Falta tratamento avançado para pacientes do SUS com câncer de mama metastático

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 29/08/2016 às 16:25
câncer de mama - destaque FOTO:

Segundo o Inca, somente em 2015, 57,9 mil novos casos de câncer de mama devem ser registrados no Brasil (Foto: JC Imagem) Segundo o Inca, somente em 2015, 57,9 mil novos casos de câncer de mama devem ser registrados no Brasil (Foto: JC Imagem)

Por Eduardo Azevedo, editor do Jornal do Commercio

GRAMADO (RS) - Mulheres diagnosticadas com câncer de mama avançado (HER2 positivo) poderiam ter dois anos a mais de vida se houvesse o acréscimo de apenas um medicamento (Herceptin) ao tratamento convencional oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O dado, citado pelo oncologista Leandro Brust durante workshop sobre câncer de mama, realizado este mês em Gramado, no Rio Grande do Sul, chama a atenção para a qualidade do tratamento oncológico público no Brasil, tema de estudo publicado recentemente por especialistas brasileiros no norte-americano Journal of Global Oncology, da Sociedade Americana de Oncologia Clínica.

Leia também:

» Câncer: Pernambucana cria chip que detecta primeiros sinais de 18 tipos da doença

» Câncer de mama também abala os maridos, aponta estudo

» Câncer de mama: reconstrução mamária eleva autoestima e aumenta chances de recuperação

» Pesquisadores apresentam novo caminho para reverter células cancerosas em saudáveis

Na sua palestra, Leandro Brust traçou paralelos aos tratamentos disponíveis nas redes pública e privada no País. “Enquanto terapias inovadoras indicadas para mulheres com câncer de mama avançado estão disponíveis para pacientes de planos de saúde há 17 anos, o SUS continua oferecendo somente a quimioterapia para os casos metastáticos. Somente a partir de 2013, o Herceptin passou a ser disponibilizado na rede pública e apenas para casos de câncer de mama inicial”, alertou o oncologista, no evento promovido pelo laboratório Novartis.

Segundo o especialista, entre os anos de 2005 e 2012, estima-se que aproximadamente cinco mil pacientes morreram por falta da droga trastuzumabe (Herceptin) combinada à quimioterapia. “A falta de acesso ao Herceptin teve como resultado o aumento no número de mortes precoces no Brasil”, constatou o médico, lembrando que 75% dos pacientes com câncer no Brasil são atendidos pelo SUS.

Imagem de mulher com símbolo do câncer de mama (Foto: Hélia Scheppa / Acervo JC Imagem) Para o oncologista Leandro Brust, é difícil detectar precocemente o câncer na rede pública. "Há demora na realização de exames e muitos dos equipamentos (mamógrafos) estão descalibrados", acredita o médico (Foto: Hélia Scheppa/Acervo JC Imagem)

Com um percentual tão alto de atendimento pela rede pública, as projeções para os próximos anos são alarmantes. Um estudo feito pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca) aponta que, somente neste ano, 57,9 mil novos casos de câncer de mama devem ser registrados no País. “As estimativas do Inca permitem prever que 2.008 mulheres serão diagnosticadas com câncer de mama metastático (avançado). Se elas forem tratadas somente com o que é oferecido pelo SUS (quimioterapia), nós teremos apenas 808 pacientes vivas nos próximos dois anos. Se elas recebessem a combinação de quimioterapia e Herceptin, o número de sobreviventes pularia de 808 para 1.408 mulheres”, disse o médico.

Leandro Brust ressaltou que há um enorme abismo entre as terapias (e diagnósticos) de quem tem convênio e de quem não tem. “O saldo disso é que teremos (em dois anos) 768 mortes prematuras tratadas pelo SUS e que poderiam ser evitadas. Esse medicamento (Herceptin) é oferecido pelos planos de saúde há mais de 15 anos”, resumiu, retomando o estudo feito pelo Inca.

“Nós, oncologistas que atendemos na rede pública, passamos quase que diariamente por um dilema. Você está na frente de uma paciente e sabe que existem alternativas terapêuticas que podem oferecer um ganho ou qualidade de vida. Como você vai dizer que ela não tem direito ao que há de melhor? Essa é uma questão grave e que precisa ser amplamente discutida com a sociedade”, desabafou Leandro.

Agravantes

Além da falta de acesso ao Herceptin, incluído há 15 anos na lista de medicamentos prioritários da Organização Mundial da Saúde (OMS), outros fatores que reduzem as chances de cura das pacientes são o sucateamento dos equipamentos da rede pública e a defasagem na tabela de pagamento para os procedimentos (Apac).

“É difícil detectar precocemente o câncer no SUS. Há demora na realização de exames e muitos dos equipamentos (mamógrafos) estão descalibrados”, relatou Leandro Brust. Segundo dados do Inca, 50% dos tumores de mama são diagnosticados em estágios mais avançados, e 30% deles irão evoluir para o estágio em que ocorrem as metástases. “A doença metastática está intimamente relacionada a um diagnóstico tardio”, informou.

A doença metastática está intimamente relacionada a um diagnóstico tardio”, frisa Leandro Brust (Foto: Divulgação) A doença metastática está intimamente relacionada a um diagnóstico tardio”, frisa Leandro Brust (Foto: Divulgação)

O oncologista ressaltou, também, que a tabela do SUS é raramente reajustada. “Estamos há 12 anos sem uma revisão nos valores pagos pelos procedimentos. Houve uma mudança algum tempo atrás, mas foi apenas uma redistribuição. Não há novas incorporações”, disse.

A Autorização para Procedimento de Alta Complexididade (Apac) é uma tabela nacional, que paga por patologia, conforme o estágio da doença. Tem um valor mensal fixo, que deveria cobrir todos os custos do tratamento do paciente (desde internação, medicamentos, alimentação, luz, etc).

Leandro Brust finalizou a palestra com algumas reflexões: “Precisamos rever nossos conceitos acerca de qual o valor de uma vida? Quanto vale a vida de quem tem chance de cura? Ou, quanto vale a vida de quem não tem chance de cura, mas pode viver mais com tratamentos eficazes?", indagou o oncologista.