Botox passa a ser incluído no tratamento dos bebês com microcefalia em Pernambuco

Cinthya Leite
Cinthya Leite
Publicado em 16/08/2016 às 9:11
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A pequena Alice Sophie, 9 meses, faz parte do grupo de bebês com microcefalia que receberão em breve aplicação de botox (Foto: Guga Matos/JC Imagem) A pequena Alice Sophie, 9 meses, faz parte do grupo de bebês com microcefalia que receberão em breve aplicação de toxina botulínica (Foto: Guga Matos/JC Imagem)

Bebês com microcefalia, que geralmente apresentam espasticidade (distúrbio de controle muscular que causa rigidez – um quadro comum à maioria das crianças com a malformação), têm se beneficiado com aplicações de toxina botulínica tipo A, produto que ganhou popularidade com a marca Botox, no ano 2000, para o tratamento das rugas de expressão, mas que tem outras indicações terapêuticas desde a década de 1950. Na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), na Ilha Joana Bezerra, bairro da área central do Recife, pelo menos 15 bebês com microcefalia já iniciaram o tratamento com a substância e, dessa maneira, passam a ter músculos mais flexíveis, o que ajuda a amplitude de movimentos dos braços e das pernas.

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“Observamos que alguns bebês com microcefalia começam a diminuir a abertura dos quadris. A tendência é fechá-los, as pernas ficam cruzadas e, com o tempo, isso faz com que o quadril se desloque e desencaixe. A hipertonia (aumento da rigidez) favorece a luxação. Por isso, vem a indicação da toxina botulínica e das órteses para os quadris e pés”, explica o ortopedista Epitácio Leite Rolim Filho, da AACD. Ele ressalta que o procedimento é um coadjuvante na tentativa de evitar deformidades ao longo do desenvolvimento infantil. “As aplicações de toxina botulínica fazem a musculatura relaxar e deixar a abertura da mão mais flexível, por exemplo”, acrescenta.

As primeiras injeções de toxina botulínica que David, 1 ano, recebeu foram aplicadas na coxa. “Ele passou a abrir melhor as pernas", conta a mãe do menino, Danielle Cândida (Foto: Diego Nigro/JC Imagem) As primeiras injeções de toxina botulínica que David, 1 ano, recebeu foram aplicadas na coxa. “Ele passou a abrir melhor as pernas", conta a mãe do menino, Danielle Cândida (Foto: Diego Nigro/JC Imagem)

A pequena Alice Sophie, 9 meses, faz parte do grupo de bebês com microcefalia que passarão em breve pelo procedimento. Ela tem um quadro de hipertonia na mão e se submeteu a um raio-X para avaliação dos quadris. “Vamos ver se estão se deslocando ou não. Mas é certo que ela receberá toxina botulínica para melhorar a mobilidade da mão”, diz Epitácio. A mãe da menina, a técnica de enfermagem Silvaneide Pereira da Silva, 36 anos, relata que ficou surpresa quando soube da indicação para a filha fazer o tratamento. “Não tinha conhecimento de toxina botulínica para esses casos. Fico na expectativa de que dê certo. A melhora deles também é para a nossa felicidade”, diz Silvaneide, que leva a filha para reabilitação na AACD, no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip) e na Fundação Altino Ventura (FAV).

Assim como outros 20 bebês, em média, Alice Sophie deverá receber as aplicações do produto daqui a 15 dias, quando a Secretaria Estadual de Saúde deverá fornecer a substância para os pacientes da AACD, segundo Epitácio. “Nos pacientes com microcefalia que já iniciaram o tratamento com toxina botulínica, vemos resultados. Alguns receberam até reaplicação da substância. Pelo menos, até o momento, a gente tem evitado as deformidades ósseas e musculares, como também os encurtamentos. Aplicamos até num bebê com 2 meses que tinha muita secreção e, por isso, estava com broncoaspiração frequente. Ele melhorou.”

Toxina botulínica é injetada no músculo-alvo do tratamento, promove relaxamento das fibras musculares e minimiza as contrações involuntárias e a rigidez excessiva (Foto: Divulgação) Toxina botulínica é injetada no músculo-alvo do tratamento, promove relaxamento das fibras musculares, minimiza as contrações involuntárias e a rigidez excessiva (Foto: Divulgação)

O pequeno David, que completou 1 ano em julho, também tem se beneficiado com a toxina botulínica. As primeiras injeções foram aplicadas na coxa. “Ele passou a abrir melhor as pernas. Antes, a troca de fraldas era difícil porque ele não deixava a gente fazer muitos movimentos; ficava agitado. Além disso, ele passou a fazer mais atividades durante a fisioterapia. Sem a rigidez nos membros inferiores, responde melhor aos estímulos”, vibra a mãe de David, a dona de casa Danielle Cândida da Costa, 33 anos.

Capacitação 

Os benefícios da toxina botulínica para bebês com microcefalia foram apresentados ontem, pela neuropediatra Vanessa van der Linden, no workshop Zika Não: Unidos na Emergência, promovido pela Associação Internacional de Neurologia Infantil, em parceria com a farmacêutica Teva. O evento, também realizado pela Secretaria Estadual de Saúde, termina hoje com o objetivo de treinar profissionais no combate ao zika.

"Para crianças a partir dos 7 quilos, com contração muscular indesejada, conseguimos fazer toxina botulínica com boa resposta”, destaca Vanessa van der Linden (Foto: Bobby Fabisak) "Para crianças a partir dos 7 quilos em média, com contração muscular indesejada, conseguimos fazer toxina botulínica com boa resposta”, destaca Vanessa van der Linden (Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem)

Ao falar sobre a toxina botulínica, Vanessa ressaltou a indicação da substância especialmente para os pacientes com microcefalia que têm risco aumentado de luxação de quadril por causa da hipertonia. “Há casos em que as mães nem conseguem fazer a higiene adequada do bebê por causa da contração muscular indesejada. Para essas crianças, a partir dos 7 quilos, em média, já conseguimos fazer toxina botulínica com boa resposta”, destacou Vanessa.

Ação terapêutica

A principal via de aplicação da substância é intramuscular. O produto é injetado no músculo-alvo do tratamento, promove relaxamento das fibras musculares e minimiza as contrações involuntárias e/ou a rigidez excessiva. A ação da toxina botulínica tem início, em média, de três a cinco dias após a sua aplicação. Já a duração varia de 12 a 24 semanas e depende da indicação e da condição de cada paciente.

Entre os benefícios para os bebês com microcefalia, estão a prevenção de contraturas e deformidades, melhora da higiene e retardo na indicação de procedimentos operatórios – ou, até mesmo, suspensão de cirurgia em alguns casos. É bom frisar que se trata de um coadjuvante do processo de reabilitação dos bebês.