"Estão esquecendo de cuidar de quem cuida", defende estudante de medicina

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 29/09/2017 às 14:04
Presidente da Liga de Psiquiatria da UPE, estudante Thayse Croccia defende a reestruturação do atual sistema dos cursos de medicina (Foto: Filipe Jordão / JC Imagem)
Presidente da Liga de Psiquiatria da UPE, estudante Thayse Croccia defende a reestruturação do atual sistema dos cursos de medicina (Foto: Filipe Jordão / JC Imagem) FOTO: Presidente da Liga de Psiquiatria da UPE, estudante Thayse Croccia defende a reestruturação do atual sistema dos cursos de medicina (Foto: Filipe Jordão / JC Imagem)

“Estão esquecendo de cuidar de quem cuida dos outros”. É assim que a estudante de medicina Thayse Croccia, 25 anos, define o atual cenário nos cursos de medicina. Presidente da Liga de Psiquiatria da Universidade de Pernambuco (FCM/UPE), a jovem costuma acompanhar a psiquiatra Kátia Petribú, professora associada da instituição e coordenadora do grupo, e lamenta perceber que a grande quantidade de alunos que os procuram para relatar problemas psicológicos e distúrbios psiquiátricos.

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“Na universidade, a quantidade de informação que deve ser absorvida pelos alunos é muito grande, então os alunos se sentem, muitas vezes, frustrados. O curso também acarreta um isolamento social, fazendo com que os jovens percam a rede de apoio, constituída pela família e amigos”, comenta Thayse, estudante do 7º período. Para a presidente da Liga, é necessário repensar esses fatores. “Existem muitos programas de combate aos transtornos, mas falta o essencial: atacar as causas. Falta também repensar o curso médico e reconsiderar o estresse ao qual o estudante é exposto”, defende.

Segundo a jovem, depressão, ansiedade e transtorno bipolar são os distúrbios mais relatados por demais estudantes no serviço de psiquiatria do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), unidade da UPE que funciona como um hospital-escola. “A demanda no hospital é muito grande. Muitos alunos, por saber que fazemos parte da Liga de Psiquiatria, nos procuram e perguntam o que pode ser feito por eles. Em especial, as pessoas que dependem da rede pública, se sentem num beco sem saída”, relata.

Para Thayse, os problemas vão além do contexto vivido no Sistema Único de Saúde (SUS). “Claro que o local e o sistema interfere, mas a questão de transtornos mentais nos cursos universitários, principalmente os de medicina, vai muito além. Países com excelentes IDHs (Índice de Desenvolvimento HUmano) apresenta índices (de depressão em acadêmicos e médicos recém-formados) absurdos. É algo que está mais ligado à dinâmica do curso do que qualquer outra coisa”, comenta.

Os estudantes de medicina ainda enfrentam problemáticas extras, como: o fácil acesso a substâncias e a consequente automedicação. “A nossa sociedade ainda enxerga os médicos como semideuses. Esse endeusamento piora muito a pressão psíquica dos estudantes. que ainda precisam enfrentar vários fatores de risco, como a desumanização constante nos plantões e a privação de sono. Outra coisa perigosa no curso é o fácil acesso a medicamentos. A automedicação é feita de maneira totalmente inadequada, colocando os futuros médicos numa corda bamba preocupante”, relata.

Imagem da psiquiatra Kátia Petribú (Foto: Tato Rocha / Acervo JC Imagem) "Nós precisamos investir na prevenção primária e impedir que esses alunos adoeçam", defende a psiquiatra Kátia Petribú, professora da Universidade de Pernambuco (Foto: Tato Rocha / Acervo JC Imagem)

A psiquiatra e professora da UPE Kátia Petribú endossa a realidade relatada pela presidente da Liga de Psiquiatria da universidade. “O adoecimento desses jovens já começa nos cursos preparatórios para os vestibulares. A frustração entre a idealização do curso e o que eles conseguem com o passar dos anos é um grande fator de risco para transtornos mentais e risco de suicídio. Nos preocupa o tipo de profissionais que estamos formando. As faculdades de medicina precisam ser muito mais humanas”, reforça a especialista, presidente da Sociedade Pernambucana de Psiquiatria (SPP).