'A gente não pode pagar pra ver', alerta psiquiatra sobre prevenção urgente ao suicídio

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 19/09/2017 às 13:24
"Nós precisamos falar a respeito do suicídio para prevenir ao máximo as tentativas", defende a psiquiatra Milena França (Foto: Luiz Pessoa/JC Imagem)
"Nós precisamos falar a respeito do suicídio para prevenir ao máximo as tentativas", defende a psiquiatra Milena França (Foto: Luiz Pessoa/JC Imagem) FOTO: "Nós precisamos falar a respeito do suicídio para prevenir ao máximo as tentativas", defende a psiquiatra Milena França (Foto: Luiz Pessoa/JC Imagem)

“A gente não pode pagar para ver.” É dessa forma que a psiquiatra Milena França, diretora da Sociedade Pernambucana de Psiquiatria (SPP), faz um alerta sobre a importância da prevenção urgente ao suicídio. Num cenário mundial, em que dez pessoas tentam tirar a própria vida a cada 30 segundos, adotar medidas de precaução podem ser a saída para evitar um triste desfecho. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) inclusive apontam que 90% dos suicídios poderiam ser evitados se os pacientes recebessem acompanhamento multidisciplinar adequado.

Leia também:

» Por que o Setembro Amarelo é a maior campanha antiestigma do mundo

» Luto por suicídio: falar sobre o tema significa cuidar da dor de quem fica

» Como a empatia pode ajudar a salvar vidas

» Prevenção ao suicídio: entenda por que é urgente quebrar o silêncio

Segundo a especialista, a tentativa prévia é uma dos principais fatores de risco para uma nova investida. Por isso a urgência em identificar os primeiros indícios. “Estudos mostram que até 80% das pessoas que cometeram suicídio haviam comunicado a intenção a pessoas próximas no mês anterior. Por isso devemos ficar atentos aos mais diversos sinais, como frases de desesperança, resolução de afazeres pendentes e ligações para parentes que o paciente não tinha contato há bastante tempo. Ao identificar esses indícios, o primeiro passo que o familiar deve dar é procurar o médico, para que o especialista possa intervir e proteger o paciente, seja com intervenção medicamentosa, psicoterapia ou até mesmo, em casos mais graves, internação hospitalar ou domiciliar”, reforçou a psiquiatra durante entrevista na TVJC sobre os dez sinais de alerta na prevenção ao suicídio.

Quando os pacientes já são tratados ou em situações práticas do cotidiano, muitos se perguntam: como ajudar na prática quem precisa? “O ideal é tirar de perto qualquer objeto ou cenário que funcione como um meio de praticar a ação, como tesoura, faca e isqueiros (gás de cozinha e janelas desprotegidas também funcionam como meio de acesso). O paciente também não deve ficar livre para administrar a própria medicação”, ressalta a médica.

Em casos mais graves, é necessário inclusive estar sempre por perto da pessoa, funcionando como uma espécie de “anjo da guarda”. “A partir do momento que fazemos uma internação familiar, os pacientes têm que estar vigiados. Os familiares ou responsáveis devem estar sempre de olho, fazendo um revezamento para que a pessoa não fique sozinha. É chato no começo, mas é por precaução. Por que eu digo isso? Porque o maior fator predisponente de uma tentativa de suicídio para um desfecho suicida é a tentativa anterior. Por isso que digo que não podemos pagar para ver. Temos que ter o maior cuidado possível”, defende Milena.

Como em outras situações, o apoio e compreensão da família é fundamental para o avanço no tratamento. São eles que servem como elo entre o paciente e a equipe médica que o acompanha. “A partir do momento que uma pessoa pensa, planeja e tenta um ato suicida, é porque a situação já está muito desesperadora. Eu costumo dizer que sem o apoio da família não há como ter um desfecho favorável. Eles têm que estar junto do paciente e compreender o sofrimento do indivíduo”, explica.

É difícil conceber a ideia de que alguns profissionais da saúde mental estejam tão despreparados quantos os parentes dos pacientes, mas existem, sim, casos de inaptidão. Para a psiquiatra, preceptora dos residentes médicos do Hospital Psiquiátrico Ulysses Pernambucano (HUP), além de orientar a família, é necessário capacitar as equipes médicas. “Sentimentos de raiva em relação às pessoas que tentaram cometer suicídio são comuns inclusive em profissionais médicos que os recebem. Os próprios pacientes se sentem acuados em falar por conta de todo o estigma que cerca tanto os transtornos mentais como as tentativas de suicídio. É fundamental tentar desmistificar esse tabu para que o paciente tenha acesso ao tratamento. Ele precisa ser acolhido tanto pela família como pela equipe de saúde”, pontua.

E, para quem acredita que abordar o suicídio pode estimular pacientes com ideações suicidas a atentar contra a própria vida, o recado é claro: "O suicídio pode sim ser prevenido. E nós precisamos falar a respeito dele para tentar chegar onde estão os pontos cruciais de risco. A questão é como abordar o assunto. É se colocar no lugar do outro, deixar que ele fale, não tentar fazer com que ele se desfaça a qualquer custo das ideações afirmando que são atitudes erradas. Nós temos que chegar no paciente de forma empática e de uma maneira sempre gentil", reforça Milena.