Sucesso da terapia celular contra diabetes depende da condição imune pré-transplante

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 28/04/2017 às 16:11
Estudos constataram que efeito terapêutico foi menos duradouro em pacientes com maior quantidade de linfócitos capazes de agredir células do pâncreas antes do tratamento (Imagem: Wikimedia Commons)
Estudos constataram que efeito terapêutico foi menos duradouro em pacientes com maior quantidade de linfócitos capazes de agredir células do pâncreas antes do tratamento (Imagem: Wikimedia Commons) FOTO: Estudos constataram que efeito terapêutico foi menos duradouro em pacientes com maior quantidade de linfócitos capazes de agredir células do pâncreas antes do tratamento (Imagem: Wikimedia Commons)

Da Agência Fapesp de notícias

Um método inovador para tratar o diabetes tipo 1, baseado no transplante de células-tronco hematopoiéticas retiradas da medula óssea do próprio paciente, começou a ser testado no Brasil há 13 anos com resultados bastante heterogêneos. Enquanto alguns dos voluntários permanecem há mais de uma década livres das injeções de insulina, outros voltaram a usar o medicamento poucos meses após receberem o tratamento experimental.

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Uma possível explicação para tamanha discrepância no desfecho clínico dos 25 pacientes incluídos no estudo foi apresentada em um artigo publicado na revista Frontiers in Immunology. Segundo os autores, a duração do efeito terapêutico foi menor justamente nos pacientes cujos sistemas imunológicos atacavam de forma mais agressiva as células do pâncreas no período anterior ao transplante.

A pesquisa tem sido conduzida desde o início no Centro de Terapia Celular (CTC) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP). Inicialmente liderado pelo imunologista Julio Voltarelli, morto em março de 2012, o trabalho segue sob a coordenação das pesquisadoras Maria Carolina de Oliveira Rodrigues e Belinda Pinto Simões.

“Como o diabetes tipo 1 é uma doença autoimune, a proposta do tratamento é ‘desligar’ temporariamente o sistema imunológico com o uso de medicamentos quimioterápicos e, em seguida, ‘reiniciá-lo’ por meio do transplante autólogo de células-tronco hematopoiéticas, capazes de se diferenciar em todas as células sanguíneas”, explicou Rodrigues.

Segundo a pesquisadora, quando os sintomas do diabetes tipo 1 se manifestam, cerca de 80% das ilhotas pancreáticas já foram danificadas. Se a agressão autoimune for interrompida nesse ponto, e as células residuais preservadas, o paciente consegue manter uma produção mínima, mas muito importante, de insulina.

“Estudos com animais e com pacientes portadores de diabetes sugerem que, de seis a oito semanas após o diagnóstico, essa porcentagem de células produtoras de insulina diminui muito, chegando a quase zero. Então, foi estabelecido em nosso centro o limite de seis semanas para que o paciente comece o processo de transplante”, contou.

Inicialmente, foram incluídos 25 voluntários entre 12 e 35 anos. Na média, o efeito terapêutico durou 42 meses (3,5 anos), mas variou, de modo geral, entre seis meses e 12 anos (tempo máximo de seguimento até o momento). Três pacientes ainda continuam livres das injeções de insulina, sendo um deles há 10 anos, outro há 11 anos e um terceiro há 12. “Neste estudo mais recente, comparamos o perfil dos voluntários que ficaram livres de insulina por menos de 42 meses com o perfil daqueles que ficaram por mais de 42 meses. Foi nosso ponto de corte”, explicou Rodrigues.

Diversas variáveis foram consideradas, como a idade dos pacientes, o tempo de espera entre o diagnóstico e o transplante, a dose de insulina que tomavam antes do tratamento e, após o transplante, o processo de recuperação dos vários tipos de célula de defesa. “Em nenhum desses fatores observamos diferença significativa entre os grupos. A única variação relevante foi o grau de inflamação do pâncreas antes do transplante”, disse Rodrigues.

Essa descoberta se tornou possível graças à colaboração com o pesquisador holandês Bart Roep, diretor da Divisão de Doenças Autoimunes do Centro Médico da Universidade de Leiden. Após analisar amostras de sangue dos 25 pacientes colhidas antes do tratamento e a cada ano após o transplante, Roep conseguiu quantificar isoladamente os linfócitos T autorreativos – um tipo de glóbulo branco capaz de reconhecer e atacar especificamente as proteínas secretadas pelas ilhotas pancreáticas.

“Esse método nos permite avaliar o quanto o sistema imune estava agredindo o pâncreas. E foi possível observar uma associação clara entre um maior número de linfócitos autorreativos no pré-transplante e uma pior resposta ao tratamento”, explicou Rodrigues.

Nova abordagem

No grupo de pacientes que respondeu bem, contou a pesquisadora do CTC, a terapia celular foi capaz de reequilibrar o sistema imune graças ao aumento na proporção de linfócitos T reguladores (T-reg), um tipo de glóbulo branco com papel imunossupressor e que, portanto, ajuda a combater a autoimunidade.

“Já nos pacientes que possuíam maior quantidade de linfócitos autorreativos antes do transplante, esse equilíbrio não ocorreu. Mesmo havendo um aumento na quantidade de T-reg com o tratamento, os linfócitos autorreativos continuaram a se sobressair. O que ainda não sabemos é se são células novas, que se diferenciaram a partir das células-tronco transplantadas, ou se são sobras de linfócitos autorreativos que não foram destruídos pela quimioterapia e voltaram a se multiplicar”, disse Rodrigues.

Dados da literatura científica indicam que a segunda hipótese é a mais provável e, por esse motivo, o grupo do CTC iniciou um segundo grupo de estudo no qual os pacientes estão sendo submetidos a uma quimioterapia mais agressiva. O objetivo é evitar que permaneça no organismo qualquer resquício dos linfócitos T autorreativos.

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