Baleia Azul: 'Jogo' leva à ampliação do debate sobre terceirização da educação e do afeto

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 22/04/2017 às 19:14
Relatos sobre adolescentes que teriam sido ameaçados, induzidos à automutilação e ao suicídio após envolvimento em atividades na internet acendem um alerta para as famílias não abrirem mão de criar um canal de diálogo com os filhos (Foto ilustrativa: Free Images)
Relatos sobre adolescentes que teriam sido ameaçados, induzidos à automutilação e ao suicídio após envolvimento em atividades na internet acendem um alerta para as famílias não abrirem mão de criar um canal de diálogo com os filhos (Foto ilustrativa: Free Images) FOTO: Relatos sobre adolescentes que teriam sido ameaçados, induzidos à automutilação e ao suicídio após envolvimento em atividades na internet acendem um alerta para as famílias não abrirem mão de criar um canal de diálogo com os filhos (Foto ilustrativa: Free Images)

Os relatos sobre adolescentes que teriam sido ameaçados, induzidos à automutilação e ao suicídio após envolvimento em atividades na internet (como o que ficou chamado de jogo da Baleia Azul) deixam os pais apreensivos e acendem um alerta para as famílias não abrirem mão de criar um canal de diálogo com os filhos. “A adolescência é uma fase de questionamentos e, por isso, os jovens precisam ser acolhidos. Eles percebem quando têm espaço na vida dos pais, que devem servir de modelo. Não podemos terceirizar educação nem afeto. O que tem acontecido atualmente acende uma luz vermelha”, sublinha a psicóloga Suzana Schettini.

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O depoimento de Suzana Schettini é um estímulo para se fortalecer uma relação mais próxima com uma geração que parece já nascer pronta para explorar a tecnologia. A psicóloga reforça que o hábito constante de usar recursos tecnológicos pode prejudicar o desenvolvimento. “O celular é um mundo pronto; é só apertar o botão. O cérebro precisa ser estimulado. Essa história (de automutilação e suicídio) pode ser consequência de uma geração construída dentro dessas lacunas, achando que o mundo virtual constitui o real.”

"Eu e o pai sempre estamos por perto das nossas filhas, sem deixar de dar limites", diz Eneri Albuquerque, mãe de Luana Raquel e Maria Luiza (Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem) "Eu e o pai sempre estamos por perto das nossas filhas, sem deixar de dar limites", diz Eneri Albuquerque, mãe de Luana Raquel e Maria Luiza (Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem)

A transferência da responsabilidade da criação também preocupa a comunidade médica. “Quando se terceiriza, os pais não sabem o que se fala ou fazem com os filhos. Se a família não for fonte das respostas a dúvidas, quem será o guru dos jovens?”, questiona o presidente eleito da Associação Psiquiátrica da América Latina, Antônio Geraldo da Silva.

A professora universitária Eneri Albuquerque, 61 anos, reconhece o valor de se manter próxima das filhas, as estudantes Luana Raquel, 18, e Maria Luiza, 23. “Quando nós, pais, estamos atentos, percebemos quando os filhos estão tristes e isolados para, assim, chegarmos junto. Eu e o pai sempre estamos por perto das nossas filhas, sem deixar de dar limites, o que é mais desafiador”, relata Eneri.

"Se a família não for fonte das respostas a dúvidas, quem será o guru dos jovens?”, questiona o presidente eleito da Associação Psiquiátrica da América Latina, Antônio Geraldo da Silva (Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem) "Se a família não for fonte das respostas a dúvidas, quem será o guru dos jovens?", questiona o presidente eleito da Associação Psiquiátrica da América Latina, Antônio Geraldo da Silva (Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem)

Saúde mental

Os especialistas destacam que, embora as dificuldades dos jovens possam ser oriundas de um processo educativo, o envolvimento em atividades arriscadas na web podem ser também decorrentes de quadros depressivos e da constante pressão a que os jovens geralmente são submetidos.

Para o psiquiatra Tiago Queiroz, professor da Universidade Federal de Pernambuco, os pais devem estimular conversas sobre temas que fazem parte do dia a dia dos jovens. “O diálogo é importante porque, às vezes, o adolescente não vê o problema. O Baleia Azul é um risco especialmente para quem tem algum transtorno (ou vulnerabilidade a distúrbios psiquiátricos). Além disso, a impulsividade é um traço comum à adolescência. Isso reforça a busca da família pela aproximação com os jovens”, destaca Tiago.

Em defesa da vida

Ao mesmo tempo em que o Baleia Azul preocupa, os olhos também se voltam para o enredo da série Os 13 Porquês, que traz um assunto sobre o qual é preciso falar: suicídio. Conversar abertamente com a população em geral, especialmente com os adolescentes, é o primeiro passo para desmistificar o tema e prevenir mortes. “A família nada deve esconder. É preciso comentar sobre essas questões”, diz Antônio Geraldo da Silva.

O psiquiatra chama a atenção para o uso ostensivo e precoce de álcool e outras drogas, que responde por cerca de 22% das causas de suicídio. “Os jovens passaram a ter mais acesso a esse consumo. Isso é gravíssimo, mas pouco falado.” As palavras do psiquiatra acentuam que o comportamento suicida tende a despontar especialmente em pessoas com algum transtorno psiquiátrico (ou predispostas) e frágeis emocionalmente.

Nesses casos, também é preciso sensibilização e aproximação da família para que alterações de comportamento sejam notadas. A partir desse reconhecimento, deve vir a iniciativa para procurar ajuda de um profissional de saúde e criar um mutirão em defesa da vida.

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