"Existe algo a mais no câncer de mama", diz psiquiatra, ao falar sobre impacto psicológico da doença

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 08/10/2016 às 6:14
"O mesmo anticorpo que o organismo fabrica para eliminar células tumorais acaba atingindo algumas proteínas e membranas dos neurônios. E dessa maneira, isso pode provocar quadros psiquiátricos, sobretudo depressivos", alerta Amaury Cantilino (Foto: Sérgio Bernardo/JC Imagem)
"O mesmo anticorpo que o organismo fabrica para eliminar células tumorais acaba atingindo algumas proteínas e membranas dos neurônios. E dessa maneira, isso pode provocar quadros psiquiátricos, sobretudo depressivos", alerta Amaury Cantilino (Foto: Sérgio Bernardo/JC Imagem) FOTO: "O mesmo anticorpo que o organismo fabrica para eliminar células tumorais acaba atingindo algumas proteínas e membranas dos neurônios. E dessa maneira, isso pode provocar quadros psiquiátricos, sobretudo depressivos", alerta Amaury Cantilino (Foto: Sérgio Bernardo/JC Imagem)

O psiquiatra Amaury Cantilino, membro da Comissão de Estudos e Pesquisas da Saúde da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), explica como a depressão pode impactar a qualidade de vida e o tratamento da mulher com câncer de mama. "Desconfiamos de um transtorno psiquiátrico quando a reação depressiva se torna grave para provocar uma perturbação funcional, que pode se manifestar por recusa para ir ao médico, não querer fazer o tratamento, achar que a doença é uma sentença de morte e ter pensamento excessivamente pessimista em relação à situação", diz Amaury, nesta entrevista à jornalista Cinthya Leite.

Há mulheres que relatam ter passado por um abalo emocional forte antes do câncer de mama. Isso tem relação com o tumor?

Nós produzimos células cancerosas; é natural que isso aconteça. O sistema imunológico detecta e elimina essas células antes que virem um tumor. Como uma situação de estresse grave perturba o sistema imunológico, pode acontecer de células anormais não serem reconhecidas e eventualmente alguns tipos de câncer serem desencadeados por causa de situações muito estressantes. A pessoa tem que ter também predisposição genética e outros fatores de risco para ter o câncer. O estresse é um gatilho. Outro detalhe é que as células tumorais fazem com que o organismo produza anticorpos contra elas. Alguns tipos de câncer de mama fazem com que organismo produza antígeno em relação a eles. São tumores que têm aspectos muito parecidos com algumas proteínas que existem nos neurônios. Então, o mesmo anticorpo que o organismo fabrica para eliminar células tumorais também acaba atingindo algumas proteínas e membranas dos neurônios. E dessa maneira, isso pode provocar quadros psiquiátricos, sobretudo depressivos. Então, mesmo antes de a pessoa descobrir o tumor, pode aparecer uma depressão que é provocada pelos anticorpos que estão sendo produzidos contra o câncer.

Para psiquiatra, além do estresse próprio da doença que tem concepção social de gravidade, há outro aspecto psicológico, ligado à insegurança diante da feminilidade, que também se torna um estresse (Foto: JC Imagem) Para o psiquiatra Amaury Cantilino, além do estresse próprio do câncer, doença que tem concepção social de gravidade, há outro aspecto psicológico, ligado à insegurança diante da feminilidade, que também se torna um estresse (Foto: JC Imagem)

De que forma a depressão pode se manifestar?

Quando a pessoa recebe o diagnóstico de uma doença grave, ela pode ter uma reação depressiva, que a gente chama de transtorno de adaptação. Desconfiamos de um transtorno psiquiátrico quando essa reação se torna grave para provocar uma perturbação funcional, que pode se manifestar por recusa para ir ao médico, não querer fazer o tratamento, achar que a doença é uma sentença de morte e ter pensamento excessivamente pessimista em relação à situação. O pensamento tem que estar afinado com as notícias que o medico dá sobre o diagnóstico. Se há um pensamento muito mais pessimista do que o médico informa, é sinal de que algo pode estar acontecendo. Em casos como esse, os transtornos psiquiátricos podem levar a um comportamento que dificulta a adesão ao tratamento.

Leia também: Depressão impacta a qualidade de vida e o tratamento de mulheres com câncer de mama

Há sinais de alerta?

Quando a pessoa adoece, termina se concentrando muito na doença para resolvê-la. Então, uma coisa que vai chamar atenção é que a pessoa vai deixar de fazer as coisas do dia a dia por cuidados pessoais e para conservar energia. Mas uma coisa interessante é que a pessoa pensa na doença como uma forma de modificar aquele estado e aumentar a chance de ter menos danos. Por outro lado, há quem fique parado diante do problema, sem pensar no que pode fazer a respeito. A pessoa com depressão se sente impotente diante da doença; é como se ela não pudesse fazer absolutamente nada para poder mudar o estado dela. Há outras pessoas que vão atrás de saber quem é o médico de referência na área e como é o tratamento... Enfim, elas colocam a cabeça para pensar no que podem fazer a respeito do tratamento, diferentemente da pessoa com depressão, que fica com pensamento pessimista e vê um futuro sombrio pela frente.

* Leia também a entrevista com o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo da Silva: Em mulheres com câncer de mama, prevalência de depressão pode chegar a 25%, diz psiquiatra

Como deve ser o tratamento da depressão em mulheres com câncer de mama?

O tratamento medicamentoso precisa ser conduzido por um especialista, um psiquiatra que entenda bem de farmacologia, de interação medicamentosa. É muito frequente, entre pacientes com câncer de mama, o uso de tamoxifeno (medicamento que reduz a ação do hormônio estrogênio no organismo), que interage com boa parte dos antidepressivos. Outro detalhe é que o próprio tamoxifeno pode levar a sintomas depressivos. Nesses casos, é superdifícil diferenciar se a depressão é uma reação à doença, ao tratamento ou se é um efeito colateral do tamoxifeno. Além disso, a psicoterapia é importante porque pode ser uma forma de a mulher reaver a autoestima e conseguir organizar melhor as inseguranças que surgem após o diagnóstico. Os quimioterápicos podem estar associados a sintomas depressivos porque dão uma certa fraqueza e alteração de apetite, o que às vezes podem confundir um pouco com depressão, mas (os quimioterápicos) não dão depressão.

Como avalia o significado do câncer de mama para a mulher?

A mama está associada à feminilidade, amamentação, fertilidade e sexualidade. O câncer de mama abala a autoestima, embora as pessoas o associem a um prognóstico (evolução da doença) positivo porque sabem de histórias positivas, de mulheres que se curaram. Então, imaginamos que a taxa de depressão em câncer de mama poderia ser menor do que a de um câncer cujo prognóstico é pior, como o de pâncreas. Mas chama a minha atenção receber mais pacientes com tumor na mama do que aquelas com câncer de colo do útero, por exemplo. Isso mostra que tem algo a mais no câncer de mama: além do estresse próprio da doença que tem concepção social de gravidade, há outro aspecto psicológico, ligado à insegurança diante da feminilidade, que também se torna um estresse.

Infográfico - Câncer de mama - 08/10/2016