Uso de cocaína na adolescência é mais prejudicial que na vida adulta, indica estudo

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 30/08/2017 às 9:11
Pesquisadores compararam dependentes que começaram a consumir a droga antes e depois dos 18 anos e observaram diferença em habilidades como atenção sustentada e memória de trabalho (Foto ilustrativa: Pixabay)
Pesquisadores compararam dependentes que começaram a consumir a droga antes e depois dos 18 anos e observaram diferença em habilidades como atenção sustentada e memória de trabalho (Foto ilustrativa: Pixabay) FOTO: Pesquisadores compararam dependentes que começaram a consumir a droga antes e depois dos 18 anos e observaram diferença em habilidades como atenção sustentada e memória de trabalho (Foto ilustrativa: Pixabay)

Da Agência Fapesp de notícias

Uma pesquisa feita na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) demonstrou de forma objetiva algo que especialistas em neurociência já suspeitavam: pessoas que começam a usar cocaína durante a adolescência desenvolvem déficits cognitivos mais significativos do que quem inicia o consumo da droga na vida adulta.

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Ao comparar os dois grupos de dependentes, pesquisadores observaram diferenças marcantes principalmente em habilidades como atenção sustentada (requerida para a realização de tarefas longas, como o preenchimento de um questionário), memória de trabalho (necessária para o cumprimento de ações específicas, como a de um garçom que precisa gravar o pedido de cada uma das mesas até o momento de entregar o prato corretamente) e memória declarativa (que corresponde ao armazenamento e recuperação de dados após um período de intervalo).

Além disso, no grupo de usuários com início precoce foi 50% mais frequente o consumo concomitante de maconha e 30% de álcool, quando comparado com dependentes que iniciaram o uso depois dos 18. Os resultados completos da pesquisa, apoiada pela FAPESP, foram divulgados na revista Addictive Behaviors.

“A adolescência é considerada uma das etapas cruciais do desenvolvimento cerebral, quando o excesso de sinapses é eliminado e as estruturas essenciais para a vida adulta são selecionadas e refinadas. O uso de drogas nesse momento pode atrapalhar o processo de programação do cérebro e fazer com que conexões importantes sejam perdidas”, comentou Paulo Jannuzzi Cunha, professor da FMUSP e coordenador do projeto.

De acordo com Cunha, um dos diferenciais do trabalho realizado no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP foi medir os impactos cognitivos em usuários que estavam sob uma condição de abstinência controlada.

“Muitos estudos deste tipo avaliam indivíduos em ambulatório, sem a certeza de que, ao chegar em casa, eles não farão uso da droga. No nosso caso, porém, todos os participantes estavam internados. Assim, temos a certeza de que os achados não estão relacionados aos efeitos agudos da cocaína ou de outras substâncias”, explicou.

Foram incluídos na amostra 103 pacientes dependentes de cocaína – 52 deles no grupo de usuários com início precoce (antes de 18 anos) e 51 no grupo com início tardio (após 18 anos). Todos estavam há pelo menos sete dias sem consumir a droga. A ausência dos metabólitos da cocaína foi comprovada por meio de testes toxicológicos de urina. Além disso, havia um terceiro grupo controle que contou com 63 pessoas não usuárias de substâncias psicoativas.

A faixa etária dos participantes variou de 20 a 35 anos e a proporção de homens e mulheres foi semelhante. Entre os dependentes com início precoce destaca-se um participante que faz uso de cocaína desde os 12 anos.

“Dados da literatura científica indicam que até os 25 anos de idade uma região do cérebro conhecida como córtex pré-frontal está em desenvolvimento. Essa região se relaciona com as chamadas funções executivas, como planejamento, tomada de decisão, controle inibitório, atenção e memória de trabalho. Decidimos avaliar, portanto, se essas habilidades estavam mais prejudicadas nos usuários com início precoce”, contou a psicóloga Bruna Mayara Lopes, primeira autora do artigo.

A avaliação foi feita por meio de um conjunto de testes, entre eles Bateria de Avaliação Frontal (FAB), Teste de Stroop (SCWT), Teste de Fluência Verbal (COWAT), Teste de Associação de Cartões de Wisconsin (WCST), Teste da Figura de Rey-Osterrieth (ROCFT) e Iowa Gambling Task (IGT). O uso de álcool e outras drogas foi avaliado com o Índice de Severidade de Dependência (ASI-6).

“Basicamente, apresentávamos ao participante uma tarefa que ele tinha de executar. Como, por exemplo, repetir uma sequência de número na ordem inversa ou reproduzir uma figura de memória cerca de 30 minutos depois de observá-la”, disse Lopes.

Ao comparar os usuários com início tardio e o grupo controle, ajustando os resultados de acordo com variáveis como idade e quociente de inteligência (QI), os pesquisadores notaram diferença apenas em uma habilidade conhecida como atenção dividida. Como o nome sugere, essa variável está relacionada à capacidade de realizar tarefas simultâneas.

Aprofundamento

Em um estudo atualmente em andamento no Laboratório de Neuroimagem da USP (LIM-21), o grupo da FMUSP procura correlacionar o perfil cognitivo observado nos dois grupos de dependentes de cocaína com o funcionamento cerebral em repouso e também durante uma tarefa de tomada de decisão. A avaliação é feita por meio de exame de ressonância magnética funcional. Estudos sobre estrutura cerebral e correlações com níveis de uma proteína chamada BDNF (Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro) também deverão ser realizados a partir desses achados.

“Medimos variáveis como volume do córtex pré-frontal e integridade de substância branca [células que auxiliam no funcionamento dos neurônios]. Em breve teremos novidades”, contou Priscila Dib Gonçalves, supervisora do Serviço de Psicologia e Neuropsicologia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP e coautora do artigo.

Segundo a pesquisadora, a maior probabilidade de prejuízos cognitivos com o consumo precoce de droga já havia sido observada em um estudo feito com 104 usuários crônicos de maconha, cujos resultados foram publicados em 2011 no British Journal of Psychiatry.

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