Variantes genéticas indicam suscetibilidade ao câncer de boca e de garganta

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 30/10/2016 às 8:00
Estudo internacional apoiado pela Fapesp associou conjunto de variantes genéticas relacionados ao câncer de boca e de garganta (Imagem: Wikimedia Commons)
Estudo internacional apoiado pela Fapesp associou conjunto de variantes genéticas relacionados ao câncer de boca e de garganta (Imagem: Wikimedia Commons) FOTO: Estudo internacional apoiado pela Fapesp associou conjunto de variantes genéticas relacionados ao câncer de boca e de garganta (Imagem: Wikimedia Commons)

Da Agência Fapesp de notícias

Um conjunto de variantes genéticas relacionadas com a suscetibilidade para o desenvolvimento de câncer na cavidade oral (boca) e na orofaringe (garganta) foi descrito em um estudo internacional apoiado pela FAPESP e publicado na revista Nature Genetics.

O achado mais notável, segundo os autores, foi a associação entre o carcinoma de orofaringe e determinados polimorfismos (versões alternativas para uma mesma sequência de DNA) encontrados na região do genoma onde ficam os genes codificadores dos antígenos leucocitários humanos (HLA, na sigla em inglês) – proteínas presentes na superfície de células de defesa com a missão de reconhecer potenciais ameaças e iniciar a resposta imune.

De acordo com Eloiza Helena Tajara, professora da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) e coautora do artigo, um grupo específico de variantes nessa região – situada no cromossomo 6 – foi associado à maior proteção contra o carcinoma de orofaringe induzido pelo papilomavírus humano (HPV).

“Estudos anteriores haviam mostrado que essas mesmas variantes conferem proteção contra o câncer cervical [colo de útero], cuja associação com o HPV é bem conhecida. Os resultados indicam, portanto, que os genes que controlam o sistema imune têm papel fundamental na predisposição a tumores ligados ao HPV. Essa descoberta abre perspectivas para esclarecimento dos mecanismos relacionados ao desenvolvimento desses tumores e para elaboração de métodos de monitoramento de grupos de risco”, afirmou a pesquisadora.

O estudo foi coordenado pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC, na sigla em inglês) e congregou 40 grupos de pesquisa da Europa, Estados Unidos e América do Sul. Do Brasil, participaram os integrantes do Gencapo (Genoma do Câncer de Cabeça e Pescoço) – consórcio que reúne cientistas de diversas instituições.

As pesquisas do Gencapo foram realizadas no âmbito do Projeto Temático recém-concluído “Fatores ambientais, clínicos, histopatológicos e moleculares associados ao desenvolvimento e ao prognóstico de carcinomas epidermoides de cabeça e pescoço”, coordenado por Tajara.

Neste trabalho recente, foram avaliados mais de 7 milhões de variantes genéticas em amostras de 6.034 portadores de câncer de cabeça e pescoço – sendo 2.990 de tumores situados na cavidade oral; 2.641 de tumores da orofaringe; 305 de tumores na hipofaringe (parte da faringe próxima ao esôfago); e 168 em outras regiões ou em mais de uma região concomitantemente. Os dados foram comparados com amostras de 6.585 pessoas não portadoras de câncer.

Ao todo, foram encontrados oito locos (locais do genoma) associados à suscetibilidade a esses tipos de tumor – sendo que sete nunca haviam sido relacionados ao câncer de boca ou de garganta em estudos anteriores.

Segundo Tajara, a proposta do IARC foi concentrar os esforços na análise de tumores de cavidade oral e orofaringe porque não havia estudos de associação genômica ampla para esses dois tipos de tumores. Em geral, os casos costumam estar associados ao consumo excessivo de tabaco e álcool. Porém, nos últimos anos, tem aumentado o número de tumores induzidos pelo HPV, particularmente o tipo 16. “E a garganta é a área mais afetada entre os subsítios de cabeça e pescoço, provavelmente por ter um tipo de tecido mais receptivo ao vírus”, explicou Tajara.

No artigo, os pesquisadores destacam que a infecção por HPV já está por trás de 60% dos casos de câncer de orofaringe diagnosticados nos Estados Unidos. Na Europa, o índice é de 30% e, na América do Sul, é ainda menor.

“Um achado de certa forma esperado entre os casos procedentes da América do Sul foi a ausência de associação de variantes na região HLA com carcinoma de orofaringe, o que pode estar relacionado ao fato de os tumores positivos para HPV terem frequência inferior a 10% em nosso continente. O mesmo fator parece ser responsável pela fraca associação das variantes identificadas com carcinomas orais HPV positivos, que de maneira geral também são bem menos frequentes que os HPV negativos”, disse.

Para Tajara, o forte aumento dos casos ligados ao HPV nos Estados Unidos pode estar associado a uma mudança de hábitos sexuais, principalmente à prática de sexo oral. “É possível que o Brasil ainda viva uma fase de transição e os hábitos que favorecem a infecção ainda estejam se disseminando. Se isso for verdade, os efeitos vão aparecer daqui a alguns anos”, ponderou.

Estudos anteriores já mostraram que tumores de cabeça e pescoço ligados ao HPV afetam pessoas mais jovens e se desenvolvem rapidamente, enquanto os casos associados ao consumo de cigarro, álcool e má higiene bucal são mais frequentes após os 50 anos e, embora tenham progressão mais lenta, são considerados difíceis de tratar.

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