Classificar vício em games como doença irá facilitar o tratamento, defende psiquiatra

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 10/07/2017 às 15:44
Na última semana, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que planeja classificar o vício em games como um novo distúrbio psiquiátrico (Foto: Pixabay)
Na última semana, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que planeja classificar o vício em games como um novo distúrbio psiquiátrico (Foto: Pixabay) FOTO: Na última semana, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que planeja classificar o vício em games como um novo distúrbio psiquiátrico (Foto: Pixabay)

Na última semana, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que planeja classificar o vício em games como um novo transtorno psiquiátrico. Até então apenas a compulsão por jogos de azar, a exemplo dos caça-níquéis, estava listada na Classificação Internacional de Doenças (CID), manual elaborado pela entidade para nortear o trabalho dos especialistas em saúde. A decisão acende o sinal de alerta ao retratar um cenário comum nos dias atuais, que é o uso excessivo, principalmente entre os jovens, dos jogos digitais, e pode ajudar os profissionais a identificar e tratar casos com respaldo de pesquisas científicas.

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Segundo o psiquiatra Amaury Cantilino, doutor em neuropsiquiatria e ciências do comportamento, a dependência por games virtuais têm sido cada vez mais relatada nos consultórios. “Nós já notávamos o que chamamos de dependências comportamentais, com impulsos recorrentes. O paciente carrega uma grande dificuldade de resistir ao vício e se engaja na tarefa mesmo percebendo que consequências danosas começam a aparecer em sua vida. A compulsão por compras, sexo e, mais recentemente, computadores e videogames são muito comuns. Esta última tem, cada vez mais, prendido a atenção do paciente e provocado um quadro clínico neurobiológico muito parecido com a dependência de outras substâncias”, pontua.

Pessoas adictas aos games, exemplifica Cantilino, estão expostas a um tônus dopaminérgico (efeito estimulante) no núcleo do cérebro relacionado ao prazer. Para ter uma ideia, essa região é a mesma estimulada em pessoas que usam cocaína. Geralmente a dependência em games, assim como outras do gênero, começa como diversão. “Inicialmente, o paciente busca o jogo como uma forma de diversão. Depois, a pessoa procura os games para poder lidar com o estresse ou a ansiedade, uma forma de diminuir a tensão do cotidiano. A frequência fica ritualizada e passa a consumir um tempo significativo, invadindo outras áreas da vida. É comum notar prejuízos profissionais, acadêmicos e até no âmbito pessoal. Há casos, inclusive, em que a pessoa esquece de comer para se dedicar ao jogo”, alerta o psiquiatra. .

Irritabilidade, apatia e ansiedade são apenas alguns dos sintomas dos pacientes que são privados do vício em games. “Em muitos casos, o paciente chega a negar a situação e acha um exagero da parte dos outros que observam tal dependência. Às vezes a família precisa intervir no cenário, já que muitos desenvolvem inúmeros sintomas psicológicos”, explica Cantilino. A nova classificação (gaming disorder), que já consta inclusive no relatório preliminar da 11ª edição do CID, pode ajudar a guiar novas pesquisas nessa área. “A dependência em games é um fenômeno relativamente novo. Os jogos, há dez anos, não eram tão estimulantes como os de atualmente. Uma vez que o distúrbio é categorizado oficialmente, as pesquisas em relação a essa dependência vão aumentar de forma significativa”, defende o psiquiatra.

Tratamento

As primeiras terapias a estudarem a dependência por games foram as linhas baseadas no âmbito cognitivo-comportamental. A intervenção terapêutica é guiada, principalmente, em estratégias que modifiquem o comportamento padrão do paciente. “Através da psicoeducação é possível auxiliar os jovens, através de conversações sobre quais são as razões do comportamento disfuncional, e buscar soluções para os mesmos, seja pela família ou, em casos mais complexos, com profissionais da saúde mental”, defende o psicoterapeuta Igor Lins Lemos, também doutor em Neuropsiquiatria e ciências do comportamento.

Entre os métodos utilizados estão a alteração de hábitos não saudáveis (uso excessivo, procrastinar atividades diárias), emoções em desequilíbrio (raiva ou ansiedade, por exemplo, quando o uso é interrompido) e pensamentos disfuncionais (crenças inadequadas que o usuário tem sobre os jogos).

Por ser observado um número maior de casos em adolescentes e adultos jovens, principalmente do sexo masculino, a família tem o papel muito importante no combate ao distúrbio. “Os pais devem ficar atentos aos excessos na utilização dos games. Despender horas sequenciadas utilizando jogos eletrônicos pode reverberar em uma possível dependência tecnológica. É necessário que os responsáveis, especialmente dos menores, saibam quais títulos estão sendo utilizados, respeitando a censura dos games. Cada família deve confeccionar uma estratégia de monitoramento, além de determinar um limite de tempo de uso da tecnologia”, orienta o psicoterapeuta.