 3.500 e R$ 7.000.