'É complicado e difícil de explicar', relata Lady Gaga sobre dores da fibromialgia, doença invisível e incapacitante

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 19/09/2017 às 13:01
Em rede social, Lady Gaga conta como enfrenta as dores da fibromialgia (Foto: Instagram/Reprodução)
Em rede social, Lady Gaga conta como enfrenta as dores da fibromialgia (Foto: Instagram/Reprodução) FOTO: Em rede social, Lady Gaga conta como enfrenta as dores da fibromialgia (Foto: Instagram/Reprodução)

Dor no corpo todo. Muitas vezes, fica difícil definir se a dor é nos músculos ou nas articulações. Os pacientes costumam dizer que não há um lugar do corpo que não doa. Com essas frases, a Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) define a fibromialgia – a síndrome que levou a cantora Lady Gaga a cancelar sua apresentação no Rock in Rio e a adiar a turnê europeia por causa do sofrimento causado pelo problema, também caracterizado por fadiga (cansaço), sono não reparador (a pessoa acorda cansada, com a sensação de que não dormiu) e outras alterações, como problemas de memória e concentração, ansiedade, formigamentos no corpo, depressão, dores de cabeça, tontura e alterações intestinais.

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“É complicado e difícil de explicar, e estamos tentando descobrir isso. À medida em que eu me fortalecer e quando me sentir pronta, vou contar a minha história com mais detalhes e planejo levar isso com força para que eu não só possa aumentar a conscientização, mas promover a pesquisa para os outros que sofrem como eu, para que eu possa ajudar a fazer uma diferença. Eu uso a palavra ‘sofrer’ não por piedade ou para chamar atenção. Fiquei desapontada por ver pessoas sugerindo que estou sendo dramática ou me fazendo de vítima para deixar a turnê”, escreveu Lady Gaga, em um post no Instagram na segunda-feira (18).

O relato da cantora sobre a luta contra a fibromialgia representa o sentimento de muitos pacientes que convivem com essa síndrome cuja causa ainda não é conhecida. Os médicos sabem, contudo, que as pessoas com fibromialgia apresentam uma sensibilidade maior à dor do que pessoas sem a doença. Ou seja, não se discute, entre os especialistas, se a dor do paciente é real. A SBR destaca que atualmente, técnicas de pesquisa permitem ver o cérebro em funcionamento em tempo real e se descobriu que pacientes realmente têm o incômodo que dizem sentir. Mas é uma dor diferente, em que não há lesão no corpo e, mesmo assim, a dor é intensa.

Reumatologistas reconhecem que a fibromialgia pode levar a um mecanismo como se o cérebro dos pacientes interpretasse de forma exagerada os estímulos, ativando todo o sistema nervoso para fazer a pessoa com fibromialgia sentir dores inexplicáveis. “Eu sou uma lutadora. Eu uso a palavra ‘sofrer’ não só porque o trauma e a dor crônica mudaram minha vida, mas porque tudo isso me impede de ter uma vida normal. Os sinais (da doença) também estão me impedindo de fazer o que eu mais amo no mundo: atuar para os meus fãs”, acrescentou Lady Gaga na mesma postagem no Instagram.

No Brasil, a fibromialgia acomete de 2% a 3% das pessoas, segundo a SBR, sendo mais frequente em mulheres do que em homens. A faixa etária mais atingida é entre 30 e 55 anos. “É uma doença muito complexa, mas frequente no nosso consultório. É importante que os pacientes aceitem o diagnóstico para ter resposta ao tratamento”, esclarece o reumatologista Fernando Cavalcanti, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Às vezes, reconhecer que se tem fibromialgia, segundo o médico, pode ser difícil para as pessoas porque a doença não tem marcadores – ou seja, não há exames que detectem a síndrome. “O diagnóstico é totalmente clínico (baseado no relato dos sintomas e sinais apresentados pelo paciente). Solicitamos exames para afastar presença de outras doenças que podem ter um quadro parecido com a fibromialgia”, acrescenta Fernando.

Sintomas

O principal sintoma da fibromialgia é a dor generalizada (dor no corpo todo), percebida especialmente nos músculos. É muito comum que o paciente sinta dificuldade de definir onde está a dor. Muitos se referem como sendo “nos ossos”, nas “juntas” ou “nas carnes”. Como os músculos estão presentes por todo o corpo, esse é o motivo para explicar a dificuldade em relatar onde estão os pontos de dor. Frequentemente quem tem a síndrome diz que sente incômodo até durante um abraço.

Além da dor, o cansaço é uma queixa frequente na fibromialgia, assim como alterações do sono. Geralmente os pacientes até dormem um bom número de horas, mas acorda cansado (sono não reparador). Em outros casos, ocorre insônia, sensação de pernas inquietas antes de dormir e movimentos da perna durante o sono.

Como a fibromialgia é uma doença em que as sensações estão amplificadas, são comuns as queixas em outros lugares do corpo, como dor abdominal, queimações e formigamentos, problemas para urinar e dor de cabeça. Como outros pacientes que sofrem de dor crônica, quem tem fibromialgia também pode se queixar de falta de memória e dificuldades na concentração. Os distúrbios do humor, como ansiedade e depressão, também podem ser comuns.

“As queixas de dor se caracterizam como pontada e queimação de forma mais prevalente em costas, peitos, nuca, região cervical, pélvica e pernas, que se intensificam com mudanças climáticas e emocionais. O diagnostico é geralmente concluído pela confirmação de, pelo menos, 11 pontos dolorosos de 18 testados, somado aos demais sintomas relacionados ao distúrbio do sono e depressão”, diz o neurocirurgião Cláudio Fernandes Corrêa, especialista em dor e coordenador do Centro do Dor do Hospital 9 de Julho, em São Paulo.

O tripé formado por tratamento medicamentoso, condicionamento físico e apoio psicológico promove um melhor controle da fibromialgia. “Em muitos casos, é possível atestar que o controle das crises é mais efetivo em pessoas que realizam um tratamento multidisciplinar, com apoio de terapias complementares e de profissionais das áreas da fisioterapia e psicologia, entre outras”, relata Cláudio, que destaca a importância de manter o corpo e a mente sempre em atividade.

Quando as terapias convencionais não são suficientes para o alívio das crises de dor, podem ser indicados procedimentos minimamente invasivos, como inserção de bomba de morfina acionada eletronicamente pelo paciente. “A bomba de infusão com opioides pode ser colocada no abdome para liberação direta na corrente sanguínea, sendo liberada pelo paciente em cronograma de horas conforme prescrição do médico”, explica Claudio.