Em classe hospitalar no Recife, criança com câncer metastático dá lição de vida

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 14/03/2017 às 9:56
Ao lado da mãe, Josenaide Coelho, a pequena Ana Júlia faz tratamento contra o câncer e continua os estudos numa classe em hospital do Recife (Foto: Ashlley Melo/JC Imagem)
Ao lado da mãe, Josenaide Coelho, a pequena Ana Júlia faz tratamento contra o câncer e continua os estudos numa classe em hospital do Recife (Foto: Ashlley Melo/JC Imagem) FOTO: Ao lado da mãe, Josenaide Coelho, a pequena Ana Júlia faz tratamento contra o câncer e continua os estudos numa classe em hospital do Recife (Foto: Ashlley Melo/JC Imagem)

Já se passaram dois anos que as crianças acompanhadas pelo Centro de Onco-Hematologia Pediátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Ceonhpe/Huoc), em Santo Amaro, área central do Recife, ganharam a chance de estudar enquanto estão em tratamento para debelar o câncer infantojuvenil, que pode ser curado em 80% dos casos, segundo o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca). Na classe hospitalar Semear, os pequenos continuam o aprendizado entre sessões de quimioterapia e após cirurgias. Desde que criada, em março de 2015, a Semear contabiliza 36 alunos que passaram de ano e seis que foram alfabetizados.

Entre os alunos da classe hospitalar, está a pequena Ana Júlia Coelho, 6 anos, em tratamento contra o tumor de Wilms – um tipo de câncer que acomete o rim. O diagnóstico veio em setembro de 2015, quando a mãe da menina, a dona de casa Josenaide Coelho, 30, percebeu um inchaço abaixo da costela. “Um ultrassom diagnosticou uma massa nos rins. Foi um baque para a família, pois não sabíamos como tratar. Quando chegamos ao hospital, a médica nos orientou. Ela fez sessões de quimioterapia e cirurgia. E nesse período, deixou de estudar, o que foi um abalo para ela”, conta Josenaide, que conheceu a classe hospitalar após conversar com outras mães que acompanhavam filhos com câncer no Huoc.

A pequena Ana Júlia começou a ter aulas em setembro do ano passado, quando o câncer progrediu e atingiu o pulmão. “De lá para cá, já fez cinco sessões de quimioterapia e vai ser operada. Enquanto se trata, está no processo de alfabetização e reconhece um pouco as letras. A classe é uma distração para minha filha, que fica com a autoestima lá em cima enquanto estuda. Sei que ela será curada”, diz Josenaide.

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“Essa classe tem uma importância enorme porque, se oferecemos a continuidade da escolarização, é porque acreditamos que os pacientes têm chance de se curar”, destaca a oncologista pediátrica Vera Morais, presidente do Grupo de Ajuda à Criança com Câncer de Pernambuco (GAC-PE). Foi a instituição que tomou a iniciativa de criar a Semear, através de uma parceria entre a Prefeitura do Recife e o Instituto Ronald McDonald.

"Ver o progresso desses pacientes é, para mim, a realização de um sonho. Ao oferecer humanização, acreditamos na cura”, destaca a oncopediatra Vera Morais (Foto: Ashlley Melo/JC Imagem) "Ver o progresso desses pacientes é, para mim, a realização de um sonho. Ao oferecer humanização, acreditamos na cura”, destaca a oncopediatra Vera Morais (Foto: Ashlley Melo/JC Imagem)

Todas as lições são repassadas aos alunos pela professora Cristiane Pedrosa (lotada na rede municipal de ensino), que abraça um trabalho lúdico e educativo para contar histórias e mostrar que somar, dividir, subtrair e multiplicar são tarefas que podem ter uma ação (também) terapêutica. “Fazemos atividades respeitando o contexto hospitalar. A aula pode ser no leito ou na classe. Mesmo quando eles estão debilitados, querem participar e correspondem (aos ensinamentos)”, ressalta Cristiane, especialista em pedagogia hospitalar e psicopedagogia.

Em dois anos, a Semear já atendeu 58 alunos e funciona numa sala do 5º andar do Huoc, onde se encontram alguns dos leitos de enfermaria para internamento. O espaço tem capacidade para oito alunos por vez. Os pacientes internados no Ceonhpe têm aulas regulares de português, matemática, ciências, geografia e história.

"Nosso trabalho tem que colaborar com o tratamento médico e sempre está em sintonia com a rotina e o contexto do hospital”, salienta a professora Cristiane Pedrosa (Foto: Ashlley Melo/Divulgação) "Nosso trabalho tem que colaborar com o tratamento médico e sempre está em sintonia com a rotina e o contexto do hospital”, salienta a professora Cristiane Pedrosa (Foto: Ashlley Melo/Divulgação)

A meta atual da Semear é ampliar a faixa etária a ser contemplada com a continuidade da educação durante o tratamento contra o câncer. “Assistimos pacientes até 19 anos, mas a classe hospitalar só é direcionada até os 12 anos. Vamos correr atrás do município para contemplar os anos finais (do ensino fundamental) e do Estado para o ensino médio”, frisa Vera Morais.