"A segurança proporcionada pelas mães repercute na saúde", diz psiquiatra sobre ação terapêutica do colo materno

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 13/05/2017 às 14:14
Médico explica que, graças ao neurohormônio chamado ocitocina, as mães têm um apaixonamento pelo bebê e criam um vínculo muito forte que vai persistindo e deixa marcas de segurança no cérebro (Foto ilustrativa: Igo Bione/Divulgação)
Médico explica que, graças ao neurohormônio chamado ocitocina, as mães têm um apaixonamento pelo bebê e criam um vínculo muito forte que vai persistindo e deixa marcas de segurança no cérebro (Foto ilustrativa: Igo Bione/Divulgação) FOTO: Médico explica que, graças ao neurohormônio chamado ocitocina, as mães têm um apaixonamento pelo bebê e criam um vínculo muito forte que vai persistindo e deixa marcas de segurança no cérebro (Foto ilustrativa: Igo Bione/Divulgação)

Nesta entrevista, o psiquiatra Amaury Cantilino, membro da Comissão de Estudos e Pesquisa da Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), esclarece por que, para a ciência, o colo e o amor de mãe podem (também) ter efeito terapêutico. "Independentemente da idade que temos, nada será tão alentador quanto a voz e o amparo da sua mãe", diz Amaury, ao lembrar as palavras do discurso que fez como paraninfo de uma turma de medicina formada em 2016.

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Na graduação, ele recorda também que passou cerca de dois anos dando plantões de obstetrícia. "Eu não cansava de me encantar ao ver como o choro da criança era aliviado na segurança do aconchego protetor dos braços da mãe. Aquele é um dos momentos mais lindos da vida. Uma mãe recebendo o seu bebê e, com um abraço, mostrar o poder amparador de uma ligação afetiva. Aqueles plantões me revelaram muito sobre o significado da palavra vínculo", acrescenta o psiquiatra ao trazer à memória mais um trecho do discurso.

"Independentemente da idade que temos, nada será tão alentador quanto a voz e o amparo da sua mãe", diz Amaury Cantilino (Foto: Sérgio Bernardo/JC Imagem)

Nesta entrevista à jornalista Cinthya Leite, ele destaca como a sensação de segurança e de confiança proporcionada pela mãe tem efeito no cérebro que vai repercutir por todo o organismo. Ou seja, colo e amor de mãe são um alento em todas as fases da vida. Confira:

No imaginário coletivo, colo e amor de mãe parecem ter efeito terapêutico. O que a medicina e a ciência falam sobre isso?

No discurso que fiz como paraninfo de uma turma de medicina que se formou em 2016, fiz um paralelo entre o cuidado oferecido pela mãe aos filhos e o amparo dado por um médico a um paciente. A mãe suaviza angústias e, muitas vezes, alivia fisicamente o que a criança ou o adulto sentem. E há médicos com essa propriedade de fazer o bem só em estarem presentes, transmitindo tranquilidade e segurança aos pacientes. Independentemente da idade, nada faz tão bem quanto o carinho e o acalento da mãe. É o colo dela que traz essa segurança, mesmo num momento em que o filho se percebe até mais forte do que a mãe.

Mãe é sempre um porto seguro: na infância, na adolescência, na fase adulta e no envelhecimento?

É algo condicionado. Como a mãe é foi fonte de um certo conforto, nos primeiros meses e anos de vida, diante da aflição e doenças físicas, no futuro (quando o filho está adulto), faz-se essa associação: o colo, o carinho, o alento que ela transmite sempre serão uma fonte de segurança. E é curioso como eventualmente a gente vê no consultório pessoas adoecendo quando a mãe morre. É como se houvesse a percepção de perda da sensação de algo que dava segurança ao filho; algo que dava aconchego para lidar com as adversidades da vida.

O colo da mãe tem um significado especial para o recém-nascido?

O bebê para de chorar, quando colocado em contato com a pele da mãe, porque há uma diminuição do cortisol, o hormônio do estresse. O parto é um momento aflitivo para o recém-nascido. Ele chora não apenas pela expansão pulmonar, mas também porque ele sai de um ambiente de conforto (barriga da mãe) para outro que pode ser até hostil naquele momento. São muitas sensações novas para o recém-nascido, que entra num mundo sensorial desconhecido, o que causa uma tremenda aflição para ele. Quando ele entra em contato com a pele da mãe e escuta a voz dela, há uma diminuição do cortisol. Inclusive, nos estudos da neurociência, a gente observa que o toque, o carinho e o abraço de mãe diminuem o cortisol do recém-nascido e, consequentemente, o estresse que ele tem (no pós-parto). Até mesmo os profissionais das unidades de terapia intensiva (UTI) têm se sensibilizado para essas constatações. A gente observa que as mães, cujos bebês estão internados, entram nas UTIs para alisarem, tocarem e conversarem com os filhos porque a voz delas também provoca um efeito alentador na angústia e na aflição do recém-nascido.

Assista à entrevista, na TV JC, com Amaury Cantilino

Então, são muitas explicações biológicas para essa magia ao redor da figura materna...

Também precisamos explicar que, no parto e pós-parto, há um efeito biológico na mãe para se aumentar a ocitocina, que é o mesmo neurohormônio que provoca a saída do leite materno e que que provoca as contrações uterinas. A ocitocina tem um efeito no cérebro de aumentar o apego. Inclusive, é esse hormônio que aumenta quando as pessoas se apaixonam. A ocitocina tem um efeito no cérebro semelhante ao apaixonamento. Quando alguém está apaixonado, fica vidrado naquele objeto da paixão, e outras coisas começam a perder importância. Sabemos que os bebês nascem muito frágeis. Durante os primeiros meses de vida, é importante que alguém se dedique a ele. Então, é um momento em que o bebê tem muitas demandas: chora, acorda frequentemente para se alimentar... E também demanda muito afetivamente. Dessa maneira, se não houvesse esse apaixonamento da mãe pelo bebe e esse vínculo criado, seria provável que algumas mães até chegassem a pensar em abandonar os bebês devido a essa grande demanda, ao cansaço e ao trabalho associados à maternidade. Mas as mães tem um apaixonamento pelo bebê, criam um vínculo muito forte com ele. Esse vínculo vai persistindo e deixa marcas no cérebro. É como se aqueles primeiros momentos da vida angustiantes para o ser humano, em que ele foi cuidado por essa pessoa (que é a mãe), perdurasse durante toda a vida. A mãe ganha essa vantagem em relação a qualquer outra pessoa.

Essa memória afetiva faz esse apaixonamento (da mãe pelo filho) se prolongar por toda a vida?

Em todos os momentos em que o ser humano se sente frágil, ele sente carência da figura materna de alguma forma. Na doença, por exemplo, a gente se fragiliza. Quando isso ocorre, a gente "regride" e sente falta desse afeto materno. A sensação de segurança e de confiança proporcionada pela mãe tem efeito no cérebro que vai repercutir por todo o organismo: diminui o hormônio do estresse e a adrenalina, por exemplo. Isso faz a pessoa lidar até melhor com determinadas situações e doenças que podem vir a aparecer.