BLW: Conheça a prática que dá ao bebê autonomia para comer sozinho e que pode prevenir obesidade

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 27/10/2016 às 6:44
"Todas as estratégias, até hoje, para frear o avanço da obesidade falharam. Quando se lê um bom artigo sobre obesidade, a conclusão é que precisamos de algo novo para combater essa epidemia", frisa Homero Rabelo, ao acreditar que o BLW pode ser uma prática que possibilite a prevenção do excesso de peso (Foto: Sérgio Bernardo/JC Imagem)
"Todas as estratégias, até hoje, para frear o avanço da obesidade falharam. Quando se lê um bom artigo sobre obesidade, a conclusão é que precisamos de algo novo para combater essa epidemia", frisa Homero Rabelo, ao acreditar que o BLW pode ser uma prática que possibilite a prevenção do excesso de peso (Foto: Sérgio Bernardo/JC Imagem) FOTO: "Todas as estratégias, até hoje, para frear o avanço da obesidade falharam. Quando se lê um bom artigo sobre obesidade, a conclusão é que precisamos de algo novo para combater essa epidemia", frisa Homero Rabelo, ao acreditar que o BLW pode ser uma prática que possibilite a prevenção do excesso de peso (Foto: Sérgio Bernardo/JC Imagem)

O pediatra e médico nutrólogo Homero Rabelo, doutorando em Saúde da Criança e do Adolescente pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ressalta a importância de o bebê, a partir dos 6 meses, começar a desenvolver autonomia para escolher o que deseja (e o quanto) comer. Para explicar os benefícios alcançados a partir do momento em que a alimentação pode ser guiada pela própria criança (sempre com supervisão de um adulto, claro), ele dá destaque a uma prática de introdução alimentar que conquista, cada vez mais, as famílias: o BLW - sigla para baby-led weaning (desmame guiado pelo bebê, em tradução livre), cuja proposta é estimular o bebê a se alimentar sozinho, com as próprias mãos, o que pode levar a uma relação prazerosa com a comida, como também favorecer a coordenação motora e a exploração sensorial dos alimentos. Nesta entrevista à jornalista Cinthya Leite, o médico enfatiza que, ao deixar as crianças explorarem livremente a comida, há até a possibilidade de prevenção do excesso de peso: "No BLW, é dada ao bebê a chance de regular o apetite", diz Homero, que ministra palestra sobre o assunto, nesta quinta-feira (27), durante o 4º Congresso Pernambucano de Pediatria, no Mercure Recife Mar Hotel, em Boa Viagem, Zona Sul da capital pernambucana.

Quais são as vantagens do baby-led weaning (BLW), que ganha cada vez mais adeptos como uma prática de introdução alimentar em que o bebê pega a comida com as mãos?

Primeiramente, é bom informar que existem dois tipos de padrão de alimentação: o responsivo e o não responsivo. No responsivo, é dado o controle da alimentação, sem que seja deixada de lado a necessidade da criança: o adulto se conforma com o choro de recusa, fica feliz com o sorriso de abertura da boca e tem interação olho a olho. Ao mesmo tempo, a família não vai ser permissiva a ponto de dar tudo o que a criança quer. A criança não fala, mas ela tem toda uma expressão facial, o choro, o estresse, a tensão e a felicidade. Então, essa capacidade de se entender a resposta da criança é chamada de alimentação responsiva. Nesse ponto, entra o BLW (sigla para baby-led weaning) como um dos instrumentos desse tipo de alimentação: é dada ao bebê a capacidade da autoescolha e autorregulação. Ou seja, a criança pega, diante de uma variedade de opções colocada na mesa de alimentação, o que é agradável, seja pela cor, textura ou sabor. É assim que ela vai conhecendo os alimentos, ingerindo a comida e, na hora que vai se sentindo satisfeita, ela solta o alimento. Ou seja, no BLW, a criança conduz a alimentação; ela vai se autosservindo...

Segundo pediatra, BLW é uma prática em que a crianca pega, diante de uma varidade colocada na mesa de alimentação dela, o que é agradável, seja pela cor, textura ou sabor (Foto: Free Images) Segundo pediatra, BLW é uma prática em que a crianca pega, diante de uma varidade colocada na mesa de alimentação dela, o que é agradável, seja pela cor, textura ou sabor (Foto: Free Images)

E como seria a alimentação não responsiva?

É o que a maioria das pessoas está acostumada a fazer: alimentar de colher 100% das vezes, o que leva a criança a comer tudo o que está no prato. Há casos em que a criança chora, "dizendo" que não quer, que literalmente ela não gosta de abacate, mas (o cuidador) quer que ela coma abacate. Então, essa é uma alimentação não responsiva, em que não se entende o que a criança está "dizendo", do ponto de vista de expressão. Há algumas técnicas não responsivas: distrair a criança para comer. O que tem que distrair a criança para comer é a própria comida, e não a televisão, os filmes que todo mundo coloca no celular, no tablet, na TV... A criança deve ser acostumada a comer pela comida, e não pelo estímulo externo.

Há uma idade ideal para se iniciar o BLW?

A partir dos 6 meses, quando se inicia a alimentação complementar, já se pode aplicar o BLW na rotina da criança. A partir do primeiro prato, é possível oferecer o alimento para a criança. Isso é importante, entre outras coisas, pela questão da seletividade futura. Estudos mostram que, quando a criança é mais ativa na alimentação, diminui-se a recusa alimentar. Há toda uma questão da autorregulação, em que a criança está autorregulando o que ela quer comer, a quantidade que ela quer comer...

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Qual o impacto disso na saúde?

Alguns estudos mostram que (o BLW) é uma técnica capaz de reduzir obesidade, o que pode ser explicado pela autorregulação. Por que é preciso dar para a criança 240 ml de leite? Por que eu não posso dar 150 ml, 180 ml e ela se satisfazer? Se eu oferecer 240 ml, ela vai tomar, pois não é ela que está controlando a regulacão. Então, todo sistema neuroendócrino não está sendo modulado, e sim desrregulado. A criança, nessas condições, está processando a informação de que ela tem que comer, esvaziar a mamadeira e esvaziar o prato. Já no BLW, é dada ao bebê a chance de regular o apetite: não quer mais comer, fecha a boca; quer comer, abre a boca... Todas as estratégias, até hoje, para frear o avanço da obesidade falharam. Quando se lê um bom artigo sobre obesidade, a conclusão é que precisamos de algo novo para combater essa epidemia. E talvez esse algo novo seja a prática alimentar precoce. Se inserimos uma prática alimentar precoce que entende os limites da criança e a respeita, estamos controlando a regulação dessa criança.

Pediatra destaca que, aos 6 meses, são oferecidos dois lanches, que são as frutas (Foto: Free Images) Pediatra destaca que, aos 6 meses, são oferecidos dois lanches, que são as frutas (Foto: Free Images)

O raciocínio do BLW lembra o do aleitamento materno exclusivo...

É muito parecido: o bebê mama a quantidade que ele quer. Quando não quer mais, larga o peito. Muitas mães hoje ainda não entendem isso: acham que o filho mamou pouco e dá logo o outro peito. Mas (geralmente), se a criança largou o peito, não quer mais comer. Se ela estiver chorando realmente, com fome, tem que dar o outro.

Ao comer com as próprias mãos, há risco de engasgo?

Sobre risco de engasgo e de asfixia, estudos não mostram risco maior de asfixia com BLW. Tem um estudo interessante que destaca o seguinte: quem tem mais medo (de BLW) são os profissionais de saúde, não são as mães. Elas estão pegando informações sobre essa prática nos blogs, nos sites, especialmente porque o profissional não dá essa opção (do BLW) a elas.

E quais desvantagens do BLW?

O que alguns estudos mostram é que, praticado de forma exclusiva, o BLW pode fazer com que a criança coma menos carne. E se recorremos totalmente ao BLW, o bebê vai optar mais por frutas e verduras, que são mais fáceis para ele comer. Isso pode levar a um déficit de zinco e ferro, o que não é interessante, já que são micronutrientes neuroprotetores. Então, a questão é: praticar BLW apenas ou optar pela forma mista, em que são usados o BLW e o método tradicional, da colher? Hoje, talvez, a forma mista seja mais interessante.

Pediatra sugere começar deixando os pedacinhos de comida na mesa da criança, que experimenta e pega o que quer. Depois, complementa-se com o método tradicional, em que o cuidador usa a colher (Foto: Free Images) Pediatra sugere começar deixando os pedacinhos de comida na mesa da criança, que experimenta e pega o que quer. Depois, complementa-se com o método tradicional, em que o cuidador usa a colher (Foto: Free Images)

E o que se pode oferecer nesse processo de introdução alimentar, aos 6 meses, a partir do BLW?

Absolutamente tudo. Aos 6 meses, são oferecidos dois lanches, que são as frutas. Qualquer uma se pode oferecer. E cada vez mais, a gente evita suco porque queremos que o bebê mastigue e, de preferência, pegue o alimento. E na hora do almoço, podem ser ofereceridos cereais (inhame, arroz, macarrão), verduras e legumes... Nesse ponto, o brócolis é ótimo, pois a criança tem certa atração pela cor verde. Pode-se deixar tudo em pedacinhos... No grupo da proteína, podem ser dados ovo cozido, frango, carne de boi, fígado, peixe. Os cinco alimentos desse grupo podem ser oferecidos integramente, em pedaços e amassados, seja pelo método tradicional ou pelo BLW... Ou seja, não tem mais isso de, no primeiro mês de introdução alimentar, oferecer só o caldinho de feijão. Mas não se estimula oferecer crustáceos abaixo de 1 ano porque fazem parte dos grupos alergênicos mais importantes.

E se no BLW, come-se com a mão, quando se deve dar talheres ao bebê?

Seria de bom agrado optar pelo padrão misto: pode-se começar deixando os pedacinhos de comida na mesa da criança, que experimenta e pega o que quer. Depois, complementa-se com o método tradicional (em que o cuidador usa a colher). Assim, é dada liberdade inicial de a criança ser estimulada. Se esse padrão misto é iniciado na fase em que a criança está em formação, aos 6 meses de vida, é possível fazer com que ela entenda que pode controlar parte da alimentação dela, o que pode ser uma grande mudança de comportamento futuro.